X

Sobre a Quaresma e seus desafios: ‘a arte de NÃO falar mal dos outros’

“ALLAH LA Ô, ô, ô, ô, atravessamos o deserto do Saara, o sol estava quente e queimou a nossa cara. Viemos do Egito, e muitas vezes tivemos que rezar. Allah, Allah, meu bom Allah.”

Allah, meu bom Allah, essa marchinha antiga da década de 60, composta por Haroldo Lobo e Antônio Navarra, tem origem mulçumana, já que um dos compositores era de origem libanesa e nos presenteou com essa súplica a Allah… O Brasil e sua mistura, o respeito pelas diferenças culturais é lindo e não podemos perder isso de vista.

O fato é que essa melodia, até os dias de hoje, está nas marchinhas mais tocadas nesses carnavais que se sucederam (precisamente nas 10 mais tocadas). Sendo uma festa culturalmente tão popular e agregadora, convida-nos à discussão de diversos temas em pauta em nossa sociedade, e aí Allah, olha pela nossa terra.

Em meio a tantos disse-me-disse e outras questões maiores, tivemos o nosso carnaval, que, para uns, foram dias de folia intensa, com muita diversão, e, muitas vezes, uma liberdade fora do comum, para viver os prazeres da materialidade. Já para outros, foram tempos de reclusão, meditação, encontro com amigos, encontros com a natureza, treinos e momento de muito trabalho, enfim cada um vive e sente, de acordo com o instante que a sua vida convida.

Mas, logo em seguida, a partir de uma tradição judaico/cristã, chegamos à Quaresma, que, para algumas religiões, é um momento santo e de muita introspecção. Por mais que a linguagem mude e tenha nuances diferenciadas, todas suplicam para que o ser humano entenda que é hora de reflexão do suplício de Jesus, momentos antes de sua morte. Para as tradições de cunho mais espiritualista, é muito poética e mágica a compreensão: vivemos dias de intensa energia e abertura de “portais”, que trazem toda uma dimensão da importância da indagação sobre os rumos que estamos tomando e para onde e como queremos viver.

Guardadas as devidas proporções e resumos – sim, porque quando falamos de religião e de filosofia, a compreensão é muito maior e sistêmica do que imaginamos – , estamos falando de comportamento humano, subjetividade e escolhas.

Por isso, a partir de agora, convido vocês para participar de debates relativos a comportamentos humanos saudáveis e prescritos nos livros Sagrados e intensificados nas religiões e filosofias de vida, mas que são tão complexos e difíceis de entrar na “ordem do dia”, como forma de convivermos melhor em sociedade.

E aí, queridos leitores, os meus devaneios vão passar por algumas palavras com cunho moral, ético e religioso, que nos remetem, nos próximos 40 dias, para pensarmos nas imensas possibilidades que podemos vivenciar de como seremos humanos na plenitude de nossas relações.

Convido vocês, desde já, a pensarem na maledicência, a “arte de falar mal do outro”, e a observarem a Lashon Hara (literalmente “língua malvada”), que é uma expressão em hebraico usada para proibir o ato de falar mal do outros. Isso nos conduz à avaliação dos nossos discursos diários, ou, na palavra da moda (me rendo, mãos pra cima! risos): a nossa narrativa, e o quanto envolve mudanças de comportamento, porque também envolve hábito, portanto cultura e socialização.

Nada é tão óbvio quanto parece, são camadas e mais camadas de costumes envolvidos e, nem sempre (quase nunca), mexer nessa base de valores é fácil e certeiro. Por isso que quando o grande filosófo do século XVII,  Blaise Pascal escreveu: “Quero crer que, se todos os homens soubessem o que dizem uns dos outros, não haveria quatro amigos neste mundo”, nos provocou a pensar que devemos escolher se queremos nos sentirmos leais e fiéis ou passar uma vida sem cultivar nenhuma relação proveitosa e duradoura.

Ora, é duro mudar a realidade de nossas experiências, desde tenra idade, mas não queremos viver num mundo onde há tanto sofrimento, tudo porque as pessoas falam mal das outras. Segundo Mark Twain: “São necessários o inimigo e o amigo juntos para ferir-te no coração; o primeiro para caluniar-te, o segundo para vir contar-te.”

Pra se ver o quanto é sensível pensar sobre esses temas, pois vivem de versões de fatos.

Allah ô, ô, ô, Allah, meu bom Allah… Que, esses próximos dias, semanas, sejam de muito aprendizado e mudança de hábitos. Inclusive, neste primeiro e grande desafio: a arte da NÃO falar mal dos outros.

Até o próximo…

*Marcela Mastrangelo, mãe, filha, generosa, alegre e muito encantada com o mundo e suas curiosidades, amante da arte, música e qualquer expressão que traduza a subjetividade humana. Estudei Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Educação, Direito, vários cursos livres e habilitei-me para atender clientes que querem adentrar no mundo do autoconhecimento. Atualmente, dedico-me à formação da vida Psicologia. Nada mais que um ser humano em suas buscas…

Marcela Mastrangelo: Marcela Mastrangelo é socióloga, bacharel em Direito, coach e terapeuta sistêmica e estudante de Psicologia.