*Por Márcio Ricardo, Matheus Araújo, Patrícia Mendes e Erica Oliveira
O aquecimento global parou em 1998? Não. O aquecimento global não parou. Na verdade, ele está acontecendo e está aumentando. O ano de 1998 foi um ano anormalmente quente, mas isso foi causado por um fenômeno natural chamado El Niño¹. O El Niño é um evento climático que ocorre em intervalos de tempo imprevisíveis, quando as águas do Oceano Pacífico Equatorial ficam mais quentes do que o normal².
As temperaturas registradas mostram que após 1998, as médias foram mais altas em 2005, 2010, 2013, 2019 e 2023³. A Organização Mundial de Meteorologia (OMM) afirma que setembro de 2023 foi o mês mais quente já registrado, com uma temperatura média global de 16,38°C e 0,93°C acima da média para o mesmo mês de 1991 a 2020*4 . Evidências do quanto a interferência humana está favorecendo o aumento da temperatura na Terra estão indicadas no último relatório do IPCC*5 que afirmou que “o aquecimento global induzido pela humanidade, de 1,1°C, desencadeou mudanças no clima do planeta sem precedentes na história recente”.
O Secretário-Geral da OMM, Petteri Taalas, notou que o evento “El Niño ainda está se desenvolvendo”6 em 2023. Isso é preocupante, pois significa que podemos experimentar um aumento ainda maior na temperatura global neste ano de 2024. O aquecimento é uma consequência de vários fatores, dos quais a combinação de um El Niño e o aumento na concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera são os principais. A atividade humana está diretamente ligada ao aumento de gases de efeito estufa, como o uso de carvão, petróleo e gás, além do desmatamento e queimadas que corrobora a cada ano para o aumento dos índices de gases poluentes e de dióxido de carbono na atmosfera.
De acordo com a organização não governamental WWF*7, o ano de 2023 já testemunhou o terceiro maior número de focos de queimadas da última década na Amazônia, ficando atrás somente dos anos de 2016 e 2019. Também no Pantanal, durante o mês de junho de 2023, foram registrados mais de 3 mil focos de incêndio, um dado que corresponde a 61% de todos os focos desse ano na região e desempenha um papel relevante no aumento das temperaturas*8.
Entretanto, levando em consideração a escala de tempo e a tendência de aumentos e variações de temperatura, a figura abaixo retrata que houve períodos de anos ou até mais de uma década em que a temperatura global não aumentava significativamente. Porém, considerando todos os período desde 1970 a 2020 é possível observar que houve aumento significativo da temperatura e, provavelmente, a mesma coisa pode acontecer depois de 2024, com temperaturas menos altas até o próximo El Niño. Em outras palavras, as mudanças ficam visíveis na escala de décadas e não necessariamente de ano em ano.
A OMM destaca que o ano de 2022 foi o 8º ano consecutivo em que as temperaturas atingiram 1°C acima dos níveis pré-industriais101*10. No entanto, devido ao resfriamento ocasionado pelo fenômeno La Niña, que é o oposto do El Niño, 2022 não foi o ano mais quente registrado, porém é o quinto ou sexto mais quente da história recente. Trazendo essa realidade para a Amazônia, observa-se que a sociedade amazônica é uma das mais afetadas pelas mudanças climáticas¹¹. O aumento e a variação da temperatura, assim como outros fatores associados, têm contribuido para uma série de problemas, incluindo secas severas em rios e igarapés, morte de peixes, botos e outros animais e grandes perturbações no clima¹².
Em 2023, esses problemas já foram visíveis; o mês de agosto foi o mais seco já registrado na Amazônia, e já afetou milhares de pessoas¹³. Negacionistas usam a variabilidade interanual para tentar desaprovar o aquecimento global, com o argumento de que “A temperatura global não subiu por alguns anos, portanto aquecimento global não existe”, que não é o caso*14.
O gráfico de Marengo e colaboradores*15 evidencia a variação da temperatura na Amazônia. É notório como a temperatura pode baixar durante vários anos depois de um El Niño, mas a tendência decadal é aumentar. Uma interpretação limitada pode concluir que não houve aquecimento global ou que o aquecimento parou*14. Levando em consideração os 50 anos desde 1970 a 2019 é possível observar, porém, que houve aumento significativo da temperatura.
Houve períodos de anos ou até mais de uma década quando a temperatura global não aumentava significativamente e provavelmente a mesma coisa pode acontecer depois de 2024. Talvez vamos ouvir negacionistas dizendo que a temperatura não subiu significativamente durante tantos anos. Peça para eles esperarem o próximo El Niño, se aguentarmos o calor.
Enquanto isso existem algumas atividades que podemos fazer enquanto indivíduos, como se informar e informar os outros sobre a ameaça das mudanças climáticas, além de reduzir nossa pegada de carbono com pequenas mudanças no nosso dia-a-dia (transporte alternativo, alimentação orgânica, consumo consciente) e sensibilizando outras pessoas a fazerem o mesmo. Além disso, enquanto sociedade podemos pressionar os nossos líderes a implementar o compromisso assumido na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudançado Clima [UNFCCC] e a mobilizar recursos para ajudar os países em desenvolvimento, no contexto das ações de mitigação significativas.
A transparência na implementação de políticas afirmativas é essencial além de operacionalizar plenamente o Fundo Verde para o Clima16 o mais cedo possível. Sem mitigação dos fatores causadores, vamos enfrentar aumentos decadais de temperatura sem precedentes, com impactos severos na vida do planeta. Todos nós podemos fazer nossa parte individualmente e em grupo para tentar mitigar as mudanças climáticas e nos adaptar para os cenários mais extremos, na tentativa de sobrevivermos enquanto humanidade. É importante lembrar que o planeta já passou por muita coisa antes e irá passar por muita coisa depois, mas sem uma mudança urgente de atitude, talvez nós não estejamos mais presente para ver.
*Por Márcio Ricardo, Matheus Araújo, Patrícia Mendes e Erica Oliveira, produto da disciplina de Comunicação em Pesquisa Científica, Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal, Universidade Federal do Acre (UFAC).
Referências
¹ El Niño é a fase quente de uma grande oscilação acoplada oceano-atmosfera no Oceano Pacífico tropical, denominada em conjunto El Niño-Oscilação Sul (ENOS). Nesta fase, a temperatura da superfície do mar (TSM) está acima do normal no Pacífico central e leste. (GRIMM et al.; El Niño, novamente! Rev. bras. meteorol. 30 (4) • Oct-Dec 2015).
² WITTENBERG, A. T et al. ENSO modulation: is it decadally predictable?, Journal of Climate v. 27, p. 2667- 2681, 2014.
³ Instituto Humanitas Unisinos. Os últimos 5 anos foram os mais quentes do Antropoceno. Fevereiro, 2019. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/586721-os-ultimos-5-anos-foram-os-mais- quentes-do-antropoceno. Acesso em: 01/12/2023.
4 CNN. Iazbek, P.; 2023 será o ano mais quente da história, diz relatório. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2023-sera-o-ano-mais-quente-da- historia-diz-relatorio/ Acesso em: 01/12/2023.
5 WRI. 10 conclusões do Relatório do IPCC sobre Mudanças Climáticas de 2023. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/noticias/10-conclusoes-do-relatorio-do- ipcc-sobre-mudancas-climaticas-de- 2023#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20IPCC,adaptar%20às%20mudança s%20no%20clima. Acesso em: 01/12/2023.
6 UOL. Setembro bate recorde de calor, e 2023 deve ser ano mais quente, diz ONU. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/10/05/setembro-bate-recorde- de-calor-e-2023-deve-ser-ano-mais-quente-diz-onu.htm#:~:text=O%20que%20é%20especialmente%20preocupante,geral%20da%20OMM%2C%20Petteri%20Taalas. Acesso em: 01/12/2023.
7 WWF. Com 22 mil focos de queimadas, Amazônia tem o pior outubro em 15 anos. Disponível em: https://www.wwf.org.br/?87182/Com-22-mil-focos-de-queimadas- Amazonia-tem-o-pior-mes-de-outubro-em-15-anos. Acesso em: 01/12/2023.
8 GLOBO. Focos de incêndios no Pantanal avançam e área destruída ultrapassa um milhão de hectares. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal- nacional/noticia/2023/11/16/focos-de-incendios-no-pantanal-avancam-e-area- destruida-ultrapassa-um-milhao-de-hectares.ghtml Acesso em: 01/12/2023.
9 Skeptical Science. Escalator 2022. Disponível em: https://skepticalscience.com/graphics.php?g=465. Acesso em: 01/12/2023.
10 ONU. Últimos oito anos foram os mais quentes já registrados. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2023/01/1807962#:~:text=No%20ano%20passado%2 C%20a%20temperatura,acima%20dos%20níveis%20pré-industriais. Acesso em: 01/12/2023.
¹¹ Senado Federal. Amazônia sofre com devastação e extrema alteração climática. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2023/10/amazonia-sofre-com- devastacao-e-extrema-alteracao-climatica . Acesso em: 01/12/2023.
¹² WWF. Mortes de botos indicam agravamento da crise climática. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/mortes-de-botos-indicam-agravamento-da-crise-climática-wwf- brasil . Acesso em: 01/12/2023.
¹³ GLOBO. Seca na Amazônia: entenda por que ela veio mais forte neste ano e como a população é prejudicada. Disponível em: https://umsoplaneta.globo.com/clima/noticia/2023/09/28/seca-na-amazonia- entenda-porque-ela-veio-mais-forte-neste-ano-e-como-a-populacao-e- prejudicada.ghtml Acesso em: 01/12/2023.
14 NOBRE, P.; A variabilidade interanual do Atlântico tropical e sua influência no clima da América do Sul. Disponível em: http://climanalise.cptec.inpe.br/~rclimanl/boletim/cliesp10a/clmse_pn.html Aceso em: 01/12/2023.
15 MARENGO, J. A. et al. Changes in Climate and Land Use Over the Amazon Region: Current and Future Variability and Trends. Front. Earth Sci., 21 December 2018. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/feart.2018.00228/full Acesso em: 01/12/2023.
16 Fundo Verde para o Clima. https://www.unep.org/pt-br/sobre-o-pnuma/financiamento-e-parcerias/parceiros-de-financiamento/fundo-verde-para-o-clima. Acess em 28/12/2023.