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Cozinheira perde R$ 80 mil em 2 meses no ‘jogo do foguete’ e compara vício ao crack

Foto: Arquivo Pessoal

“Acordava de madrugada para jogar. Ganhava, mas rapidamente a ganância me dominava e eu não parava até perder tudo”.

Esse é um dos muitos relatos de quem tem enfrentado problemas com dependência em jogos no Brasil. Em uma comunidade online, quase 500 pessoas se reúnem para desabafar e buscar apoio para parar de perder dinheiro e retomar o controle de suas vidas.

Duas mulheres que perderam altos valores em pouco tempo em apostas online contaram ao g1 o processo que as levou até esse caminho.

Em comum, está a vontade de alertar outras pessoas sobre os riscos da dependência.

Os jogos citados nesta reportagem são do tipo caça-níquel online, que foram autorizados no Brasil pela lei 14.790/2023, a mesma que regulamentou o funcionamento das bets – como são chamadas as plataformas de apostas esportivas. No entanto, eles são diferentes das apostas esportivas que envolvem desempenho de atletas reais.

Pela lei sancionada, menores de 18 anos não podem fazer apostas. Também é vedada a participação de pessoas diagnosticadas com ludopatia, que é a compulsão por jogos de azar.

A lei autoriza que esse tipo de jogo de resultado aleatório seja ofertado exclusivamente online – ou seja, não permite a instalação de máquinas físicas para a realização desse tipo de jogo, e proíbe a veiculação de “afirmações infundadas” sobre as chances de ganhar.

O relato que abriu esta reportagem é de Patrícia, cozinheira de 43 anos do interior de São Paulo. Ela disse que entrou no mundo dos jogos online de forma despretensiosa, mas o vício acabou levando todas suas economias.

“A evolução do vício é muito rápida e comparo mesmo ao crack. Eu zerei R$ 80 mil em dois meses sem perceber”, disse a cozinheira.

Patrícia é casada, tem quatro filhos e um neto. Ela conta que nunca gostou de apostas por causa de um trauma familiar, já que um irmão havia perdido praticamente tudo em jogos.

Mas, sua relação com os jogos começou a mudar no final de 2020. Um dia, enquanto cuidava do neto doente, ela recebeu uma propaganda no celular de um jogo online que envolvia apostas. Por curiosidade, ala acessou o link e começou a jogar.

“Nessa época eu estava com as minhas contas em dia. Eu trabalho vendendo as minhas marmitas e o negócio ia muito bem. Além disso, eu inha uma reserva no banco”, conta.

A primeira aposta veio no jogo conhecido como crash, ou “jogo do foguete”.

“Entrei para passar o tempo. O meu neto logo melhorou e voltou para a creche, mas eu, sem perceber, estava me afundando”, recorda.

“Acordava de madrugada para jogar. Ganhava, mas rapidamente a ganância me dominava e eu não parava até perder tudo. Nem percebi o dinheiro saindo da conta, mas lembro que no aniversário do meu neto eu não tinha dinheiro para ajudar na festa”, conta.

Desse dia em diante, a vida da Patrícia saiu dos eixos:

– começou a pegar empréstimo;

– deixou de pagar contas básicas;

– vendeu o celular;

– emprestou dinheiro com agiota.

Quando decidiu pegar R$ 5 mil emprestados com um agente financeiro informal (agiota), ao invés de pagar as contas atrasadas, a cozinheira tentou lucrar mais uma vez com os jogos online.

“Coloquei tudo no jogo porque, na minha cabeça, eu tinha o controle e poderia fazer R$ 100 por dia e sair desse buraco. Perdi os R$ 5 mil em minutos”, recorda.

Foto: Arquivo Pessoal

‘Minha conta explodiu como um foguete’

Patrícia conta que o jogo que a viciou é conhecido como “jogo do foguete”, mas que também tem em outras versões, como “jogo do aviãozinho”, disponíveis em várias plataformas.

Nele, o usuário aposta na decolagem de uma aeronave e é preciso finalizar o lance antes que ela exploda. Quanto mais alto o foguete for, mais o apostador ganha. No entanto, se ele cair antes, todo o dinheiro é perdido.

“Foi nesse jogo que eu mais perdi dinheiro. Minha conta bancária que explodiu como um foguete depois disso. Depois desse jogo, passei a apostar também nos slots, que são os caça-níqueis”, relata.

Cerca de um ano após a primeira aposta, o vício da Patrícia foi revelado para a família da pior maneira possível.

“Meu marido vendeu o carro e colocou R$ 10 mil na minha conta, porque não gostava de mexer com banco. [ele] Falou para deixar guardado para dar entrada em outro carro.

No entanto, Patrícia torrou o dinheiro em novas apostas. “Em menos de um mês ele veio falar comigo e precisei contar a verdade. Foi horrível”, conta.

Foi após essa conversa que a situação de sua saúde mental se agravou, com um quadro de ansiedade e depressão.

Em 2022 e 2023, Patrícia viveu altos e baixos. No meio do ano passado a situação parecia estar melhorando e, com a venda de marmitas, ela começou a quitar dívidas. Mas, veio a recaída, que é algo com que luta até hoje.

Entre as tentativas de se livrar do vício, está a instalação de um aplicativo que bloqueia os jogos. No entanto, nas crises de abstinência, Patrícia volta a permitir o acesso.

“Hoje eu vendo o almoço para comprar a janta e não tenho condições para pagar uma ajuda profissional. E a ajuda gratuita é demorada. A ajuda tem que ser emergencial, não pode ser uma consulta por semana. Acho que para vencer o essencial é a família, que tem que tirar o celular e o cartão”, conta.

Recentemente, a cozinheira conheceu o grupo Jogadores Anônimos em mais uma tentativa de se livrar do vício dos jogos online. A instituição nasceu nos EUA nos anos 1950, quando os jogos eram outros, mas as histórias eram parecidas.

Leia a reportagem completa AQUI.

Fonte: G1

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