É falso que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos tenham reportado um aumento de 14.000% nos casos de câncer em decorrência das vacinas contra a covid-19, como afirmam publicações com milhares de visualizações nas redes sociais desde 15 de abril de 2024. Os posts são embasados em um artigo que cita erroneamente relatos não verificados de eventos adversos após a vacinação. As autoridades de saúde pública não encontraram evidências que associem a imunização ao desenvolvimento de câncer.
“O CDC alertou que as vacinas COVID-19 causaram um aumento de pelo menos 14.000% nos casos de turbo-câncer nos Estados Unidos”, dizem publicações compartilhadas no Facebook, no Telegram e no X.
O conteúdo também circula em espanhol e inglês.
A Organização Mundial de Saúde afirmou em fevereiro de 2024 que o câncer está aumentando em todo o mundo, em parte devido ao envelhecimento e crescimento da população e às “mudanças na exposição das pessoas a fatores de risco, vários dos quais estão associados ao desenvolvimento socioeconômico”.
A Sociedade Americana contra o Câncer estimou que, apenas nos Estados Unidos, mais de dois milhões de novos casos de câncer serão registrados este ano.
No entanto, não existem estudos que relacionem o aumento de casos de câncer com as vacinas contra a covid-19.
Dados distorcidos
Algumas publicações compartilham um artigo que menciona o site “The Exposé”, já verificado em outras ocasiões pela AFP (1, 2, 3), como fonte da afirmação.
O texto do The Exposé, publicado em 14 de abril de 2024, afirma que dados do CDC mostram que houve “um aumento de 6.113% nos casos de câncer devido à vacinação contra a covid-19”.
A afirmação é baseada em uma comparação entre relatos de ocorrência de câncer após vacinas contra a gripe e contra a covid-19.
“Pessoas na faixa dos 30 anos relataram apenas um caso de câncer devido à vacinação contra influenza entre 1º de janeiro de 2021 e 29 de março de 2024, enquanto 141 casos de câncer foram relatados entre pessoas na faixa dos 30 anos devido à imunização contra a covid-19”, afirma o artigo.
“Isso equivale a um chocante aumento de 14.000% nos casos de câncer devido à vacinação contra COVID-19”, acrescenta – essa é parte citada nas publicações virais.
Consultado pela AFP, Wilbur Chen, médico-cientista especializado em doenças infecciosas da Universidade de Maryland explicou que o texto do The Exposé se baseia em uma interpretação “completamente não científica” dos dados do Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.
Os CDC e a agência de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) utilizam esta base de dados do governo norte-americano para descobrir possíveis problemas de segurança em vacinas autorizadas.
Qualquer pessoa, desde médicos e enfermeiros até pacientes e pais, pode enviar um informe ao VAERS sobre potenciais eventos adversos após a vacinação. Os profissionais de saúde são obrigados a reportar eventos graves, mesmo que não haja suspeita de que estejam relacionados com a vacina.
A AFP analisou os dados do VAERS e encontrou mais relatos de câncer após a vacinação contra a covid-19 do que após a imunização contra a gripe. Mas Daniel Salmon, diretor do Instituto de Segurança de Vacinas da Universidade Johns Hopkins, disse que a interpretação do The Exposé é “absolutamente incorreta”.
“O VAERS aceita informes de qualquer pessoa sobre qualquer coisa”, disse em um e-mail de 26 de abril. “Eu poderia tomar uma vacina contra a covid e meu cachorro ser atropelado por um carro e poderia informar isso ao VAERS. Isso não significa que a vacina causou o atropelamento do meu cachorro.”
O VAERS alerta em seu site que nem todas as notificações são verificadas: “Geralmente não é possível descobrir a partir dos dados do VAERS se uma vacina causou o evento adverso”, informa, acrescentando que “é mais provável que eventos adversos graves sejam notificados do que não graves”.
Os pesquisadores usam o banco de dados para detectar possíveis efeitos colaterais das vacinas, de acordo com os CDC. Se observarem um padrão, eles conduzem pesquisas de acompanhamento para determinar se a reação foi ocasionada pela vacina.
Por sua vez, Nick Spinelli, porta-voz do CDC, explicou à AFP que “até o momento não há evidências que indiquem que as vacinas contra a covid-19 causem qualquer tipo de câncer”.
“Os imunizantes contra a covid autorizados e aprovados estão sendo administrados em meio aos esforços de vigilância de segurança das vacinas mais abrangentes e intensivos da história dos EUA”, afirmou Spinelli.
Ele acrescentou ainda que: “Após a administração de mais de 676 milhões de doses, o monitoramento de segurança não estabeleceu uma associação entre a vacinação contra a covid-19 e um risco maior de desenvolvimento de qualquer tipo de câncer. Não há dados que sugiram que os imunizantes contra a covid-19 causem câncer, recorrência ou progressão da doença”.
A AFP já verificou outras alegações enganosas ou falsas sobre a vacinação contra a covid-19. Com a exceção de alguns raros efeitos colaterais graves, as agências de saúde pública em todo o mundo afirmam que as vacinas são seguras e eficazes na prevenção de doenças graves e morte.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçou que a vacinação contra a covid-19 “continua sendo a forma mais eficaz de reduzir mortes e doenças graves pela infecção”, em nota publicada em abril de 2023,