A semana que contempla os dias entre 22 e 28 ficou marcada pela Semana do Cinema, período em que os ingressos para assistir aos filmes estiveram mais baratos em diversas redes ao redor do Brasil, com isso, uma matéria produzida n’A Catraia, jornal laboratório da Universidade Federal do Acre, ganhou vida e levantou algumas discussões interessantes, e me fez pensar muito sobre o assunto.
Vamos lá, questionaram o motivo de filmes concorrentes ao Oscar, maior premiação do cinema, não passarem no Cine Araújo, rede de cinema que gere as salas presentes aqui em Rio Branco, e que isso seria um grande desserviço para as pessoas de baixa renda. O perfil de entrevistados? Jovens alunos da própria universidade federal, em cursos um tanto elitizados, diga-se de passagem (direito e engenharia elétrica), e já vai ficar claro o motivo da minha ênfase neste perfil.
Este texto (que você pode ler clicando bem aqui) motivou algumas discussões que pude presenciar, e levantou alguns assuntos muito pertinentes e é sobre eles que venho refletir sobre. A primeira coisa que me chamou atenção foi o apontamento de que “filmes que concorrem ao Oscar normalmente tocam em pontos sociais importantes e que por isso é triste que pessoas de baixa renda não possam vê-los”, e bom, eu concordo plenamente com isso, com apenas um asterisco.
Pessoas de baixa renda não têm acesso a experiência de ir ao cinema de maneira digna, e isso é triste. Quero que fique evidente que seria incrível se todos pudessem acessar esse espaço, e iniciativas como o Cine Teatro Recreio deveriam ser mais valorizadas, mas para além disso, vamos olhar em um aspecto mais amplo. Que coisas do ponto de vista cultural são realmente acessíveis em um estado onde mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza (o que equivale a R$34,12, no dia 26 de fevereiro de 2024), e o custo de uma cesta básica com itens alimentícios e de higiene é praticamente metade do salário mínimo.
Bom, se ainda sim quisermos tentar dizer que o cinema é acessível para pessoas de baixa renda, vamos as contas! Mesmo durante a promoção, o valor do ingresso é de R$ 12, mais o valor gasto com o deslocamento, que fica em R$ 7 para ir e voltar (o preço de uma passagem de ônibus na capital atualmente é R$ 3,50. Se a pessoa comprar um balde de pipoca pequena e uma lata de refrigerante, o valor chega a R$50,92, o que pode até não parecer um absurdo completo, até você lembrar que mais da metade da população vive com menos de R$ 35 por dia. Vale lembrar que o preço padrão do ingresso é R$40 aos fins de semana.
E é assim que a ideia do cinema um espaço social e de cultura acessível dá um bye bye pra todo mundo, e quem tá dizendo isso não sou eu, e sim o Ministério da Educação, quando abordou, em 2019, a democratização do acesso ao cinema no Brasil como tema da redação do Enem.
Bom, o que precisa ficar claro é que idas ao cinema não são, e nunca foram acessíveis, e dizer que lá é um espaço de cultura para as classes baixas é ter uma visão um tanto elitista sobre o acesso a cultura no país e desconhecer todo o contexto social em que se está inserido no Brasil, e mais ainda no Acre.
Se a intenção é falar sobre cinema democrático e acessível, vamos falar do porque o Cine Teatro Recreio está parado a 19 semanas? Ou vamos falar de ter mais filmes premiados em serviços de streamings, que mesmo com preços cada vez mais elevados, e com políticas restritivas de acesso (sim, eu estou falando de você Netflix), ainda são mais acessíveis, proporcionalmente, que uma ida ao cinema. A vida com certeza não é um morango.