O Tratado de Petrópolis completa, em 2023, 120 anos. O acordo pôs fim aos conflitos da chamada revolução acreana que ocorriam na região. O tratado retrata a história do povo acreano e a sua luta para se tornar brasileiro. De Galvez a Plácido de Castro, foram inúmeros os que tentaram ter a posse do território, que quase virou um país. Confira, a seguir, um pouco dessa história.
As “tierras non descubiertas” como protagonistas no 1º ciclo da borracha
Apesar de pertencer à Bolívia, a região do Acre era apenas um canto esquecido da Amazônia, habitada por tribos indígenas. Como não tinha valorização pelo governo boliviano, que via o lugar como terras desabitadas, foram os seringueiros brasileiros, grande parte nordestinos, que contribuíram para o desenvolvimento e a exploração da área e dos recursos, que, à época, se baseava na extração da borracha.
Para o doutorando em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Ramon Nere, o tratado é considerado a “certidão de nascimento do Acre” como brasileiro. ‘’O Tratado de Petrópolis tem muita importância para a nação brasileira, pois, além de pôr fim aos conflitos, ajudou na delimitação territorial das fronteiras, tornando as relações diplomáticas e mais amistosas entre os dois países”, explica.
Com uma grande área de seringueiras, árvore na qual é extraído o látex, a indústria automobilística americana solicitou à região grandes demandas de borracha, tornando a exploração de látex um negócio muito atrativo. Visando lucrar, o governo boliviano resolveu abrir um posto alfandegário e passou a cobrar taxas de extração e transporte dos seringueiros, que trabalhavam desde o início.
De Puerto Afonso a Porto Acre
A medida provocou atritos entre as autoridades e os moradores da floresta. Foi quando o jornalista espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Arias, que também era funcionário do consulado boliviano em Belém, se uniu aos moradores da região e, apoiado pelo então governador do Amazonas, Ramalho Júnior, proclamou a República do Acre, tornando-se o presidente do território acreano.
Galvez alterou o nome da única cidade, que constituía o ‘’país’’ de Puerto Afonso, para Porto Acre, criou uma bandeira e até a própria moeda. Mas, o sucesso foi curto. Cerca de seis meses depois, o controle do Acre voltou para a Bolívia, que logo passou o domínio do estado para a multinacional de Nova York, Bolivian Syndicate, que simplesmente visava lucrar com a produção e exportação da borracha.
Não é festa, é revolução!
Afim de desbravar a Amazônia, o ex-militar José Plácido de Castro logo se tornou um grande opositor do plano boliviano, e passou a planejar com os seringueiros uma nova luta. O embate territorial começou com a tomada de Xapuri, que ocorreu na noite do dia em 6 de agosto de 1902, dia em que se comemorava a Independência da Bolívia.
Plácido de Castro, junto com sua tropa, invadiu, de surpresa, a vila e deu voz de prisão aos bolivianos, com a famosa frase: “Isso não é festa. É a revolução!”. A batalha durou 11 dias, e finalmente, com o apoio e reconhecimento brasileiro, o ministro das Relações Exteriores e diplomata, o barão de Rio Branco, agiu com diplomacia, obrigando Castro a abandonar o poder.
O tratado foi assinado na casa onde veraneava o Barão do Rio Branco
O local escolhido para selar a paz foi Petrópolis, no Rio de Janeiro. O acordo incluiu o Acre, entre os 26 estados da República Federativa do Brasil, pelo valor pago à Bolívia de 2 milhões de libras esterlinas, parte do Mato Grosso entre os rios Abunã e Madeira. E a construção da estrada de ferro que possibilitaria à Bolívia, uma saída para o mar, indo do rio Madeira até o rio Amazonas, que chegaria no Oceano Atlântico.
Madeira Mamoré ou ‘’Ferrovia do Diabo”, nome difundido entre os populares pelo grande desafio desde o seu início, foi a 15ª ferrovia a ser construída no país, e após quase 20 anos de lucro, entrou em declínio devido à queda da participação brasileira no mercado da borracha, sendo substituída por uma rodovia que corta a Vila de Teotônio, em Porto Velho. Parte do que restou da ferrovia segue rodeada de mato.
Ramon Nere conclui que ambos os países tiveram vantagem com o assinado do tratado. ‘’Para os bolivianos, a guerra, inicialmente, estreitou as relações com o Brasil, mas, ambos os países tiveram vantagem com o acordo. Potencializando as relações comerciais e econômicas. A Bolívia podendo escoar suas produções com a ferrovia, e o Brasil usufruindo os recursos naturais do Acre.’’
Confira as imagens que marcaram a época:
Por Walace Gomes – Estagiário em supervisão