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Poesia ‘Do que me adianta ser mulher’, da artista acreana Natielly Castro

Poesia ‘Do que me adianta ser mulher’, da artista acreana Natielly Castro

Em alusão ao Dia Nacional da Poesia, comemorado na última terça-feira, 31 de outubro, o A Gazeta do Acre publica, ao longo da semana, versos de cinco autores locais como forma de homenagear os fazedores da sexta arte. A série segue com a poesia “Do que me adianta ser mulher”, de Natielly Castro.

 

Do que me adianta ser mulher

Do que me adianta ser mulher,

Se a minha raça que chega primeiro,

Se entre os becos, meu corpo é depósito,

E para a patroa, meu destino é único.

Isso é histórico!

Enquanto as praças se lotavam de mulheres brancas e seus cartazes de “meu

corpo é livre”, seus filhos eram alimentados pelas babás pretas,

Ninados por babás pretas,

E os filhos das pretas?

A deriva!

Deriva do crime, da bica, e da polícia.

No quarto da empregada cabe a história do Brasil inteiro.

E eu já ouvi muitas histórias mal contadas,

A cor do roubo, a cor da morte, e a cor da farda.

O que não vi foi o filho de deputado preso por ser traficante de bala,

E bala boa é a que bate!

E se for playboy, a festa tá garantida,

Sem alvará pra madrugar com o som alto,

E direito a estupro coletivo com as amigas.

É tudo liberado,

Depois de louco e alcoolizado,

Toca fogo em morador de rua, que esquecia da fome deitado naquele chão

gelado.

Que obsurdo!

O estrupo ou a negligência do estado?

Ou o fato do playboy ter o sistema ao seu lado?

Já é fato,

A omissão e a descrição diferente para os dois casos.

A manchete muda se o acusado, tiver dois tons mais claros,

De bandido para estudante,

 

De traficante para usuário.

Mas que fique escuro, pois já esteve muito tempo claro,

Se quer saber sobre a história do Brasil,

Entenda que importa muito a perspectiva que a história é contada!

 

Sobre a poesia

Novembro é o Mês da Consciência Negra no Brasil. E é essa a temática que dá o tom e a cor da poesia “Do que me adianta ser mulher”. Nela, Natielly Castro expõe, pela ótica de mulher negra, seu sentimento de revolta contra as chagas ainda abertas do racismo e da escravidão à qual os negros foram submetidos no país.

Para isso, a artista leva o leitor a diversos ambientes, entre eles o quarto da empregada doméstica. “Nele, cabe a história do Brasil inteiro e nos conta muito sobre como esse país foi construído, desde os tempos da colônia até a sociedade moderna”, afirma.

“Enquanto as mulheres negras estavam cuidando das outras mulheres e cuidando das crianças das outras mulheres, os seus filhos eram abandonados e jogados à deriva. Então essa poesia traz esse sentimento de revolta e sobretudo de denúncia, no sentido de falar que isso aconteceu, acontece e se perpetuará se nós não tivermos alguma reflexão sobre”.

Sobre a poeta

Natielly Castro de Lima, ou Nati de Poesia, como também é conhecida, é escritora, poeta marginal, palhaça, arte educadora, graffiteira e acadêmica de Filosofia pela Universidade Federal do Acre (Ufac).

A jovem integra os coletivos Poetas Vivos, Trz Crew e Cufa Acre, sendo ainda idealizadora da Slam das Minas Acre, um campeonato de poesia falada protagonizado por e para mulheres.

Em 2019, foi convidada para o Slam Nacional da Flup. Tem mais de 10 fanzines e livretos publicados e participa da antologia “Luta de Classes”, idealizada pelo Slam da Guilhermina, e “Versos e Melanina – Poetas Vivos”.

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Confira a primeira poesia da série – “Dos sinais”, de Quilrio Farias

Confira a segunda poesia da série – “Poema pra não te esquecer”, de César Félix

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