Cientistas da Universidade do Colorado em Boulder e da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, utilizaram pela primeira vez uma técnica comum em geologia para identificar as impressões digitais atômicas do câncer.
O método, que permite reconhecer as diferenças atômicas entre células cancerígenas e tecidos saudáveis, foi registrado na segunda-feira (6) no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
Para a realização da pesquisa, a equipe cultivou culturas de leveduras e células de fígado de camundongo no laboratório e depois analisou seus átomos de hidrogênio. Os cientistas tentaram responder à pergunta: esses mesmos átomos minúsculos poderiam fornecer pistas sobre a vida de organismos biológicos complexos?
Os pesquisadores viram que as células cancerígenas podem ter uma variedade de átomos de hidrogênio diferente dos tecidos saudáveis. A novidade pode originar estratégias para estudar o crescimento do câncer, e até mesmo ajudar a detectá-lo precocemente.”Este estudo adiciona uma nova camada à medicina, nos dando a chance de olhar para o câncer no nível atômico”, diz Ashley Maloney, pesquisadora do Departamento de Ciências Geológicas da Universidade do Colorado em Boulder e líder do estudo, em comunicado.
A pesquisadora explica que os átomos de hidrogênio na natureza existem em dois tipos principais: deutério (um pouco mais pesados) e hidrogênio comum (um pouco mais leves). Na Terra, esses últimos superam os de deutério em uma proporção de cerca de 6.420 para um.
Sabendo disso, cientistas tentam entender há décadas a história do nosso planeta, como os climatologistas que estudam os átomos de hidrogênio no gelo da Antártica para inferir as condições climáticas do passado.
Ao analisarem os átomos de hidrogênio nas leveduras e células de fígado de roedor, os autores do novo estudo descobriram que as células que crescem rapidamente, como as cancerígenas, têm uma proporção diferente de átomos de hidrogênio e deutério. Isso sugere que o câncer deixa uma marca única, como uma impressão digital, nas células.
Entretanto, a pesquisa ainda está em seus estágios iniciais e seus cientistas não têm certeza de como esse sinal poderia aparecer ou não nos corpos de pacientes reais com câncer. “Se esse sinal isotópico for forte o suficiente para ser detectado através de algo, como um exame de sangue, isso poderia lhe dar uma pista importante de que algo está errado”, diz Sebastian Kopf, coautor do estudo e professor assistente de ciências geológicas.
Comparação entre células
As leveduras normalmente geram energia através da respiração, absorvendo oxigênio e liberando dióxido de carbono. Entretanto, algumas colônias de levedura de cerveja (Saccharomyces cerevisiae) podem produzir energia através da fermentação, que não requer oxigênio e produz álcool. “Nos seres humanos, se um atleta ultrapassa seu limite aeróbico, seus músculos também começam a fermentar, o que não usa oxigênio”, explica Kopf. “Isso lhe dá um impulso de energia rápido”.
Em seu estudo, os pesquisadores queriam entender se o câncer poderia alterar como certa enzima obtém seu hidrogênio. Essa enzima se chama nicotinamida adenina dinucleótido fosfato (NADPH) e é responsável por coletar átomos de hidrogênio, transferindo-os para outras moléculas na produção de ácidos graxos, fundamentais para a vida.
A equipe descobriu que as células de levedura em fermentação, do tipo que se assemelha ao câncer, continham em média cerca de 50% menos átomos de deutério do que as células normais de levedura. Já as células cancerígenas mostraram uma escassez semelhante, embora menos forte, de deutério.
Conforme Xinning Zhang, coautor da pesquisa, os resultados mostraram que “uma ferramenta usada para rastrear a saúde planetária também poderia ser aplicada para rastrear a saúde e a doença em formas de vida, esperançosamente um dia em humanos”.
Reportagem da Revista Galileu