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Artigo: ‘Afinal, qual é a origem da madeira acreana?’

Foto: Cedida

Durante o verão amazônico a visão impactante de uma carreta carregada com toras de madeira milenares é corriqueira. Mas você já parou para pensar como sua mesa de madeira foi parar em sua casa? E seu guarda-roupa de cerejeira herdado de sua família? Provavelmente não foi de uma exploração sustentável. Isso na verdade são heranças de uma época de explorações predatórias, onde não havia preocupações quanto a conservação dos recursos florestais.

A madeira é uma valiosa matéria-prima em diversos setores da socioeconomia, como construção civil, mobiliário, indústria de celulose e papel, energia e artesanato. Conhecer sua origem é importante para garantir o uso de um material com boa procedência em consonância com a legislação e as boas práticas ambientais.

Entende-se por desmatamento todo processo de supressão da vegetação, diferente da exploração madeireira que se baseia na retirada de árvores para fins comerciais. Ambos os casos podem ocorrer de forma legal ou ilegal, caso não haja autorização dos órgãos ambientais competentes.

De acordo com o levantamento realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apresentados na plataforma PrevisIA (1), o estado do Acre possui o quarto maior índice de área sob risco de desmatamento na Amazônia Legal para o ano de 2024, com mais de 900 quilômetros quadrados.

Contudo, os dados de explorações madeireiras são contraditórios. Enquanto a pesquisa da Rede Simex (2) aponta que todos os 10.886 hectares de floresta com extração de madeira, entre agosto de 2020 e julho de 2021, tiveram permissão para a atividade, afirmando que 100% da exploração madeireira realizadas no estado do Acre foi regular, o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), em parceria com o Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA) da Polícia Militar, de forma diferente, anunciaram no mesmo período (maio de 2021), uma operação que resultou na apreensão de 300 metros cúbicos madeira ilegal (equivalente a 12 caminhões carregados), a maior registrada dos últimos anos (3).

Partindo da necessidade de constante fiscalização na exploração de recursos naturais, o manejo florestal sustentável consiste em uma das alternativas mais eficazes para conter o desmatamento ilegal. Essa forma de exploração, planejada e sistemática, segue uma rigorosa legislação, com intuito de retirar árvores da floresta com o menor grau de impacto possível, auxiliando na manutenção da cobertura florestal e garantindo a preservação das espécies, bem como a geração de empregos e renda para a região a qual está inserido.

Para realizar uma exploração florestal sustentável, todas as árvores em um plano de manejo são reconhecidas por um código chamado de custódia. A custódia está amarrada a diversas informações, como localização geográfica, espécie e dimensões. Tendo assim, uma função de identificação e rastreabilidade, semelhante à das nossas identidades.

Uma vez que a árvore é reconhecida pela custódia desde a elaboração do plano operacional da exploração, o órgão fiscalizador pode através do sistema da cadeia de custódia fazer o caminho inverso da tora, ou seja, analisar a situação de determinada árvore e validar a informação em campo, indo até sua localização na floresta, pátio de estocagem ou até mesmo na serraria.

O sistema que permite o acompanhamento das atividades do manejo florestal é chamado de Sinaflor, Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais. Este sistema é alimentado diariamente conforme as operações florestais prosseguem na área manejada.

Em vias gerais, os motosserristas portam um aparelho chamado de GPS (abreviação em inglês para o Sistema Global de Localização), que usa sinais de satélites para localizar as árvores conforme o plano operacional. Dessa forma, cada árvore derrubada é marcada no GPS, sendo posteriormente informada no escritório que é responsável por atualizar o Sinaflor. O mesmo ocorre para o traçamento, que é a divisão do fuste (tronco sem as galhadas) em toras.

Mas não para pôr aí.  Ainda é necessário a rastreabilidade em nível de indústria, que ocorre pelo sistema DOF, Documento de Origem Florestal. Esta segunda parte do sistema necessita do saldo volumétrico gerado pelo Sinaflor, a partir de cada árvore com traçamento declarado.

O DOF é um documento que consta a informação do volume por espécie, sendo um anexo obrigatório a todas as toras a partir do momento que saem da área de manejo. Deste modo, os caminhoneiros que realizam o transporte da carga de toras de um manejo florestal sustentável até as indústrias, têm em posse esta documentação, assim como a serraria que as adquirir.

Apesar do manejo ser instituído através de uma série de normas e regulamentações, essa etapa ainda costuma gerar problemas para os órgãos que fiscalizam as operações. Em abril de 2023, o estado do Acre foi alvo da “Operação Metaverso”, a maior já realizada pelo IBAMA (4), com o objetivo de combater a exploração ilegal de produtos florestais por meio da fiscalização de transações no Sinaflor, que resultou no bloqueio temporário de 16 pátios de estocagem. A nível nacional, esta operação resultou no bloqueio de 1,2 milhão de m³ em créditos virtuais, que permitiria acobertar mais de 100 mil hectares de floresta explorados ilegalmente, o que representa cerca de 60 mil caminhões carregados (5).

É crucial entender também como determinar se os produtos que consome têm origem legal. Por exemplo, você já deve ter notado a inscrição “Esta embalagem foi produzida com madeira proveniente de florestas certificadas pelo FSC” em produtos como caixas de leite ou até mesmo em seu caderno de anotações. O FSC, ou Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal, em português), é uma organização internacionalmente reconhecida que utiliza sua logomarca para identificar produtos derivados de madeira e outros produtos florestais que provêm de práticas responsáveis de manejo florestal (6).

O FSC é, atualmente, o selo verde mais amplamente reconhecido em todo o mundo. Sua certificação garante a procedência desses produtos, ao mesmo tempo em que promove a conservação das florestas, o sustento das comunidades que dependem delas e o desenvolvimento econômico sustentável. Dessa forma, a iniciativa de verificar a origem da madeira que adquire e escolher produtos certificados pelo FSC ou comprovadamente de origem legal, é um papel essencial na proteção das florestas e no apoio a práticas responsáveis de manejo florestal.

*Produto da disciplina de Comunicação em Pesquisa Científica, Programa de pós-graduação em Ciência Florestal, Universidade Federal do Acre (Ufac).


Autores

Annanda Souza de Campos, Rafael Barbosa Diógenes Lienard, Rodrigo Rummenige Ribeiro de Araújo

(Engenheiros (a) Florestais, Discentes da Universidade Federal do Acre, Programa de pós-graduação em Ciência Florestal, Rio Branco, Acre, Brasil).


Referências

(1) PREVISIA. Dados de previsão de risco: Ranking 2024. Disponível em: https://previsia.org.br/. Acesso em: 26 de outubro de 2023.

(2) SIMEX, 2021. Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex): Mapeamento da exploração madeireira na Amazônia – agosto 2020 a julho 2021 (p.1). Belém: Imazon, Idesam, Imaflora e ICV. Disponível em: https://imazon.org.br/imprensa/exploracao-madeireira-no-acre-chega-a-quase-11-mil hectares. Acesso em: 26 de outubro de 2023.

(3) ACRE. Operação resulta na maior apreensão de madeira ilegal registrada dos últimos anos. Notícias do Acre, 2021. Disponível em: https://agencia.ac.gov.br/operacao-resulta-na-maior-apreensao-de-madeira-ilegal-registrada-dos-ultimos-anos/. Acesso em: 26 de outubro de 2023.

(4) BRASIL. Nota de Esclarecimento sobre a Operação Metaverso. IBAMA,2023. Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/notas/2023/nota-de-esclarecimento-sobre-a-operacao-metaverso. Acesso em: 26 de outubro de 2023.

(5) BRASIL. Operação do Ibama desmonta fraude para “esquentar” madeira ilegal. IBAMA, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/noticias/2023/operacao-do-ibama-desmonta-fraude-para-esquentar-madeira-ilegal. Acesso em: 26 de outubro de 2023.

(6) FSC. Tipos de Certificação. FSC, 2023. Disponível em: https://br.fsc.org/br-pt/certificacao/tipos-de-certificacao. Acesso em: 26 de outubro de 2023.

A Gazeta do Acre: