O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação para garantir que os cartórios do Estado do Acre registrem indígenas recém-nascidos com nomes em suas línguas tradicionais. O órgão deu prazo de 15 dias para que os cartórios de registro civil de todo o estado informem sobre o acatamento da recomendação e as providências adotadas para cumpri-la.
O MPF também determinou que o documento seja enviado às Coordenações Regionais da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Acre, à Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá e à Federação do Povo Huni Kui do Estado do Acre, para que o maior número possível de comunidades originárias tome ciência do texto. O documento orienta que, em caso de recusa do registro do nome na língua tradicional, o MPF deve ser acionado, com a indicação do cartório, funcionário responsável pela negativa e nome do indígena que teve o registro negado.
A recomendação é resultado de procedimento preparatório instaurado após denúncia de liderança indígena da etnia Huni Kuin sobre a resistência existente no estado para que os registros indígenas sejam feitos com os nomes próprios de suas línguas. Informações prestadas pela Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Acre confirmam que ainda há negativa dos cartórios acreanos em registrar os indígenas recém-nascidos com os nomes em suas línguas tradicionais, conforme relatos repassados por lideranças dos municípios de Assis Brasil, Feijó e Tarauacá.
Na recomendação, o MPF reforça que a Constituição Federal de 1988 reconhece aos povos indígenas o direito à organização social e aos seus costumes, línguas, crenças e tradições (art. 231). A Carta Magna assegura também o pleno exercício dos direitos culturais (art. 215), estabelecendo como patrimônio cultural brasileiro, objeto de especial proteção, os modos de criar, fazer e viver das comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas (art. 216, inciso II). “Incumbe ao poder público a garantia das manifestações culturais indígenas concernentes ao seu nome, já que refletem a cultura de cada povo, não podendo seu exercício ser arbitrariamente limitado”, destaca o procurador da República Luidgi Merlo Paiva dos Santos, que assina o documento.
O MPF explica que o Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani), documento administrativo fornecido pela Funai, pode servir para solicitar o registro civil e constitui um meio subsidiário de prova, mas que não é requisito para o registro e nem o substitui. Além disso, a Resolução Conjunta nº 03/2012, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), não condiciona o registro civil à apresentação do Rani e garante que, “no assento de nascimento do indígena, integrado ou não, deve ser lançado, a pedido do representante, o nome indígena do registrando, de sua livre escolha”.
A recomendação cita também a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 5.051/2004, que garante o direito de autodeterminação dos povos e reforça o dever dos Estados de adotar medidas para proteção das populações tradicionais.
O texto destaca que a negativa do registro do nome indígena pode caracterizar discriminação em razão da etnia, costumes e crenças, o que configura o crime de racismo, nos termos do art. 1º da Lei nº 7.716/89. O MPF alerta ainda que o não acatamento da recomendação pode implicar adoção de medidas judiciais cabíveis.