O que deu de repente no ex-presidente Jair Bolsonaro que, no passado, referiu-se a direitos humanos como “direitos de bandidos” e “esterco da vagabundagem”?
Bolsonaro e seus seguidores sempre associaram a pauta dos direitos humanos à esquerda e à impunidade e defendem punições mais drásticas para criminosos.
Em 2017, o vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, compartilhou uma foto em que seu pai segurava uma camiseta com os dizeres: “Direitos Humanos: esterco da vagabundagem”.
Poucos dias depois, o próprio Bolsonaro escreveu nas redes sociais que a população é que deve ser respeitada pelo preso: “Temos cidadãos honestos desempregados vivendo em péssimas condições; priorizar bandido é uma afronta à sociedade que sangra nas mãos destes delinquentes”.
Candidato a presidente, Bolsonaro afirmou que cidadãos estavam indefesos diante de “bandidos rindo da cara da população com a política de direitos humanos e fragilidade da legislação”.
Pois bem: ele, agora, participa da convocação de um ato, neste domingo, 26, na Avenida Paulista que tem como mote a defesa da democracia e dos direitos humanos dos acusados pelo golpe de 8 de janeiro.
Organizado pelo pastor Silas Malafaia, o deputado Nikolas Ferreira e o senador Magno Malta, o ato lembrará a morte súbita de Clériston Pereira na penitenciária da Papuda, em Brasília.
Em 1º de novembro, a Procuradoria Geral da República pediu a concessão de liberdade provisória para Cleriston, com uso de tornozeleira e outras restrições.
Antes que o ministro Alexandre de Moraes decidisse a respeito, Clériston morreu. Ele fora denunciado por crimes como abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado.
A defesa de Clériston alega que ele morreu porque sua saúde era precária e o socorro demorou. O governo do Distrito Federal nega: diz que o atendimento foi feito em tempo adequado.
Direitos humanos temos todos – democratas e golpistas, inocentes e criminosos. Bolsonaro é que distingue entre os que merecem ter seus direitos respeitados, e os que não merecem.
Mais de uma vez ele já saiu em defesa de milicianos que matavam a rodo – um deles, Ronnie Lessa, seu vizinho na Barra da Tijuca, no Rio, acusado de ter assassinado a vereadora Marielle Franco.
Outro que ganhou a simpatia de Bolsonaro e dos seus filhos, o policial Adriano da Nóbrega, acusado de chefiar o Escritório do Crime, no Rio, foi morto pela polícia baiana. Queima de arquivo.
Quando deputado estadual pelo Rio, Flávio Bolsonaro, o Zero Um, aprovou na Assembleia Legislativa 495 moções e concedeu 32 medalhas a policiais militares e civis, e guardas municipais.
Flávio homenageou o capitão Ronald Pereira, lotado no 22º Batalhão. Três meses antes, Pereira fora acusado de participar da chacina de quatro jovens na Baixada Fluminense.
Trabalharam no gabinete de Flávio a mulher e a mãe de Nóbrega, que receberam R$ 1.029.042,48 em salários e devolveram R$ 203 mil para Fabrício Queiroz, o chefe do esquema da rachadinha.
Queiroz sente-se abandonado pelos Bolsonaro e ameaça exercer seu direito à livre expressão contando o que sabe sobre eles. Não contará se forrarem seus bolsos com dinheiro.
Por Ricardo Noblat (Metrópoles)