Para você eu escrevo, eu lhe conheço razoavelmente bem e você me compreende, há muito tempo que venho lhe acompanhando, se você disser que tem coisas que você observa em mim que eu não me dou conta seria compreensível; a compreensão é, por vezes, algo monstruoso, é sempre um querer mais que deseja conhecer o outro, no limite amá-lo ao ponto de penetrar-lhe o íntimo para saber com quem estamos lidando. Sim, “amava-me por ódio, e este amor é o mais forte…”, (O Eterno Marido, 1870); a leitura é um envolvimento que se abre para o outro, nas profundezas descobrimos as afinidades a partir das quais se geram as contradições. “
O mais monstruoso dos monstros é o monstro com sentimentos nobres: sei isso por experiência própria…”, entende, leitor? Você não pode escapar! “Abraços e lágrimas de perdão total não ocorrem sem um preço, mesmo no caso de pessoas decentes, quanto mais em se tratando de gente como nós dois…”, você deve estar me entendendo, leitor, você não está isento! Os outros podem se iludir quanto à minha pessoa, você não… O que eu falo de mim lhe diz respeito, você sabe que é sobre nós.
As diferenças? São risadas.
Eu compreendo a crítica a qualquer tipo de identificação que nos prende a um destino que não é o nosso, Dostoiévski se irritava com a pretensão gogoliana que se refletia como um espelho diante do qual recusamos as impressões; não porque faltasse aos sentidos a força necessária para alcançar o conceito estético, que somente se conquista com a ciência e a arte, mas porque para além das aparências desejamos conhecer o gênio que desafia.
O romance não pode sucumbir ao prosaísmo nem ceder ao critério espetaculoso, o gênio é o que em nós quer o melhor que nos torna distintos, não pela diferença, pois o indivíduo que se assinala em relação à espécie destaca o acento para colocar o chapéu; o sentido meramente prosaico rebaixa o indivíduo a uma função como a espetacularização transforma o escritor em uma exceção, como se precisássemos de exemplos que nos obrigam a seguir os passos dados à imitação e desconhecêssemos o significado das referências que surgem para questionar o entendimento.
Os grandes pensamentos são próprios aos grandes sentimentos, escreve Dostoiévski, o conceito vai mais longe na compreensão cheio de afeto, as palavras são aquelas que vivem na boca do povo e circulam como circula o sangue.
A linguagem que recriamos para ampliar o entendimento mistura a gente no mundo, o que se escreve no Brasil pode ser lido na Rússia, quem lê e frequenta bibliotecas anda em tavernas atrás da vodca, a literatura neste sentido compreende que o amor vence por sua inteligência e por sua beleza.
Beth Passos
Jornalista