Um estudo inédito realizado por um grupo de pesquisadores brasileiros traz dados preocupantes sobre a ingestão de mercúrio proveniente de pescados em Rio Branco. Crianças de 2 a 4 anos estariam ingerindo até 31 vezes mais o elemento do que a quantidade recomendada, e mulheres em idade fértil até nove vezes mais.
A pesquisa classifica como “alarmantes” os números locais, especialmente por se tratarem da parcela da população mais vulnerável aos efeitos do mercúrio, que pode provocar graves doenças neurológicas em crianças.
Além de mulheres em idade fértil e crianças pequenas, o estudo também conclui que, na capital, homens adultos consomem 7 vezes mais mercúrio que a dose permitida, enquanto crianças de 5 a 12 anos, 16 vezes mais.
A pesquisa foi conduzida por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, ligada à Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz); da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa); do Greenpeace Brasil; do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé); do Instituto Socioambiental; e do WWF-Brasil.
No Acre, os números são os maiores entre os seis estados amazônicos pesquisados e em todos os quatro estratos populacionais analisados. Para chegar a esse resultado, os estudiosos foram até mercados públicos, feiras-livres e pontos de desembarque pesqueiro da capital e adquiriram 78 peixes de 25 espécies diferentes.
Quase 36% dos animais obtidos estavam contaminados com níveis de mercúrio acima dos limites seguros, que é de 0,5 micrograma do metal a cada grama do pescado, segundo referências da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) e a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Brasil.
O percentual é maior apenas em Roraima, onde 40% dos peixes adquiridos para a pesquisa tinham quantidade de mercúrio acima do recomendado. Também participaram do estudo, realizado em centros urbanos, o Amapá (com 11,4% dos peixes com contaminação excessiva), Amazonas (22,5%), Pará (15,8%) e Rondônia (26,1%).
Outro dado preocupante sobre o Acre é que a concentração média de mercúrio nos peixes estudados é de 0,58 micrograma por grama do animal, a mais alta entre as seis unidades federativas analisadas.
Alerta em saúde pública
A pesquisa tem como título “Análise regional dos níveis de mercúrio em peixes consumidos pela população da Amazônia brasileira: um alerta em saúde pública e uma ameaça à segurança alimentar”. Ela chama a atenção sobre os graves riscos à saúde pública ocasionados pelo consumo excessivo de mercúrio, e aponta as causas.
“Nosso estudo destina-se a esclarecer a sociedade sobre como a contaminação por mercúrio, proveniente principalmente do garimpo ilegal de ouro, pode afetar milhões de pessoas, inclusive aquelas distantes das áreas diretamente impactadas, uma vez que esse metal é transportado e depositado por processos naturais e atividades humanas, como desmatamento”, ressalta Gustavo Hallwass, da Universidade Federal de Lavras (Ufla).
Um dos condutores do estudo, o professor prossegue: “para combater a contaminação por mercúrio nos ecossistemas aquáticos da Amazônia, é crítico fechar áreas de garimpo ilegal, principalmente em Áreas Indígenas e Unidades de Conservação. Também é essencial monitorar constantemente a saúde das populações locais, especialmente as comunidades ribeirinhas que possuem limitado acesso a serviços de saúde”.
Em Rio Branco, não há registro de garimpo. No entanto, a atividade acontece de forma intensa no Peru, onde nasce o Rio Acre, que banha a capital acreana após passar por Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia e Xapuri.
Considerado um metal tóxico, o mercúrio, quando acumulado em altas doses no organismo, age no sistema nervoso central e pode provocar lesões neurológicas permanentes já nos primeiros anos de vida, em casos de intoxicação na gravidez ou primeira infância. Em adultos, os riscos são de distúrbios cognitivos e problemas de memória, nos rins e coração.