Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Infestação de lagartas transforma pastos em ‘cemitérios’ de bois em Roraima

Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

O verde nos campos das propriedades rurais pode até dar a impressão de que está tudo bem, mas não se engane — o pasto que alimenta o gado está escasso. O resultado é também a morte de mais de 7 mil bovinos que, enfraquecidos, padeceram de fome. Em 10 dos 15 municípios de Roraima, ervas daninhas conhecidas como mata-pasto tomaram conta da vegetação e atraem pragas como lagartas.

A estimativa é que ao menos 50 mil hectares de pasto em 840 propriedades de Roraima tenham sido devastados desde o início de maio, há ao menos 40 dias. O prejuízo, até agora, é de R$ 63 milhões em perdas, entre gado e capim morto, conforme estimativa do governo, mas pode ser ainda maior porque equipes ainda estão em campo avaliando os estragos.

Diante da situação, com um número crescente de gado que morre a cada dia, o governo decretou situação de emergência no estado. A ideia é oferecer apoio financeiro a produtores rurais dos municípios de Amajari, Alto Alegre, Bonfim, Cantá, Caracaraí, Iracema, Mucajaí, Pacaraima, Normandia e Uiramutã, as regiões mais afetadas pelo problema.

Especialistas ouvidos pelo g1 classificam o cenário como desequilíbrio ambiental causado pelo El Niño intenso. Entre os fatores estão:

– Estiagem e seca histórica que Roraima enfrentou nos meses de janeiro, fevereiro e março, que destruiu ou enfraqueceu o pasto;

– Ausência de predadores para cessar a infestação das lagartas logo no início do período chuvoso, em abril.

De acordo com o engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Daniel Schurt, são várias espécies de lagarta que estão causando estragos nos pastos, mas as mais preocupantes são a infestação de lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda) e o curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes).

Schurt explica que a relação entre a infestação e o período de estiagem está na diminuição da população de predadores naturais destes insetos — o que causou um crescimento desenfreado no número de lagartas. Ele explica a relação entre o surto de lagartas e o desequilíbrio ambiental e o fenômeno El Niño:

“Esse fenômeno causa um período muito seco, resultando no desequilíbrio da natureza. A seca pode reduzir a população de inimigos naturais das pragas, como sapos, insetos predadores, pássaros e morcegos. Esse desequilíbrio facilita a proliferação rápida e agressiva das lagartas, que causam danos significativos nas pastagens e plantações” — Pesquisador da Embrapa, Daniel Schurt.

Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

A infestação de lagartas tem impactado também plantações agrícolas de milho, mandioca, feijão, além de hortaliças em propriedades rurais e também comunidades indígenas, como a região de Willimon, no município de Uiramutã. Lá, há registros de roças inteiras devastas por lagartas.

“Estamos tendo prejuízos, mas temos como recuperar sementes tradicionais para estar propagando e distribuindo para as comunidades indígenas [afetadas pelo problema]. Quanto ao prejuízo, à falta de alimentação, não há problema porque as comunidades ainda tem alternativa de aumentar a alimentação natural”, explica o agrônomo do Departamento Ambiental do Conselho Indígena de Roraima, Renan Macuxi.

Contexto: Roraima enfrentou o período seco de outubro até abril. À época, o estado liderou o número de focos de calor do país em 2024, com recorde em fevereiro. Sem chuvas, rios secaram, entre eles o Rio Branco, principal do estado. Houve ocorrências de incêndios florestais que consumiram casas, animais, a vegetação, e espalhou fumaça poluída pelo ar.

Reflexos do desequilíbrio ambiental

O g1 esteve em dois locais que foram severamente afetados pela morte de rebanhos em fazendas por falta de comida: as vilas Samaúma e a Apiaú, município de Mucajaí, no Sul de Roraima. Na região, produtores perderam grande parte do gado. Emocionados, eles relataram o clima de desespero, apreensão e medo.

Mucajaí é o município mais atingido pelo desequilíbrio ambiental da infestação de lagartas e mata-pasto. O governo estima mais de 30 mil hectares de pasto devastados em 506 propriedades, além de 4.833 animais mortos só na região. Iracema aparece em seguida, com 12 mil hectares.

Historicamente, a criação do estado de Roraima se entrelaça com a da pecuária e, consequentemente, com os impactos ambientais que a atividade engloba, como o desmatamento. No entanto, desta vez, especialistas afirmam que ainda é prematuro associar o desequilíbrio ambiental das lagartas e mortes dos bois com a supressão de vegetação. Até agora, a principal relação é com o El Niño intenso dos últimos meses.

“Não há qualquer estudo que relacione o aumento populacional das lagartas com o desmatamento na Amazônia. As pesquisas mostram uma relação com as queimadas que aconteceram no período seco e com o El Niño intenso enfrentado em Roraima no início do ano”, frisa o pesquisador na Embrapa, Cirano Melville.

Para se ter ideia, a cadeia da devastação ocorre desta forma: com o início do período chuvoso, o capim começou a brotar novamente e ganhar vida. No entanto, neste mesmo período, surgiram as lagartas e os percevejos que atacaram os brotos que se tornariam alimento para gado. Com isso, o capim não nasceu – e ainda foi impactado pela ação voraz do mata-pasto.

Foi neste cenário que o pecuarista Joaquim Simão Costa, de 55 anos, se viu obrigado a buscar pasto em outras regiões. Para fugir da fome, ele levou o rebanho a pé para uma fazenda alugada de um amigo na região do Truarú, em Boa Vista, distante quase 113 Km da Sumaúma, onde vive, numa viagem de aproximadamente 10 dias.

Clique para ler a reportagem completa.

Fonte: G1

Sair da versão mobile