Após repercussão negativa nas redes sociais, o Ministério da Saúde suspendeu hoje à tarde a nota técnica publicada ontem que derrubava um documento de 2022, do governo Jair Bolsonaro (PL), sobre o período para realização do aborto legal no país.
O que aconteceu
O documento publicado ontem suspendia os efeitos da uma nota de 2022, que recomendava o tempo limite de até 21 semanas e seis dias de gestação para realização do procedimento. Na prática, o texto do governo Lula (PT) não mudava o que está previsto no Código Penal — a legislação prevê que a interrupção legal pode ocorrer, sem qualquer limite de tempo, em casos de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia.
“O documento não passou por todas as esferas necessárias do Ministério da Saúde, nem pela consultoria jurídica, portanto está suspenso”, diz nota do governo. A pasta afirmou também que a ministra Nísia Trindade teve conhecimento do assunto durante agenda hoje em Boa Vista (RR).
As críticas sobre o novo documento passaram a surgir nas redes sociais ainda na manhã de hoje. Diversos políticos da oposição também publicaram suas críticas ao governo. “Meu gabinete já estuda que medidas jurídicas e legislativas poderemos tomar contra essa cultura de morte”, escreveu a senadora Damares Alves (Republicanos) — ela foi ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos no governo Bolsonaro.
Na nota de 2022, o governo Bolsonaro justificou que o após 21 semanas de gestação, “os fetos precisam ser identificados como viáveis, detentores do direito à vida”. O documento recomendava que o aborto depois desse período fosse tratado como “parto prematuro”.
Mesmo sem força de lei, o texto pode ser usado para impedir o aborto legal, avaliam especialistas. Em Santa Catarina, uma menina de 11 anos teve o procedimento negado com 22 semanas e dois dias. O caso, na época, foi revelado pelo site Intercept Brasil.
Em 2020, o governo Bolsonaro editou uma portaria em que previa a necessidade de que o médico avisasse a polícia em caso de aborto por estupro. Essa e outras portarias foram revogadas pelo governo Lula (PT) no primeiro ano de governo, em 2023.
Posteriormente, esse tema que se refere a ADPF 989, do Supremo Tribunal Federal, será tratado pela ministra junto à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao STF.Trecho de nota da Saúde após críticas
O que dizia documento que foi suspenso
Na nota técnica publicada ontem, o Ministério da Saúde afirmava que se a legislação não impôs limite para o procedimento, “não cabe aos serviços de saúde limitar a interpretação desse direito”. “Especialmente quando a própria literatura/ciência internacional não estabelece limite”, diz trecho do documento.
Manter a gravidez mesmo com direito ao aborto “configura ato de tortura/violência física e/ou psicológica, tratamento desumano e/ou degradante, sobretudo às vítimas de violência sexual”, segundo a pasta. O documento foi assinado pelo secretário de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço de Oliveira, e o secretário de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Miranda Magalhães Junior.
“Não há nada novo”, chegou a afirmar a antropóloga Debora Diniz antes de o governo recuar. Especialista no tema, a pesquisadora disse que além do Código Penal não incluir limite, o “princípio constitucional do direito à saúde” também não prevê “limite de tempo para cuidar de uma pessoa”.
[O recuo do governo] mostra a urgência do STF enfrentar esta matéria. Caso contrário, a pressão no Executivo é imensa e gera incompreensões. Debora Diniz
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