O tabelião Victor Volpe Fogolin, que foi aprovado aos 23 anos em cinco concursos de cartório, usou o ChatGPT para estudar para as provas.
Simular questões de prova oral, “traduzir” termos jurídicos e ganhar uma ajudinha criativa para a redação foram algumas das várias utilidades que o concurseiro encontrou para a versão gratuita do robô da empresa OpenAI.
O ChatGPT é o robô virtual (chatbot) que ficou famoso no fim de 2022 por ter resposta para (quase) tudo. Ele sabe fazer contas de matemática, criar receitas e até dar conselhos, mas, às vezes, também compartilha informações erradas e cai em pegadinhas.
A estratégia principal de Victor com o ChatGPT não era fazer perguntas diretas ao robô, mas “ensiná-lo” a partir de resumos que ele mesmo escreveu.
Afinal, a ferramenta, assim como outros produtos de inteligência artificial (IA), utiliza uma linguagem que se aprimora com o “treino”, a partir de uma sucessão de tarefas.
Victor começou a usar o ChatGPT em janeiro de 2023, como um complemento para os estudos focados nos concursos de cartório, que mantinha havia quatro anos.
Desde 2019, ele e a namorada Luiza Dias Seghese viajaram para vários estados para fazer as provas e colecionaram aprovações. A trajetória envolveu, além de muito estudo, destinos paradisíacos e o início de um romance.
Confira abaixo 6 formas que Victor utilizou o ChatGPT. Em seguida, veja cuidados necessários na hora de estudar com o robô.
– Treino para prova oral;
– Questões objetivas;
– Sugestões de artigos;
– ‘Tradução’ de conteúdos difíceis;
– Resumo de casos grandes;
– Criatividade para redação.
- Treino para prova oral
Victor fez ao menos cinco provas desde que começou a estudar com a ajuda do robô virtual, incluindo as avaliações orais do concurso de Santa Catarina, Goiás e Tocantins, nas quais ele ficou em 1º lugar.
A preparação para esses exames incluía aprender os conteúdos, fazer resumos e usar a criatividade para criar possíveis perguntas de prova oral, e depois respondê-las.
Para ganhar tempo, o tabelião decidiu “transformar” o ChatGPT num examinador.
“Eu copiava os meus resumos e jogava para ele. Escrevia: ‘ChatGPT, aprenda isso’. Ele mandava a resposta, dizia ‘aprendido’ e tudo mais”, conta Victor.
“Aí eu continuava: ‘Agora considere que você é um examinador de prova oral do estado de São Paulo, que perguntas você faria sobre essa matéria que você acabou de aprender?’”
Outra estratégia que ampliou a eficácia da ferramenta, segundo Victor, foi pesquisar o currículo dos membros da banca que iriam participar da sua prova oral. Os nomes dos examinadores são divulgados junto com o edital do concurso.
“Aí eu jogava as informações para o ChatGPT e pedia: ‘Com base nesse currículo, quais temas você acha que são mais relevantes para esse examinador?’”, relata.
Muitas das questões que caíram nas provas orais dele e da namorada foram previstas pelo chatbot, segundo o concurseiro.
Além de fazer as perguntas, a técnica também foi interessante para ajudar o estudante a montar suas respostas baseadas em pontos de vista de diferentes autores.
“Tem questões no direito que têm controvérsia, opiniões diferentes. E, para uma prova oral, é muito legal que a gente cite autores fortes. Essa é uma pesquisa um pouco difícil porque você tem que puxar a obra de cada um para ver a posição que ele defende, mas o banco de dados do ChatGPT já sabe tudo isso”, diz Victor.
“Então, eu escrevia: ‘ChatGPT, considere essa questão polêmica. Quero que você cite três doutrinadores que defendem a posição 1 e três que defendem a posição 2’”, explica.
No entanto, Victor alerta para que o concurseiro sempre cheque as informações enviadas pelo robô, especialmente citações. “Por vezes, o ChatGPT inventa autores que não disseram aquilo”, diz.
- Questões objetivas
As previsões da IA também funcionaram para as provas objetivas dos concursos, de múltipla escolha. Para treinar, Victor enviava resumos e artigos de lei ao ChatGPT para que ele criasse questões de teste.
A orientação era a seguinte: “ChatGPT, você será um membro examinador da banca do concurso público de cartório. Com base nas minhas anotações e em tais artigos do Código Civil, formule questões de testes com 4 alternativas.”
- Sugestões de artigos
O ChatGPT também foi utilizado por Victor para encontrar artigos de temas específicos que ele precisava estudar.
“Eu escrevia: ”ChatGPT, quero ler um artigo científico sobre isso. Cite cinco artigos importantes'”, conta Victor.
Este foi um dos poucos casos em que Victor contou com o repertório do próprio robô, que “varre” textos disponíveis na internet. A ferramenta costuma enviar o nome dos artigos ou até links que levam a eles.
“É uma coisa que eu levaria várias horas no Google para filtrar, mas ele já mandava artigos legais, os mais acessados, por relevância”, diz Victor.
O concurseiro também pontua que o Bard, o “ChatGPT do Google”, “está bom em encontrar artigos acadêmicos, por ser integrado com o Google Scholar”, plataforma de pesquisa acadêmica.
- ‘Tradução’ de conteúdos difíceis
Outro uso foi pedir para que o robô “traduzisse” assuntos complexos em termos mais simples.
“No direito, tem termos que ninguém entende, nem mesmo quem estuda há anos. Então, eu jogava a frase para o ChatGPT e pedia: ‘Explique isso em palavras simples, para um leigo’.”
- Resumo de casos grandes 📚
Victor também explica que, durante os estudos para concurso, é necessário ler grandes casos jurídicos, alguns com 100, 200 páginas. E o chatbot deu uma mão nessa tarefa, dessa vez na versão paga.
“Dá para subir o PDF na versão paga, de várias páginas. Então, eu mandava o caso no ChatGPT e pedia: ‘Resuma esse texto com os principais pontos, ou com foco em argumentos para prova oral’, por exemplo”, relembra.
- Criatividade para redação 💡
Além disso, Victor contou com a ajuda da ferramenta de IA para treinar para a prova de redação, com ideias de introduções e conclusões criativas.
“Se a gente começar a redação de um jeito muito impactante, com um primeiro parágrafo muito bom, já vai brilhar o olho e atrair a atenção do examinador. Por isso, eu pedia: ‘ChatGPT, desenvolva uma introdução que chame muita atenção sobre a história dos cartórios, sobre regularização fundiária, etc”, ensina o concurseiro.
Nesse caso, Victor enviava seus próprios resumos antes, mas também pedia para que o ChatGPT buscasse informações em sua base.
A ideia principal, no entanto, era aproveitar sugestões do robô de palavras bonitas e modelos de texto diferentes, e não aprender sobre aquele conteúdo específico, explica.
Pontos de atenção
Ao não fazer perguntas diretas para o robô, mas “ensiná-lo” antes, o concurseiro corre menos risco de a ferramenta se basear em fontes não confiáveis na internet para respondê-lo, explica Victor.
Isso é importante, inclusive, porque a base de conhecimento do ChatGPT é atualizada até um certo ponto no tempo, explica o especialista em tecnologia Rodrigo Calado, cofundador da Gran Cursos Online.
Assim, mesmo que a versão paga consiga fazer pesquisas na internet, a ferramenta pode fornecer informações imprecisas sobre questões mais recentes, afirma.
“Também existe uma limitação e possibilidade de interpretação equivocada dependendo da pergunta que você fizer. E as bancas examinadoras não fazem questões óbvias. Elas misturam conteúdos, exigem pensamento crítico”, alerta Calado.
Por isso, nos casos em que o usuário depende das buscas do ChatGPT, como nos pedidos para citar autores que defendem posições diferentes ou sugestões de artigos, por exemplo, é importante checar as informações, orienta o concurseiro Victor.
E mais dicas do especialista…
Rodrigo Calado também cita o uso da inteligência artificial para criar planos de estudos personalizados, considerando os objetivos do concurseiro, prazos e o volume de material a ser estudado.
Outra dica é pedir para o chatbot gerar flashcards a partir de seus resumos. São cartões com uma pergunta ou um termo de um lado e a resposta ou definição do outro, para ajudar o candidato memorizar os conteúdos.
Além disso, “em debates, ele pode pedir ao ChatGPT para argumentar contra ou a favor de uma tese para ajudar a desenvolver suas habilidades de argumentação e pensamento crítico”, completa o especialista.
Fonte: g1