Me aconteceu uma coisa estranhíssima hoje de manhã logo cedo. Sabe quando você desperta de um sonho com uma sensação no peito? Você não sabe exatamente de onde veio, nem o que é, mas quer manter aquilo ali por perto, conservar uma vivência, ainda que não a reconheça. Você atravessa o dia apertando na mão o que sentiu, tentando sentir de novo, até que as horas correm, e quando você se dá conta, puf, a mão tá vazia e o peito também. Sabe assim? Foi quase isso, mas não exatamente. Acordei com uma palavra na boca, um nome. Abri o olho e disse bem baixinho pra mim mesma: Krystyna Dąbrowska.
Tava atrasada, tive tempo nem de anotar. No banho, Krystyna Dąbrowska, na porta de casa, Krystyna Dąbrowska, na rua, Krystyna Dabrowska, no elevador do consultório, Krystyna Dąbrowska, girando a chave da sala, Krystyna Dąbrowska, ligando as luminárias, Krystyna Dąbrowska, colocando a água na chaleira, Krystyna Dąbrowska, o analisandos das 7h, Krystyna Dąbrowska, o das 8h, Krystyna Dąbrowska, o das 9h, nenhum intervalinho entre eles, Krystyna Dąbrowska. Só aí consegui parar pra dar Google.
Te conto, Krystyna é uma poeta polonesa nascida em 79, quase no mesmo ano que eu, mas bem longe do Recife do meu nascimento. Seu fazer, sua origem e até as fotos que vi também no Google ocuparam um pedaço de minha manhã, mas não me ajudaram a puxar o fio do sonho. O que fazia em minha cama essa danada cheia de ípsilons e consoantes? Me pus então a aprofundar a investigação.
Na medida em que avançavam as horas cresceu em mim uma sensação de intimidade por ela e por outras duas xarás suas: a vencedora do Women’s World Chess Championship de 1996, Woman Grandmaster em 1994, como nós nascida também na década de 70 e a escultora e pintora de 1906 que aparece tão linda com seu casaco de frio e boina na cabeça na foto que vi agorinha aqui na tela do computador. Fiquei pensando nessa loucura que é não conhecer alguém às 7h da manhã e abrir espaço no peito pra três pessoas de uma vez só até o meio dia. Na lindeza que é se dar pra quem chega na vida da gente, na que é ver alguém se dar de volta. E no mesmo tom que repeti Krystyna Dąbrowska quando acordei, vi sair de minha boca um “você se me dá por inteiro”. Aí pronto. Lembrei do poema. Era isso. Te deixo aqui no desejo de que o meio dia chegue pra ti também. E que quando chegar, te encontre curioso e disposto. Boa semana, queridos.
“Tantas coisas não vivi com você. Não conhecia você quando era um menino gordinho como um urso ou um ruivo magrelo de vinte anos. Não fui seu primeiro amor. Não foi comigo que você atravessou os dias mais sombrios. Nunca conhecerei seus pais mortos, sobre os quais você me fala. Carrego em mim tantas histórias: sobre suas mulheres, amizades, sucessos, frustrações, sobre como nasceu sua filha – tudo que compõe você e de que não fiz parte. Mas quando abraçados adormecemos (pernas, mãos, pensamentos tão entrelaçados, que, ao acordar, não sabemos o que pertence a quem) por um instante a certeza: você se me dá por inteiro.”