O Estado do Acre está situado na porção ocidental-sul da Amazônia Brasileira, fazendo fronteira com Peru e Bolívia e possuindo em seu território o ponto mais ocidental do País. Nossa rede de assistência à saúde serve de referência regional para municípios do Amazonas (como, Ipixuna, Envira, Eirunepé e Boca do Acre), de Rondônia (como Extrema e Nova Califórnia) bem como para os países vizinhos (a partir de Cobija, Iñapari e Puerto Evo Morales). Nossa região é marcada, dentre outras, pela elevada ocorrência de hepatites virais crônicas (notadamente hepatite B e Delta), malária, leishmaniose, arboviroses, tuberculose, hanseníase e micoses sistêmicas e subcutâneas.
A Fondation Mérieux é uma instituição filantrópica dedicada ao combate às doenças infecciosas em regiões do mundo em desenvolvimento, através do fortalecimento das capacidades locais, promovendo investimento em infraestrutura e conhecimentos necessários para o diagnóstico e a vigilância das doenças. Possui longo histórico de parceira com a saúde pública brasileira desde a epidemia de meningite da década de 1970 mantendo, até hoje, diversos trabalhos colaborativos com instituições como Fiocruz e Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo.
Em uma parceria do governo do Acre com a Fondation Mérieux, foi construído no estado o Centro de Infectologia Charles Mérieux / Laboratório Rodolphe Mérieux (CICM/LRM), dedicado à assistência, à pesquisa, e à formação de profissionais em diagnóstico por técnicas de biologia molecular (que pesquisam o material genético dos microrganismos). O CICM/LRM funciona na Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre) e opera dentro de elevados padrões de qualidade, incluindo uma unidade com nível de biossegurança três (NB-3, capaz de lidar com microrganismos de alta periculosidade), sendo um dos mais modernos do País.
O CICM/LRM teve papel central no enfrentamento da pandemia de Covid-19 no estado do Acre, tendo sido um dos primeiros laboratórios do País a realizar exame de PCR (carga viral) para SARS-CoV-2. Trabalhamos diuturnamente durante meses, sozinho, até que o Ministério da Saúde conseguisse se organizar para enviar esses exames aos LACENs do País. Sem nosso laboratório teríamos navegado completamente às cegas no pior momento daquela grave crise.
Recentemente desenvolvemos e validamos, em parceira com a Fiocruz Rondônia, um exame de quantificação do vírus da hepatite Delta, a mais grave de todas as hepatites virais e que assola de forma especial a nossa população da Amazônia Ocidental. Um exame essencial para o diagnóstico e o controle de cura de todos os pacientes com a doença, mas que até hoje não está disponível no SUS, obrigando uma população extremamente vulnerável, em sua maioria ribeirinhos da área rural, a ter que arcar com os altos custos desse exame na rede privada. A maioria, obviamente, vinha sem exame há anos. O exame agora está disponível de forma rotineira na Fundhacre. Atualmente no País, só Acre e Rondônia oferecem o exame de forma universal.
A partir desse mês resolvemos uma demanda reprimida importante do programa de transplante hepático do estado, o diagnóstico da infecção pelo citomegalovírus, complicação conhecida dos pacientes transplantados e para a qual, até então não havia disponibilidade de exames na rede pública, obrigando a Fundhacre a comprar da rede privada, a altos custos, para atender os pacientes da instituição.
Possuímos ainda projetos em andamento nas áreas de tuberculose, hanseníase, doenças respiratórias agudas, arboviroses e resistência antimicrobiana, além de diversos outros, em fases distintas de planejamento e desenvolvimento, com pesquisadores da UFAC nas áreas de biologia, veterinária e meio ambiente. Dispomos no Acre de um equipamento de diagnóstico, pesquisa e treinamento extremamente robusto e potente, fruto da visão daqueles que conseguiram/conseguem enxergar longe.
Como tudo que é inovador, causa também dificuldade de compreensão de início em muitos. Sua vinda para o Acre foi prospectada pelo iminente pesquisador da Universidade Federal da Bahia, Raymundo Paraná, conhecedor profundo da realidade Amazônica. O projeto foi abraçado pelo Acre no início do governo do colega Tião Viana. Mas enfrentou ao longo dos anos inúmeras dificuldades de apoio, necessário para desenvolver suas atividades, por parte de diversas gestões estaduais, incapazes de perceber sua importância estratégica. Tem recebido o pleno suporte da gestão, agora, na atual administração da Fundhacre, sob a liderança do Presidente João Paulo, que demonstra grande capacidade de visão.
A Fiocruz é uma instituição de saúde pública das mais estratégicas para o País. Reconhecida pela sociedade brasileira e internacional, por sua capacidade de colocar a ciência, a tecnologia, a inovação, a educação e a produção de serviços e insumos estratégicos a favor da promoção da saúde da população, contribuindo para o fortalecimento do SUS, a elaboração e o aperfeiçoamento de políticas públicas de saúde e a redução das desigualdades sócio-regionais.
A Fiocruz está presente em 11 estados brasileiros e a unidade mais próxima é a Fiocruz Rondônia, com quem vimos desenvolvendo conjuntamente os referidos projetos na área de hepatites virais. Considerando o papel nacional da Fiocruz, os objetivos e capacidades do nosso CICM/LRM, bem como a experiência exitosa de trabalho conjunto com Rondônia, evoluímos para uma aproximação institucional histórica entre Fiocruz e o estado do Acre.
Assinamos essa semana na sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro, um acordo de cooperação tripartite entre Fundhacre, Fundação Mérieux e Fiocruz que sedimenta as bases para uma parceria sólida, duradoura e extremamente profícua. Um avanço gigantesco em direção ao fortalecimento e desenvolvimento de ações voltadas à saúde, envolvendo pesquisa, inovação e formação de recursos humanos qualificados para o diagnóstico e a vigilância de doenças infecciosas na Amazônia Ocidental Brasileira. Uma aliança estratégica para o estado e para o País, em um momento em que doenças emergentes e mudanças climáticas nos ameaçam global e localmente e nos obrigam a investir cada vez mais em ciência, como única forma de encontrarmos respostas para os crescentes desafios de um mundo em permanente transformação.
O Acre agora tem Fiocruz! Fruto do trabalho do nosso laboratório Mérieux. Ganham os pacientes, os profissionais de saúde, os pesquisadores, a ciência, o Acre e o País.
Por Thor Dantas, MD, PhD
Médico Infectologista e Hepatologista – FUNDHACRE
Professor Associado – UFAC