Os eventos climáticos extremos, como secas, inundações, ciclones e ondas de calor, estão se tornando cada vez mais frequentes e fatais segundo cientista que integrou o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) (1). Estes eventos têm um impacto devastador nas pessoas, nos ecossistemas e na economia. Eles podem causar mortes, deslocamentos populacionais, perda de infraestrutura e danos à agricultura e ao meio ambiente. De acordo com o relatório divulgado em 2023 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) (2), esses acontecimentos são consequências do aquecimento global, ocasionado pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa. Temos o exemplo do El Niño de 2023, que tem provocado ciclos irregulares de chuva e estiagem, levando a uma grave crise hídrica na Bacia Amazônica (3). Será que estamos à beira de um ponto sem retorno? Quais medidas podem ser adotadas para atenuar esses efeitos?
Uma das respostas a essas questões reside na conservação da Amazônia, um ecossistema de importância global, porém, constantemente atingido por altas taxas de desmatamento e degradação florestal. Como todo e qualquer ecossistema, a Amazônia tem um ponto limite além do qual não será possível recuperá-la. Muitos cientistas temem que a Floresta Amazônica inicie um processo irreversível em direção à savanização se o desmatamento atingir 40% de sua cobertura original e que hoje já atinge seus 17% (4). Os autores ainda afirmam sem meias palavras que do ponto de vista climático, a degradação generalizada da Amazônia seria uma catástrofe global irreversível.
Diante desse cenário, a restauração florestal surge como uma das medidas que podem recuperar o equilíbrio ecológico e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Através da reconstrução gradual da floresta é possível recuperar a vitalidade do solo, melhorar a qualidade da água e proteger a biodiversidade (5). Um estudo demonstra que o reflorestamento diminui em média 1,2ºC a temperatura local no período seco (6). Além disso, as espécies plantadas podem gerar renda para o produtor rural com a produção de madeira de espécies nativas, de produtos não-madeireiros, como frutas, castanhas, sementes e combater o desmatamento ilegal. Podem, ainda, estar em consórcio com produtos de mercado já estabelecidos, como a banana, o cupuaçu, o cacau e muitos outros.
Conforme Dias Filho, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (EMBRAPA) o Brasil tem cerca de 130 milhões de hectares de áreas de pastagem com algum grau de degradação (7). São áreas de baixa produtividade agropecuária que sofreram desmatamento e foram mal manejadas ou abandonadas. Essas áreas representam um grande desafio para o país, pois impactam negativamente o meio ambiente e a economia (5). Do ponto de vista ambiental, as áreas degradadas contribuem para o aumento da erosão, da desertificação e da perda de biodiversidade. Do ponto de vista econômico, elas reduzem a produtividade agrícola e a geração de renda.
A necessidade de restauração também está na agenda das políticas públicas brasileiras. Segundo o relatório do Ministério do Meio Ambiente (MMA) o país se comprometeu, no Acordo de Paris, a restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 (9). O Brasil também é um membro da Iniciativa 20 x 20, que quer promover a restauração de 50 milhões de hectares até 2030 (5).
Entretanto, o sucesso da restauração florestal depende de um forte compromisso político e social. Governos, organizações não governamentais, empresas e comunidades locais devem colaborar no desenvolvimento e na implementação de estratégias sustentáveis e socialmente justas. Isso engloba garantir os direitos de terra das comunidades indígenas e tradicionais, desenvolver modelos de negócios sustentáveis e promover a educação ambiental. Sendo que, economicamente para alcançar a meta de recuperar 12 milhões de hectares em áreas degradadas até 2030, o investimento necessário que o Brasil deverá fazer será entre US$ 700 milhões e US$ 1,2 bilhão ao ano (8).
Muitos são os desafios para a implementação da restauração florestal e a escassez de recursos financeiros é um deles, visto que o processo é dispendioso e demorado, dificultando o financiamento de projetos em larga escala. Para se ter uma ideia, o custo para restaurar 1 hectare de área degradada com espécies florestais e agrícolas pode variar em torno de 20 mil reais no Sudoeste da Amazônia (12). Além disso, a resistência local e a pressão de setores como agricultura, pecuária e infraestrutura também representam obstáculos consideráveis.
Apesar dos desafios, existem exemplos inspiradores de projetos de restauração no Brasil. O Programa de Reflorestamento da Mata Atlântica (Reflora) é um dos mais notáveis, já tendo recuperado mais de 1,5 milhão de hectares de floresta na Mata Atlântica e na Amazônia (5). Outros exemplos incluem os projetos de reflorestamento do Rio Negro, Floresta para Sempre e os projetos de restauração florestal nas bacias dos rios Juruá no Estado do Acre e Tapajós no Pará.
Os benefícios da restauração ambiental são indiscutíveis, indo além da recuperação da biodiversidade. Estudos da EMBRAPA indicam que áreas restauradas podem sequestrar grandes quantidades de carbono da atmosfera, contribuindo diretamente para a mitigação das mudanças climáticas, a regulação do ciclo da água e a melhoria de sua qualidade, além da proteção do solo (11). Além do mais, oferece oportunidades econômicas através da exploração sustentável de recursos florestais madeireiros e não madeireiros.
No Sudoeste da Amazônia, em entrevista com representantes da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), o Estado do Acre tem apoiado pequenos e médios produtores por meio do Programa de Regularização Ambiental, que objetiva a recuperação de áreas degradadas e alteradas com a implementação de sistemas agroflorestais (SAFs), a fim de diminuir o passivo ambiental, ao passo que fomenta o desenvolvimento sustentável por meio de espécies nativas e frutíferas que trazem um retorno financeiro às famílias assistidas pelo programa.
Atualmente, o estado do Acre por meio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) vem apoiando a restauração de 280 hectares, com recursos do Programa REM/KfW e 47 hectares pelo projeto Paisagens Sustentáveis da Amazônia (12). Além dos dados apresentados, mais de 500 propriedades rurais estão aptas a implementar projetos de restauração, conforme dados do Escritório do CAR/PRA12. Segundo o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento a Amazônia tem que restaurar 7,2 milhões de hectares (10).
Existem, porém, muitos entraves para acessar essas propriedades, dadas as dificuldades enfrentadas na aceitação do projeto, mão de obra especializada para implementação, e principalmente, a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) que prevê a recuperação de todo o passivo existente no imóvel, e não apenas na área do projeto.
Essas iniciativas prometem melhorar significativamente a qualidade dos ecossistemas, contribuir para a mitigação das mudanças climáticas e fortalecer a economia acreana. Portanto, a restauração florestal é essencial no desenvolvimento sustentável da Amazônia, ao passo que contribui para a proteção global da biodiversidade, combate às mudanças climáticas e na regulação da temperatura.
*Produto da disciplina de Comunicação em Pesquisa Científica, Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal, Universidade Federal do Acre (UFAC).
Autores
* Cristiano Corrêa da Silva – Engenheiro Florestal, Pós-Graduando em Ciências Florestais da Universidade Federal do Acre (Ufac).
* Roger Daniel Recco – Engenheiro Agrônomo, Pós-Graduando em Ciências Florestais da Ufac.
* Tayna Neri de Souza Bortoloso– Engenheira Agrônoma, Pós-Graduanda em Ciências Florestais da Ufac.
* Erica Karolina Barros de Oliveira – Engenheira Florestal, Pós-Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais da Ufac.
* Irving Foster Brown – Pesquisador do Centro de Pesquisa em Clima Woodwell, Docente de Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Ufac
REFERÊNCIAS
1- DORIA, V.; DOURADO, I. “Muitas gerações vão viver com clima mais extremo”, diz Carlos Nobre. Correio brasiliense, Brasília, 20 de novembro de 2023. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/11/6657757-muitas-geracoes-vao-viver-com-clima-mais-extremo-diz-carlos-nobre.html>. Acesso em 06 de dezembro de 2023.
2- Organização das Nações Unidas (ONU). Relatório da ONU revela aumento alarmante nos efeitos da mudança climática, ONU News. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2023/04/1813222> Acesso em: 06 de dezembro de 2023.
3- Agência Nacional das Águas (ANA). Painel El Niño 2023-2024. Disponível em: https://www.gov.br/ana/pt-br/sala-de-situacao/painel-el nino/boletins/mensal/painel_el_nino_boletim_mensal_no_02.pdf. Acesso em: 20 de outubro de 2023.
4- ALBERT, J.S. et al., Human impacts outpace natural processes in the Amazon. Science, v. 379, n. 6630, 2023. Doi: 10.1126/science.abo5003.
5- World Resources Institute Brazil (WRI). Disponível em: Restauração Florestal: beabá da restauração em 7 perguntas. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/noticias/o-beaba-da-restauracao-o-que-e-restauracao-florestal-em-7-perguntas>. Acesso em: 20 de outubro de 2023.
6- HAGHTALAB, Nafiseh; MOORE, Nathan; NEJADHASHEMI, Pouyan. Would Forest Regrowth Compensate for Climate Change in the Amazon Basin? Applied Sciences, v. 12, n. 14, p. 7052, 2022.
7- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Forestry and silviculture Plant production. Prosa Rural – Manejo previne a degradação de pastagens garantindo lucro e sustentabilidade. Disponível em <https://www.embrapa.br/en/busca-de-noticias/-/noticia/71281261/prosa-rural—manejo-previne-a-degradacao-de-pastagens-garantindo-lucro-e-sustentabilidade>. Acesso em 06 de dezembro de 2023.
8- The Nature Conservancy. “Recuperar florestas pode custar US$ 1,2 bilhões por ano”. Acesso em 24 de novembro de 2023. https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/noticias/recuperar-florestas-pode-custar-muito-caro
9- Ministério do Meio Ambiente (MMA). Acordo de Paris. Disponível em: <https://antigo.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/acordo-de-paris.html>. Acesso em: 20 de outubro de 2023.
10- Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).Planaveg: Plano Nacional de Recuperação Da Vegetação Nativa. 2017.
11- LIMA, R.M.B. et al., Recuperação de áreas degradadas ou alteradas na Amazônia. Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental, 2022. 28 p. Documento/Embrapa Amazônia Ocidental, ISSN 1517-3135; 157.
12- ACRE. Governo do Estado do Acre. Programa de Regularização Ambiental do Acre. Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Rio Branco: Escritório do CAR/PRA, 2023.