Eram umas 10h da noite da terça-feira de carnaval, Sofi, minha filha mais nova disse que queria encontrar os amigos em uma padaria perto de casa. Eu achei tarde pra sair, ela é novinha ainda. Ao mesmo tempo era carnaval, na quarta não tinha aula e ela é novinha ainda. Mas queria ir sozinha, a pé. Achei perigoso a rua cheia de gente. Ao mesmo tempo era perto, a pé, a rua cheia de gente. Negociei de irmos juntas até pelo menos metade do caminho. Faltavam umas quadras quando caiu uma chuva sem o menor sentido, chuvona, forte mesmo. Nós duas em um segundo molhada como se tivéssemos pulado em uma piscina. Alagou tudo. Paramos embaixo de uma marquise. Sabe quando você chega a pensar na possibilidade de óculos com limpador de parabrisa tamanha a quantidade de água?
Na frente da marquise, um bar e um monte de gente espremido pra caber protegido no toldo, uns da idade dela, uns um pouquinho mais velhos. Até que aumentam o volume da música, o povo vai dando uma dispersada pra fora da proteção. As meninas meio de maiô, os meninos meio sem camisa. Todo mundo brilhando, todo mundo cantando alto. Um deles se desprende ainda mais do grupo, vai pro meio da rua e começa uma dança solta, de braços abertos, pernas longas e panos voadores. O farol do carro que buzinaria, caso não fosse carnaval, caso não chovesse como chovia, caso a dança não merecesse tempo, olhar e luz, ilumina o bailarino. Dali da marquise, a gente era também platéia. A cena durou uns 2 minutos no máximo, mas pra mim, foi o carnaval inteiro. Ninguém disse nada, ninguém respirou longo, ninguém queria que parasse, ninguém esqueceu quando parou. Foi como um acordo coletivo. Uma cena a não ser maculada. O menino voltou, o carro passou, a chuva choveu, os amigos da Sofi decidiram se abrigar na casa de um deles, ela foi junto. Fizeram festa como fazem na padaria, na rua, na chuva, ou na fazenda porque a festa são eles e a vontade é de estar perto.
O carnaval é isso, não é? Uma licença poética pra dar menos importância à chuva. Um dia no ano em que os carros silenciam para o pedestre, reverenciam e iluminam o pedestre. Os adolescentes são também assim, Sofi é também assim, uma jarra de água entrando na vida adulta que por vezes teima em ser um daqueles copinhos micros de café. Pois que transbordem. Pois que possam estar na rua às 10h da noite pra ver o ballet quando ele resolver começar. Feliz ano novo, queridos. Dancemos.