Li ontem na Folha de São Paulo o perfil de Renate Nyborg, ex- CEO do Tinder. Vale procurar a matéria que foi publicada originalmente no Financial Times na chave da curiosidade tanto sobre a trajetória profissional de Nyborg (spoiler: do Tinder, ela migrou para o Headspace), quanto sobre o que ela diz da solidão. Sim, é um pouquinho do que você tá imaginando, uma startup, ideia revolucionária, investidores, inteligência artificial, a “dor do usuário”, milhões e milhões de dólares, tal e coisa e coisa e tal.
Mas ainda mais rico do que a discussão sobre as relações e a solidão, foi um errinho de tradução que me lançou em um pensamento que está comigo até agora. A frase original era: “I believe that if we can help people practice what good, empathetic communication looks like, then more people will meet their romantic partners from a group of people they are already friends with.” Em português ficou assim: “Acredito que se pudermos ajudar as pessoas a praticar a comunicação empática, mais pessoas conhecerão seus parceiros românticos a partir de um grupo de pessoas com quem já são amigos”.
Na língua portuguesa se é amigo “de”, em inglês se é amigo “com”. Vê só, ser amigo “de” independe da reciprocidade. Gramaticalmente é possível dizer que Roberta é amiga de Mariazinha, mas Mariazinha não é amiga de Roberta. Em inglês não dá. Porque é um estado que depende de no mínimo duas pessoas. É como ser casado, se é casado “com” alguém. Embora, a gente saiba que na prática dá pra estar ou se sentir casado com alguém que não se sente tão casado assim de volta. Mas na gramática, ou se é “com” ou não se é.
Lembrei daquela fala do Contardo Calligaris no programa do Lázaro Ramos. Ele diz da projeção do amor romântico de um jeito tão simples. Como dizia bem do complexo o Contardo, sempre generoso na transmissão da psicanálise. Era a ideia de que não nos apaixonamos por uma pessoa. Nos apaixonamos pela projeção que fazemos de tudo o que mais nos agrada (nos interessa, tudo o que admiramos) no outro. Quando esse outro demonstra gostar de volta, são essas coisas preciosas que estão gostando da gente. Está fechado o circuito em uma pessoa só. O outro é só veículo. Nos apaixonamos “por”, e não “com”.
O aplicativo novo de Nyborg é um chatbot criado para orientar os usuários nos seus relacionamentos. Um chatbot, uma inteligência artificial, orientando uma pessoinha com todas as suas possibilidades e complexidades a se relacionar “com” (mil vezes com) uma outra pessoinha também cheia de passado, presente e futuro, cheia de dúvidas e desejos, cheia de vazios, cheia de projeções. Ô minha gente. Olha, aqui não vai nenhum apego ao “no meu tempo era tudo diferente” não, Deus me livre. Aliás, viva o Bumble, o Tinder e afins. Mas bora “com”? Bora pra tudo, seja a relação da natureza que for? Eu voto. E vocês? O que acham? Vocês me contam? A conversa pode seguir no [email protected], vocês já conhecem, né? Nos falamos. Boa semana, queridos.