As empreendedoras acreanas têm encabeçado cada vez mais um segmento que vem ganhando espaço de destaque no estado: a bioeconomia, que usa recursos biológicos para desenvolver produtos e serviços sustentáveis. Em ramos que antes tinham protagonismo masculino, as mulheres têm tomado a frente e se tornado referência.
De acordo com os dados repassados pela Secretaria de Estado de Empreendedorismo, cerca de 23,5 mil mulheres são donas de negócios no Acre.
Uma dessas mulheres é Rodney Paiva que, há 19 anos no ramo de biojoias, coleciona prêmios e certificados, comercializando hoje suas peças com diversos estados do país. Atualmente, trabalha também com artefatos de decoração feitos com resto de madeira e sementes.
“Eu morava em Manaus e vim para Rio Branco porque meu marido foi transferido. Lá eu trabalhava com salão e, quando cheguei aqui, fiquei parada. Uma vizinha me contou que a Fundação Bradesco oferecia vários cursos e aí resolvi fazer o de biojoias. No começo eram peças bem simples, tanto que, quando participei de uma avaliação para a Feira das Tribos, os produtos não passaram porque não tinham qualidade”, conta.
Ainda sem a habilidade necessária para trabalhar as peças, Rodney foi fazer um curso de beneficiamento de madeira no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Foi quando aperfeiçoou sua arte e decidiu que iria focar no ramo. Com garra, buscou se qualificar na produção de biojoias e também para entender o mercado e o seu público-alvo.
Coube a ela também capacitar o marido para trabalhar ao seu lado. “Meu esposo ficou desempregado, com problemas de coluna e já estava entrando em depressão. Então, convidei ele para me ajudar e montamos uma equipe, com uma amiga, para trabalhar com biojoias. Com elas consegui comprar minha casa e meu carro”, relata.
Dessa forma, o marido Valdecir Neves é a mão que retalha a madeira e Rodney pensa no design e acabamento. Uma dupla imbatível.
“Com as feiras fora do estado, conseguimos conquistar vários clientes; enviamos nossos produtos para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Em vários estados, as biojoias são as queridinhas”, diz.
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O trabalho artesanal e sustentável desenvolvido por Rodney já lhe rendeu diversas oportunidades de visibilidade, por exemplo, com o Prêmio Mulher de Negócios do Sebrae, que recebeu em 2017. Ela também fala com orgulho da obtenção do Selo de Excelência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2012, com uma peça chamada Cores da Mata, que também deu nome à sua marca.
“Esse reconhecimento é muito importante. Digo que sempre faço aquilo que gostaria de usar, estou vendendo o que eu usaria para as minhas clientes. Faço com muito amor, procurando ter fé e esperança que vou vender, que aquela peça vai ser aceita”, revela.
Para o futuro, Rodney sonha em exportar seus produtos e participar de feiras internacionais. “O ano de 2012 foi muito bom pra nós, ganhamos o Prêmio de Excelência da Unesco, nossas peças passaram na avaliação do catálogo do Sebrae, já saí duas vezes [na publicação], e isso é muito importante”, destaca.
“Somos protagonistas”
Aos 36 anos, Keyti Kety Espíndola lidera a produção de café da família, que se revelou um negócio promissor em 2020, durante a pandemia. “Meu esposo teve o desejo de iniciar um novo projeto, pois, por gerações, a única forma financeira era por meio do extrativismo da castanha e do látex. Aí veio o desejo de trabalhar com uma cultura permanente, que é o café”, narra.
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A primeira safra foi no ano passado e a família começou a preparação para trabalhar com cafés especiais. O marido fica com os cuidados na lavoura e ela se empenha nos detalhes do café especial, marketing, participação em feiras de sociobiodiversidade e rodadas de negócios internacionais.
“Nesses eventos tenho a oportunidade de disseminar nosso legado numa área de preservação com a recuperação de áreas degradadas. Nos três últimos anos, recuperamos três hectares, onde estamos com uma lavoura de café formada, e neste ano iremos recuperar mais dois hectares”, diz.
O plantio fica na Resex Chico Mendes, em Brasileia, no Seringal Guanabara. Encabeçar esse segmento da bioeconomia, segundo Keyti, fez com que outras mulheres se sentissem incentivadas a arriscar.
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“Hoje as mulheres da nossa família têm percebido que somos protagonistas no trabalho da seleção e cuidado com os grãos especiais. Por muito tempo trabalhávamos, mas não nos sentíamos parte do processo, hoje percebemos que nossa contribuição é tão importante quanto a dos nossos esposos, principalmente no quesito dessa seleção de grãos, pois exige muita atenção e percepção”, explica.
O desafio nessa caminhada tem sido fazer um trabalho que respeita o ecossistema e a contribuição de cada um dos envolvidos no processo. “Hoje nosso principal desafio é estender nosso legado; estamos em construção e percebemos que tem sido bastante promissor. É importante frisar que, quando dividimos as tarefas e respeitamos as diferenças, principalmente físicas do marido e da mulher, podemos crescer juntos e conquistar, sem contar a identidade construída em nossos filhos”, observa.
Pioneira
Com o objetivo de obter o selo nacional que estabeleceu o açaí de Feijó como o melhor do Brasil, Júlia Graciela de Souza fez parte de todo o processo para que o produto feito na “capital nacional do açaí” ganhasse o registro da Indicação Geográfica, concedido em setembro de 2023 pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
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“Sou de Feijó, mas morava há um bom tempo fora do estado. Quando a gente percebeu que o açaí era uma riqueza a ser explorada, iniciei esse processo sem muito conhecimento, apanhando um pouco, mas logo busquei informação e trouxe um pouco pra cá”, relembra.
Foi Júlia que buscou os órgãos reguladores, investigando uma forma para que o produto fosse vendido de maneira regularizada. “Minha luta foi para que o açaí de Feijó fosse um produto de procedência, comercializado de forma legalizada, para que todos os processadores, os empresários e pequenos empresários tivessem acesso a um mercado legal. Comecei a buscar isso não só para a minha agroindústria, mas para o município de Feijó, para aquelas pessoas que não tinham o mesmo acesso que eu para chegar até esses órgãos”, informa.
No meio do processo, ela conseguiu o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), conferido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, e chamou a atenção do Sebrae, que, com o governo do Acre, começou a reunir toda a documentação para poder ter o registro da Indicação Geográfica também. “Tivemos a grata satisfação de receber o primeiro selo geográfico do açaí do mundo”, diz, animada.
Uma das pioneiras na luta para que o produto fosse reconhecido nacionalmente por sua qualidade, Júlia espera que todo esse esforço seja coroado com a expansão do mercado.
“O açaí é conhecido como a ‘superfruta’ e ganhou o mundo todo. Em Feijó, a economia de produtos gira em torno do açaí, muita gente vive do cultivo do açaí, da produção do açaí; o Estado também, porque, automaticamente, tem pessoas que revendem, então a economia gira em torno do açaí. Nosso objetivo é fazer com que as pessoas vejam que é possível e venham também entrar no ramo, para cada dia mais ir criando espaço para um mercado bem sucedido”, planeja.
O governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Indústria, Ciência e Tecnologia (Seitc), cedeu um espaço no Polo Moveleiro de Feijó para que Júlia monte sua agroindústria, que, inclusive, será modelo para que outras se enquadrem nos requisitos exigidos pelo selo.
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Multiplicadoras
Josileide da Silva chegou a trabalhar com Júlia e atualmente é dona do seu próprio negócio, ao lado do marido. Em casa, tem uma pequena agroindústria e gera emprego, ao contratar quem colhe o açaí.
Para ela, o fruto está relacionado também com uma memória afetiva e familiar. “O açaí é um produto que, quando está na época dele, a pessoa não passa fome e tem muita gente que vive disso. Tem muito aqui pela região e as pessoas acabam fazendo. Tenho essa memória da infância, da minha mãe fazendo pra gente. Quando conheci o meu esposo, veio a curiosidade de a gente mexer com o produto, pra ver se a gente conseguia uma renda melhor”, diz.
A venda, montada em um espaço na frente de casa, tem bastante movimento. Josi, como é mais conhecida, não para de atender, inclusive clientes antigos, que se tornaram amigos.
“O que a gente procura manter sempre é o padrão de qualidade. Resolvemos criar o nosso próprio negócio e estamos aí, tentando crescer mais e dar uma melhorada na estrutura, fazer uma fábrica melhor e exportar para outros lugares”, programa.
Diretamente, Josi coordena o trabalho de 12 pessoas, que colhem o fruto na mata e levam até a agroindústria, onde é batido e transformado em vinho. O marido é o batedor, enquanto ela conduz os negócios e as finanças. “Agora pretendemos também trabalhar com açaí cremoso, expandir nosso negócio e crescer juntos”, anuncia.
Por Tácita Muniz – Agência de Notícias do Acre