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O amor é azulzinho

Um céu azul sem nuvem pode ser um convite, um susto ou uma reafirmação, não é? Pode ser até tudo isso junto ao mesmo tempo. Esse fim de semana fez um solão aqui em São Paulo, céu de parecer falso se fosse uma pintura. Foi assim no sábado e no domingo. Hoje acordou igual, das 4 pessoas que atendi de manhã, 2 comentaram do azul.

A primeira gastou 45 minutos de análise no discurso da urgência climática. Bom dia, só se for pra você, Roberta, olha esse céu azul, é junho, deveria estar frio, dá um desespero essa falta de nuvem, quando eu era criança, passava o inverno de meia-calça, olha eu aqui de short e chinelo, acabou, não tem mais jeito, boa sorte, não sei o que dizer, são só palavras e o que eu sinto não mudará. Ela cantou e deu risada, talvez tentando arrancar também de mim algum alívio cômico. Eu não ri. Não porque não tenha achado a saída engenhosa, ou até engraçada mesmo, mas porque sei que essa era uma piada dela e do ex-marido sobre quem vem evitando falar desde a separação. Enfiavam música no meio da conversa quando sentiam que ela não tinha mais pra onde ir. Tomou um susto. Foi bonito. É sempre bonito presenciar o momento da escuta, essa quando a gente revela pra gente mesmo o que estava tentando evitar.

A outra me dizia da angústia que é perceber que a vida passa, pode até acabar. Passa mesmo, Rô, ela repetia. Está às voltas com a notícia de saúde frágil de um amigo querido. Jovens ainda o amigo e ela. Daqueles acontecimentos que põe a vida inteira da gente em perspectiva, sabe? Dizia que perdeu o sono na sexta-feira, acordou com preguiça de colocar as coisas pra andar no sábado, decidiu que era isso mesmo, ia passar o fim de semana na cama. Tenho direito a uma certa inoperância, pensou. Mas aí que abriu a janela. Parece que o dia meio que riu pra ela e ela riu de volta sem a culpa que vem carregando a cada segundo que passa não angustiada. É como se devesse ao amigo uma tristeza permanente. Um céu desses tem que ser vivido, não tem?, ela perguntou já respondendo. Tem, tive vontade de confirmar, mas nem precisava.  A vida passa, e passa esquisita e doce e saudável e doente e amorosa e injusta e quentinha e com chuva e cheia de música e silêncio.

Também me dei conta do céu azul. O de hoje e o do fim de semana. Me senti convidada a viver e tomei susto com a falta de inverno. Reafirmei as sensações a partir da escuta de hoje cedo. A clínica psicanalítica faz isso com a gente todo dia, às vezes numa sessão só, sabia? Convida e assusta. Era isso, só pra dizer de meu amor pela psicanálise, pelas pessoas a quem escuto, por vocês, pela vida e pelo sol. Boa semana, queridos, faça o tempo que fizer.

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