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Fogo nas florestas, pastos e fumaça no ar. O que aprendemos (ou não) para evitar a repetição do desastre de 2005

Em anos de secas severas, as florestas da Amazônia Sul-ocidental pegam fogo. Infelizmente, estas secas vão se repetir com mais severidade, provavelmente este ano, criando problemas de abastecimento de água, incêndios florestais e fumaça densa.  O filósofo George Santayana notou que quem não aprende do passado é condenado a repeti-lo no futuro (i).   No seu contexto, Santayana estava se referindo à ignorância como obstáculo para o progresso.   O nosso contexto é evitar repetir desastres, como aconteceu em 2005 no Leste do Acre, em Pando, Bolívia e no Norte de Madre de Dios, Peru.  Vamos ver o que podemos aprender desse passado lamentável.

Há relatos de espalhamento de fogo dentro de florestas em pé desde 1926 (ii), algo que também foi observado e documentado durante o El Niño de 1998 (iii).  Mas foi em 2005, um ano sem El Niño (iv), quando o fogo extrapolou.  Mais de 350.000 hectares de floresta no Leste do Acre tiveram as copas afetadas pelo fogo que passou por baixou e pôde ser registrado em imagens de satélite (v).  Cerca de 370.000 hectares de pastos, áreas agrícolas e áreas degradadas (vi) também queimaram. Em Pando, mais de 100.000 hectares de floresta queimaram (vii) e estimamos que mais de 10.000 hectares sofreram incêndios florestais em Madre de Dios (viii).  Tivemos outros eventos severos como este em 2010 e 2016 (v).

Como se isso não fosse suficiente, a fumaça gerada em setembro de 2005 chegou a ter concentrações de partículas poluentes em Rio Branco de até cem (100!) vezes (ix) o limite diário estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS)  – 15 microgramas por metro cúbico de material particulado fino (PM2.5).   A Universidade de Chicago (x) estimou que, por causa da fumaça crônica, pessoas nesta parte da Amazonia têm de dois a quatro anos a menos na expectativa de vida.   O estudo da Universidade de Chicago usou satélites para estimar a fumaça, mas não detectou o pulo para cima das concentrações que aconteceram em setembro de 2005 (x).  Só recentemente começamos a monitorar na região a qualidade do ar in loco, através de sensores instalados nos municípios acreanos (xi).

Bem, o que aprendemos para aplicar neste mundo admirável novo, 19 anos mais tarde?

Primeiro, a nossa memória é muito curta, especialmente para desastres ambientais. Consequentemente, precisamos relembrar ativamente dos prejuízos e problemas causados pelas secas severas, com o intuito de minimizar os estragos materiais e principalmente os impactos na saúde humana. Isso significa planejamento nas escalas federal, estadual, municipal e comunitária. Um diagnóstico para a adequação deste planejamento atual seria uma ferramenta útil para melhorá-los.

Segundo, quando o fogo entra na floresta e se espalha e é quase impossível de combater. Água de igarapés fica escassa numa seca severa e abafadores têm dificuldade de funcionar no sub-bosque. Ou se apaga logo o fogo na floresta ainda no início ou só Deus e a chuva apagam as chamas.  É muito mais fácil evitar fogo do que combatê-lo. Planos para minimizar o potencial de fogo entrando na vegetação são essenciais e podem incorporar os avanços tecnológicos na detecção e modelagem destes incêndios, evitando os erros do passado (xii).  Quantos planos preditivos e de prevenção estão sendo implementados na região?

Terceiro, precisamos nos preparar para eventos piores do que os eventos recentes.  Desde o ano 2010 as secas severas e inundações estão ficando mais frequentes (xiii). A média anual das temperaturas diária dos anos 2000 a 2020 subiu para 0,4 oC por década e a média anual das temperaturas máximas diárias aumentou para 0,5 oC por década (xiv).  Isso significa que a atmosfera tem e terá mais energia, seja para secar vegetação, seja para evaporar água de açudes, seja para estressar a vida das plantas, dos animais e a vida humana, mais do que em 2005.  Não se espera que estas taxas de aumento vão baixar tão cedo porque continuamos emitindo gases de efeito estufa na ordem de 50 gigatoneladas de gás carbônico equivalente a cada ano no mundo (xv), além do monóxido de carbono e gases ácidos, como os óxidos de nitrogênio e enxofre, produtos das queimadas.  Temos planos regionais para esta realidade num futuro próximo? O que precisamos fazer?

Foto: Foster Brown

Quarto, precisamos medir os impactos destes eventos na economia, na saúde, no bem-estar da população e no meio ambiente. Por exemplo, quanto perdemos em danos e vidas nos últimos 1,5 anos com duas inundações severas e uma seca prolongada junto com ondas de calor? Quanto perdemos com a destruição da vegetação, perda de solo e nutrientes, alteração dos ciclos hidrológicos? Sem estas medidas, estamos nos empobrecendo em silêncio.

Quinto, as sociedades regionais precisam internalizar que vivemos num planeta pequeno e finito e desenvolver valores que permitem que esta e futuras gerações possam conviver nesta biosfera sem degradá-la.  Alguns destes valores já existem em culturas indígenas que podem ser aplicados na adequação das nossas ações frente à Natureza.  Precisamos entender a lógica do equilíbrio ecológico, a responsabilidade coletiva, o respeito à Natureza e fazer este processo uma solução rápida, dadas as tendências atuais de alteração. O melhor tempo para fazer isso teria sido décadas atrás.  O segundo melhor tempo é agora.

Um grama de prevenção vale um quilo de remédio. De certa maneira as sociedades na Amazônia Sul-ocidental receberam uma chamada de atenção em 2005. Precisamos reorganizar como as nossas sociedades enfrentam uma realidade que está se transformando rapidamente. Esquecendo desse passado seremos condenados a mais sofrimento desnecessário no futuro.

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Foster Brown, Centro de Pesquisa em Clima Woodwell, Pós-Graduação e Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre (Ufac).

Sonaira Silva, Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Ufac, Cruzeiro do Sul, Acre.

Diodomiro Baldomero Luque Carcasi, Pós-Graduação em Ciência da Computação, Ufac.

Guillermo Rioja-Ballivian, Antropólogo Social, Iniciativa MAP.

Anderson Mesquita, Pós-Graduação em Geografia, Ufac.

Vera Lucia Reis Brown, Doutora em Engenheira Ambiental, Iniciativa MAP.

Alexsande de Oliveira Franco, Pós-Graduação em Geografia, Ufac. Pesquisador visitante no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Manoela S. Machado, Universidade de Oxford e Centro de Pesquisa em Clima Woodwell.

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(i)   SANTAYANA, G. 1905.   The Life of Reason, Vol.1.  Continuity is necessary for Progress. https://www.gutenberg.org/files/15000/15000-h/15000-h.htm#vol1.

(ii) BROWN, I.F. e R. TAVARES. 2011.  …E quando a seca do ano 1926 acontecer de novo? Jornal A Gazeta do Acre, Rio Branco. p. C1-6, 11-12 setembro 2011.

(iii) MENDOZA, E. 2002. Susceptibilidade da floresta primária ao fogo em 1998 e 1999: estudo de caso no Acre, Amazônia Sul – Ocidental, Brasil. 41 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais) – Universidade Federal do Acre, Rio Branco.

(iv) MARENGO, J. et al. 2008. The Drought of Amazonia in 2005. Journal of Climate, 21,p. 495-516.  DOI: 10.1175/2007JCLI1600.1.

(v) SILVA, S. et al. 2018. Dynamics of forest fires in the southwestern Amazon. Forest Ecology & Management.  424: 312-322.  doi.org/10.1016/j.foreco.2018.04.041.

(vi) SHIMABUKURO, Y., et al. 2009. Fraction images derived from Terra Modis data for mapping burnt areas in Brazilian Amazonia. International Journal of Remote Sensing 30.6,p. 1537-1546.

(vii) COTS TORRELLES, R. et al. 2007. Análisis de la superficie afectada por fuego en el departamento de Pando el año 2005 a partir de la clasificación de imágenes del satélite CBERS. Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis, Brasil, 21-26 abril 2007, INPE, p. 835-842.

(viii) BROWN, I.F. et al. 2006. Monitoring fires in southwestern Amazonian rain forests. EOS Transactions, 87, p. 253–259.

(ix) DUARTE, A. et al. 2007.   Events of high particulate matter (smoke) concentrations in eastern Acre and their spatial relationship with regional biomass burning: the case of September 2005.    Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis, Brasil, 21-26 abril 2007, INPE, p. 4453-4456.

(x) Universidade de Chicago.  Air Quality Life Index https://aqli.epic.uchicago.edu/   acesso:  23jun24.

(xi) BROWN, F. et al. 2019. Monitoramento de fumaça em tempo real mediante sensores de baixo custo instalados na Amazônia sul-ocidental. Anais do XIX Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto.  14-19 de abril de 2019, Santos: 2658 – 2661.

(xii) DELGADO, R. 2024.  Technological Bases for Understanding Fires around the World. Forests. Forests 15, p. 301. https://doi.org/10.3390/f15020301.  MACHADO et al. Emergency policies are not enough to resolve Amazonia’s fire crises. Communications Earth & Environment 5.1 (2024): 204.

(xiii) SILVA, S. et al. 2023. Amazon climate extremes: Increasing droughts and floods in Brazil’s state of Acre. Perspectives in Ecology and Conservation 21, 311–317. https://doi.org/10.1016/j.pecon.2023.10.006.

(xiv) SANTANA, R.  Não publicada. Análise da evolução de temperatura e suas possíveis implicações ecossistêmicas no leste do Acre.  Dissertação de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre.

(xv)   EDGAR – Emissions Database for Global Atmospheric Research. European Commission. https://edgar.jrc.ec.europa.eu/report_2023  acesso: 15jun24.

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