Um dos principais responsáveis pelo divórcio do sono — prática cada vez mais comum que leva casais a dormirem em quartos separados — o ronco é talvez o hábito mais irritante para qualquer parceiro. Embora a maior parte das reclamações venha de quem dorme ao lado de quem ronca, não se trata apenas de um “incômodo benigno”. O ronco pode reduzir a qualidade do sono, provocar múltiplos despertares durante a noite e ainda indicar uma condição mais grave chamada apneia do sono.
O ronco ocorre quando as vias aéreas superiores se estreitam demais, causando fluxo de ar turbulento. Isso, por sua vez, faz vibrar os tecidos circundantes, produzindo ruído.
— O ronco é uma manifestação sonora de que a via aérea tem algum grau de obstrução e, portanto, indica que alguma coisa que não vai acontecendo bem. Todo ronco que acontece com frequência, merece uma investigação — diz o otorrinolaringologista com atuação em Medicina do Sono, George do Lago Pinheiro, membro da Associação Brasileira do Sono (ABS).
Praticamente todos os adultos roncam ocasionalmente e cerca de 60% das pessoas o fazem com frequência. Os homens são mais afetados que as mulheres, ao menos até a meia idade. Nessa fase da vida, a prevalência do ronco é muito maior nos homens porque os hormônios femininos exercem um efeito protetor. No entanto, as alterações hormonais decorrentes da menopausa causam mudam esse cenário e aumentam a probabilidade de as mulheres roncarem também. Mas até crianças podem roncar.
O barulho pode ser causado por uma série de fatores, incluindo alergias, envelhecimento, resfriado, excesso de peso, alterações anatômicas na garganta ou no nariz, como desvio de septo, entre outros.
— Todo mundo acha que o ronco é só uma coisa socialmente desagradável, que não tem impacto para saúde, mas ele pode ter — diz Gustavo Moreira, especialista em medicina do sono, no Instituto do Sono.
Um estudo publicado recentemente pela Mayo Clinic descobriu que as pessoas que roncam têm a saúde cerebral diminuída e podem correr maior risco de desenvolver Alzheimer. Além disso, especialistas na Suécia descobriram que a falta de oxigênio que os roncadores e apneia do sono sentem pode estar associada a uma maior chance de desenvolver câncer.
Por isso, identificar a origem do ronco é fundamental para tomar medidas adequadas para atenuar o barulho noturno. Isso inclui não beber álcool à noite, mudar a posição de dormir, evitar medicamentos que induzem o ronco, tratar as causas da congestão nasal e até mesmo recorrer a cirurgias – em casos de desvio de septo ou amígdala hipertrófica – ou ao uso de aparelhos para dormir.
— Todo ronco que acontece com frequência merece e deve ser investigado —afirma o otorrinolaringologista.
O diagnóstico pode incluir um exame de análise do sono que é um dos motivos pelos quais muitas pessoas relutam em buscar ajuda especializada, achando que precisarão passar a noite em uma clínica, sendo monitorado. Em alguns casos, isso de fato pode ser necessário, mas já existem. dispositivos capazes de fazer esse monitoramento com o indivíduo em casa.
Esse exame é importante para o diagnóstico de uma das mais graves causas de ronco: a apneia obstrutiva do sono. Essa condição faz com que a respiração pare repetidamente durante a noite, às vezes por vários segundos de cada vez.
Os sintomas incluem ronco alto, falta de ar durante o sono, insônia, sonolência excessiva durante o dia e irritabilidade. Além disso, a condição aumenta o risco de hipertensão e até insuficiência cardíaca.
— Os sinais que indicam apneia são ronco intenso todas as noites, com paradas respiratórias e sensação de engasgo, sono inquieto e acordar diversas vezes para ir ao banheiro a noite. Durante o dia, há prejuízo à atividade cerebral, com sonolência, diminuição do desempenho, da atividade intelectual da memória e até mesmo do desejo sexual — pontua Moreira.
Uma vez identificada a doença, o tratamento padrão ouro consiste na terapia CPAP. Um dispositivo que fornece um fluxo constante de ar através de uma máscara usar enquanto a pessoa dorme, evitando que suas vias aéreas fiquem bloqueadas e permitindo que ela – e seu parceiro – durma em paz e acorde revigorado.
Para quem não tem apneia, sobrepeso ou obesidade e nenhuma alteração anatômica que cause o ronco, alguns truques podem ajudar. Uma pesquisa realizada no Reino Unido com mais de 2 mil pessoas elencou os 30 truques mais utilizados para não roncar. Eles incluem: usar mais travesseiros, beberos água antes de dormir, usar dilatadores nasais, spray nasal, evitar bebidas alcoólicas, tomar um banho quente, entre outros.
Muitos dos truques listados não passam de placebo e não têm efeito nenhum, outros podem não ajudar no ronco e ainda atrapalhar o sono, mas alguns de fato podem prevenir o ronco, em casos específicos. O GLOBO elencou os principais e esclarece quais são mito e quais funcionam e por quê.
Usar mais travesseiros
Um travesseiro muito baixo pode comprometer a via aérea e piorar o ronco. Por isso, elevar a cabeça alguns centímetros pode ajudar a reduzir a condição, mantendo as vias respiratórias abertas. No entanto, usar vários travesseiros nem sempre é uma boa opção porque ficar com a cabeça muito elevada pode ter o mesmo efeito negativo de um travesseiro muito baixo. Segundo Pinheiro, o ideal é usar um travesseiro de 13 a 14 cm de altura, com consistência moderada.
Usar dilatadores nasais para dormir
Os dilatadores ou fitas nasais são dispositivos colocados na parte externa ou interna do nariz – a depender do modelo – que ajudam a aumentar o espaço na passagem nasal. Isso pode tornar sua respiração mais eficaz e reduzir ou eliminar o ronco. No entanto, segundo o otorrinolaringologista, ela só terá efeito em pacientes com fragilidade da cartilagem nasal, pois essas pessoas não conseguem manter o nariz aberto adequadamente.
Prender uma bola de tênis ou ping-pong no pijama
— A bolinha no pijama é o que nós chamamos de terapia posicional. Isso pode ajudar as pessoas a se manterem na posição lateral para dormir — explica Pinheiro.
Esse método pode ser eficaz para pessoas que roncam e têm dificuldade para dormir de lado. Isso funciona porque dormir de costas de fato piora o ronco, dado que essa posição faz com que a base da língua e o palato mole caiam na parede posterior da garganta, causando um som vibratório durante o sono. Dormir de lado pode ajudar a prevenir isso.
Descongestionante e/ou lavagem nasal antes de dormir
Vias aéreas bloqueadas ou estreitas causam ronco, portanto, todo método que promove a liberação desse caminho, reduz o ronco. Os sprays nasais à base de corticoide são usados no tratamento de rinite e podem ajudar a reduzir a inflamação no nariz e nas vias respiratórias, abrindo-as. Sprays à base de soro fisiológico ou lavagem nasal com sono também são aliados nesse sentido. Além de lavar a cavidade nasal, isso melhora a respiração principalmente nos indivíduos que estão com um quadro de um resfriado, gripe, sinusite ou alergia respiratória. Por outro lado, vale ressaltar que gotinhas nasais que provocam a vasoconstrição são contraindicadas.
Esse é o mesmo princípio do banho quente. Tomar um banho quente antes de ir para a cama pode ajudar a abrir as passagens nasais. Além disso, a água morna provoca uma sensação de relaxamento e pode ajudar a dormir mais fácil.
Evitar bebidas alcoólicas antes de dormir
Moreira explica que qualquer substância que atua no cérebro faz que a garganta fique mais flácida e piora o sono. A principal, é o álcool. Além disso, o álcool também piora a qualidade do sono de forma geral. Portanto, a recomendação é, se for beber a noite, não ultrapassar até duas horas antes do horário habitual do sono.
Dormir com aparelho bucal anti-ronco
Aparelhos anti-ronco ou intraorais são dispositivos personalizados prescritos e adaptados por dentistas. Para ser usado na hora de dormir, esse aparelho puxa a mandíbula, junto com a língua, ligeiramente para a frente para abrir as vias aéreas superiores, o que diminui o ronco. Existem placas pré-prontas desse dispositivo, mas elas não são recomendadas, pois podem não apenas piorar o ronco, como causar outros problemas como disfunção temporomandibular ou alterações dentárias.
Exercícios para a garganta ou para ronco
Pinheiro explica que esse tipo de exercício é chamado de terapia miofuncional orofacial. Essa técnica foi desenvolvida no Brasil e é aplicada por fonoaudiólogos especializados e consiste no fortalecimento dos músculos da garganta. Mas os especialistas ressaltam a importância de realizá-la sob orientação de um profissional, que irá analisar quais são os exercícios indicados de acordo com cada caso. Fazer o exercício para a musculatura errada, além de não ajudar, pode atrapalhar tanto o ronco quanto a digestão. Estudo conduzido por pesquisadores brasileiros mostrou que pacientes que fizeram exercícios orais diariamente, durante três meses, reduziram em 59% a intensidade do ronco.
Dormir sentado
Sentar de fato diminui o ronco, mas os especialistas são categóricos em dizer que se a pessoa precisa sentar para dormir, é sinal que alguma coisa está errada e é preciso procurar um médico.
Chupar uma pastilha antes de dormir
Não há nenhum tipo de comprovação de que chupar algum tipo de pastilha antes de dormir melhora o ronco. Essa prática não tem nenhum mecanismo de atuação associado às causas do ronco.
Travesseiros anti-ronco
Travesseiros anti-ronco possuem uma tecnologia que detecta o ronco e provoca uma vibração para despertar o indivíduo. Entretanto, ele não impede a pessoa de roncar, apenas a acorda quando isso acontece, fragmentando o sono.
Fazer exercícios antes de dormir
A prática de atividade física é fundamental para uma boa saúde, qualidade de vida, além da manutenção de sono e peso adequados, o que é contribui para a redução do ronco. No entanto, não existem evidências que fazer exercícios especificamente antes de dormir melhorem o ronco.
Dormir com umidificador ligado
O umidificador é importante principalmente em regiões muito secas porque a baixa umidade do ar piora a qualidade da respiração. Entretanto, o simples uso desse dispositivo não tem a capacidade de melhorar o ronco.
Tampar a boca para dormir
Assim como existem faixas para dilatar o nariz, existem faixas desenvolvidas para manter a boca fechada durante o sono e assim supostamente impedir o ronco. Além dessa prática ser considerada arriscada e contraindicada por profissionais da saúde, Pinheiro afirma que não há nenhuma evidência que a faixa anti-ronco melhore o ronco porque ela veda a boca, mas o ronco acontece em várias regiões.
Beber água antes de dormir
Manter-se bem hidratado de forma geral ajuda a reduzir o ronco porque as secreções no nariz e no palato mole ficam mais pegajosas se a pessoa está desidratada, o que pode favorecer o ronco. Entretanto, beber água antes de dormir não vai resolver uma eventual desidratação e ainda pode prejudicar o sono ao provocar mais idas ao banheiro na madrugada. A orientação é evitar tomar muita água perto da hora de dormir.
O Globo