O curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac) vem sendo negligenciado por parte da instituição, com diversos problemas relacionados à falta de estrutura física em seu bloco, poucos equipamentos, muitos dos quais imprescindíveis para a realização de aulas práticas, e, principalmente, pela falta de segurança no período noturno.
Essas são denúncias feitas por alunos do curso, que reclamam ainda da salas mal cuidadas, com problemas nas portas, pisos, grades de proteção e ar-condicionados.
Segundo a coordenação, diversos pedidos de manutenção nos laboratórios já foram feitos, mas ainda não foram atendidos pela universidade, assim como não houve reposição de equipamentos, que se deterioraram sem a devida manutenção e manuseio, durante e após a pandemia.
Os laboratórios utilizados pelos alunos seguem sem estrutura, com pequenas reformas sendo feitas pelos próprios técnicos do curso, que, por vezes, tiram dinheiro do próprio bolso para comprar materiais necessários e realizar as melhorias.
O aluno Diogo José é calouro, mas já percebe o impacto das más condições dadas aos discentes da Ufac. “Sinto-me péssimo. Ar-condicionados sem funcionamento, forros quebrados, sala do centro acadêmico sem utilização, processos sem resposta, além de muitos outros problemas que a própria coordenação do curso tenta solucionar, mas a gestão da Ufac fecha os olhos,” conta ele.
O estudante Aikon Castro é do 3º período e relata sobre o impacto que essa falta de cuidado tem sobre a formação dos alunos. “Infelizmente, essa falta de estrutura acaba afetando a nossa formação como estudantes, os equipamentos estão extremamente sucateados e não temos nenhum suporte da reitoria em relação a materiais para o curso em si”, revela ele, que está tendo aulas de fotografia e precisa realizar as atividades usando o próprio aparelho celular, já que a universidade não tem câmeras em boas condições para que os alunos utilizem.
Elis Caetano, do 7º período, também conta sobre o abandono, por parte da universidade, com o curso. “Me frustra muito ver que, na era em que estamos, muitas coisas se mantêm em atraso, principalmente no quesito estrutura. Não temos uma sala ambiente que suporte todos em algum evento importante, já tive que sentar no chão, muitas vezes, não que isso me incomode, mas é triste. Claramente, há investimentos que são feitos em ‘excesso’, e outros ficam em falta. Agora, por quê?”, questiona ela.
Sucateamento
Além dos apontamentos feitos pelos alunos, que se sentem lesados pela falta de zelo da universidade, a coordenação confirma que a manutenção dos ar condicionados e a pintura da sala da coordenação não foram realizadas, mesmo com os pedidos feitos formalmente. Outro caso citado por muitos foi em relação a um ar condicionado, enviado ao bloco Walter Félix como novo, mas que, na realidade, já estava sendo usado há mais de 10 anos em outro curso.
A professora e vice-coordenadora do curso de Jornalismo, Aleta Dreves, afirma que também enfrenta dificuldades com os laboratórios. Mesmo que seja uma diretriz do Ministério da Educação que eles existam e cumpram, de forma adequada, sua função, para que o curso possa existir, isso não é cumprido, de acordo com o relato dela.
“Os laboratórios até funcionam, mas são precários. No de TV, tudo o que tem de cenário, iluminação, outras coisas, foram o Célio e o Daniel (técnicos do curso) que ajudaram com materiais e tiraram dinheiro do próprio bolso pra isso. No de rádio, nós temos problemas de equipamentos. No de planejamento gráfico, o espaço físico é perfeito, mas os computadores estão defasados. Nunca tivemos laboratórios 100% aqui”, desabafa.
Sobre os equipamentos disponíveis para serem usados em aula, ela afirma que existem apenas quatro máquinas fotográficas, e todas em um estado ruim, com diversos problemas, sendo impraticável usá-las para ensinar os alunos.
“Sobre fotografia, faltam câmeras, lentes, flashes, um fundo para cenário, iluminação, falta quase tudo. Na TV, nós temos filmadoras antigas, que não funcionam bem fora do nossa iluminação, e outras que são a fita ainda, então, nos falta equipamento mais moderno, cabos, baterias e um estúdio maior. Na rádio, precisamos de uma mesa de som nova, um computador novo, microfones atualizados e um isolamento acústico melhor”, explica Dreves sobre a desatualização existente nos materiais disponíveis para os alunos.
Quando questionada acerca de quanto isso vem ocorrendo, ela diz que isso sempre aconteceu, desde a fundação do curso. “Entra gestor, sai gestor, nós fazemos todas as solicitações e nada acontece, parece que a prioridade da universidade é a assessoria de comunicação (Ascom), que cobre as pautas da reitoria e da universidade. Faz 20 anos que isso já acontece, mas, desde 2019, nós perdemos muitos equipamentos, e, desde o retorno das aulas presenciais, estamos assim”, revela a professora.
Ela reforça que foram tomadas todas as medidas possíveis para que os problemas sejam solucionados, desde documentos internos, requisitando as reformas e melhorias, como conversas formais com o Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), ao qual o curso está ligado, e até mesmo encontros com a atual reitora, Margarida Aquino, conhecida como Guida, durante a campanha para a última eleição aconteceram, mas nada foi solucionado.
De acordo com a professora, via documentos oficiais nunca houve uma resposta concreta. Durante a pré-campanha da reitoria, Guida disse que o curso poderia utilizar os equipamentos da Assessoria de Comunicação da instituição. “Nós dissemos que não é assim que funciona, primeiro que a distância entre o nosso bloco e a Ascom é grande, segundo que a assessoria não funciona durante a noite, e nosso curso é noturno. Daí pra frente, não tivemos uma resposta dela. O processo oficial parou de caminhar no CFCH, não foi pra frente, o nosso diretor de centro também não agendou uma reunião com a reitoria”, lamentou a vice-coordenadora.
Salvadores da pátria
Os técnicos que auxiliam os professores e alunos no uso dos laboratórios também falaram um pouco sobre suas condições de trabalho e destacam, principalmente, o esforço para as produções realizadas no laboratório de telejornalismo.
“Faço parte ativa da construção dos cenários e, claro, com investimento de materiais usados nos espaços”, comenta Célio Roberto, um dos técnicos que ficam à disposição de alunos e professores e que ajudou em reformas para um cenário improvisado dentro do laboratório de telejornalismo.
“Claro que queremos um lugar mais próximo dos estúdios profissionais, para que quem estuda venha a fazer suas práticas num ambiente mais próximo da realidade. Fazer sempre o melhor me deixa satisfeito e por isso que, com todo carinho, acabamos vestindo a camisa e sempre pensando que o mais importante é fazer o melhor para os estudantes. Agora, se o Daniel for embora, como é o plano dele, o curso vai perder muito”, comenta ele sobre o outro técnico disponível aos alunos de Jornalismo.
A atuação de Daniel Dias é imprescindível no curso, segundo os alunos do bloco de jornalismo, seja trazendo equipamentos pessoais para a realização de diversas atividades, criando novos ambientes e estruturas, e tornando possível a realização de eventos diferentes, como transmissões ao vivo feitas diretamente dos laboratórios, via internet.
Insegurança
Recentemente, a aluna Ana Luiza foi vítima de uma ação de bandidos, dentro da universidade, em que uma dupla abordou a jovem com uma arma de fogo e levou alguns de seus pertences, enquanto ela esperava o ônibus.
Diogo José falou um pouco sobre a falta de segurança nas dependências da Ufac, principalmente no período noturno. ”Acho que todos os cursos sentem certa deficiência quando se fala de segurança, mas essa insegurança é muito maior quando falamos de cursos noturnos como o jornalismo”, explicou ele.
Aikon também comentou sobre essa sensação de insegurança. “Os alunos da noite não possuem nem uma segurança digna, como podemos ver no caso da minha colega de curso, que foi assaltada dentro do campus, sem contar a questão de assédio sexual, sobre o qual a reitoria, aparentemente, faz vista grossa”, denunciou ele, relatando o ocorrido com Ana Luiza e também o assédio sofrido por alunas do curso de História (que divide o bloco com o curso de Jornalismo, tendo suas aulas ministradas durante o dia).
Segundo Aikon, a Ufac paga, mensalmente, para que uma empresa de segurança atue dentro do campus, visando à proteção de alunos e funcionários da instituição, entretanto estes não se sentem realmente seguros e protegidos dentro da universidade, atualmente.
Falta de estímulo e preocupação com o futuro
O que fica para os alunos é o desestímulo para produção de produtos dentro da universidade e uma preocupação com o futuro. Aikon ressalta o receio que tem de perder oportunidade para pessoas que vêm de outros estados, devido à baixa qualificação, pelo fato de não ter aulas práticas.
“Com a falta de um bom laboratório, o meu aprendizado fica prejudicado e acaba trazendo uma má capacitação e, assim, profissionais de outros estados podem vir ocupar as vagas de emprego que poderiam ser minhas ou de colegas de curso do estado”, explica ele.
Elis Caetano questiona como alunos que não têm condições de ter equipamentos para produzir os conteúdos necessários poderão se desenvolver, sem o apoio da universidade pública. “Durante a disciplina de rádio, foto e televisão, me senti recebendo um balde de água fria. O que me deixa muito triste é que para termos produções audiovisuais, por exemplo, a universidade não nos garante equipamento para produzir. E o aluno que não tem computador, microfone de lapela, celular com câmera boa, como fica?”.
Diogo José fala sobre o medo de ter as aulas paralisadas por conta da falta de estrutura que alguns professores têm, o que os impossibilita de realizar as atividades com os alunos de maneira adequada. “Tenho que lidar, constantemente, com o medo de greves por falta de equipamentos para as aulas práticas, laboratórios em péssimo estado, entre outros problemas evidentes no curso”, conta o jovem.
Um pouco de história
O curso conhecido, atualmente, como Bacharelado em Jornalismo, outrora conhecido como Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, surgiu há mais de 20 anos, em 2001, por uma forte demanda de profissionais na área que já atuavam ou desejavam atuar no Acre.
Durante esse tempo, muitos dos profissionais que compõem as equipes dos veículos de Comunicação públicos ou privados do estado são “filhos” do curso da Ufac e começaram a sua trajetória dentro da universidade, que se vê em péssimas situações, atualmente.