Espalhando amor, palavras, lutas e vivências cotidianas da comunidade LGBT, a Coletiva de Teatro Es Tetetas ganhou o Prêmio de Diversidade Cultural Sérgio Mamberti, do Governo Federal, em primeiro lugar na região Norte, com a produção do espetáculo Faces Distópicas, que representa as várias faces da transfobia e distopia social que atravessam o corpo vivo de pessoas trans e travestis na sociedade brasileira.
Es Tetetas ganharam o prêmio na categoria: grupos/coletivos e instituições privadas sem fins lucrativos de natureza ou finalidade cultural de LGBTQIA+. O resultado da premiação foi anunciado em abril pelo governo federal. Em celebração à conquista, neste 28 de junho, dia que celebra o Orgulho LGBTQIA+ em todo o mundo, a coletiva disponibiliza novo calendário de apresentações do espetáculo Faces Distópicas.
O grupo é formado pelas jovens atrizes Sarah Bicha, Brenn Souza e Bia Berkman, que se conheceram no curso de Artes Cênicas da Universidade Federal do Acre (Ufac), em 2018, e tiveram como ponto em comum a necessidade de ter um espaço para expressar seus sentimentos e ideias. A coletiva já passou por mudanças nas integrantes e hoje também conta com a participação de Caroline de Jesus, atriz formanda na Ufac.
“Tentamos trabalhar em alguns grupos, eu passei em alguns, mas tive vários problemas de raça, com as questões de bissexualidade e piadinhas. Eu sempre estava em um lugar de um teatro branco, falando sobre a França, sobre o teatro Elisabetano. Eu me identificava, mas mesmo assim eu queria falar sobre as vivências bissexuais, sapatônicas das minhas vivências”, relembra a atriz, produtora, diretora e cofundadora da Coletiva, Sarah Bicha.
Compartilhando ideias subversivas, de quebra de padrões, o primeiro trabalho das atrizes foi o espetáculo “As Malcriadas”, inspirado no texto de Jean Genet “As Criadas”. Na trama, duas irmãs travestis [as malcriadas] trabalham no ateliê de uma madame. As apresentações marcaram o nascimento da Coletiva de Teatro Es Tetetas que hoje está em fase de transição de nomeação para Grupo de Teatro Tetetas.
Para a coletiva, levar espetáculos com mensagens sobre aceitação, amor próprio e preconceito é algo que sempre fará parte das produções, ainda mais com a boa recepção e acolhimento do público, principalmente o LGBTQIA+: “Quando o público majoritariamente LGBT encontra um espetáculo Drag no teatro, que geralmente a gente faz nas periferias, é de acolhimento, é de família. A gente se sentiu acolhida pelo público e assim como muitos nos falam, eles se sentiram acolhidos e representados também”, fala a atriz, aderecista e artesã, Bia Berkman.
“Uma coisa que todos os nossos espetáculos têm é perfeição e afirma mais ainda que sim, por mais que sejamos pessoas pretas, LGBTs, que vem da periferia, do interior, que foram podadas de acesso durante toda sua vida, a gente consegue sim entregar excelência. O que queremos é mostrar que nós podemos sim ocupar esses espaços, não só no teatro, mas no audiovisual, na música, na dança, no artesanato, entre outros. E dizer que nós, pessoas que são majoritariamente à margem, somos centro e a maior prova disso é o Prêmio Sérgio Mamberti”, destacou Brenn Souza.
Brenn celebra e destaca que a conquista de uma coletiva de três pessoas, da capital do Acre, mega oeste da Amazônia e de difícil acesso, ter sido premiada nacionalmente, entre centenas de projetos inscritos: “A gente quer mostrar isso para as pessoas que se nós conseguimos, elas conseguirão também. E se precisar é só colar com a gente que te ajudamos a chegar nesse lugar”.
Memórias coletivas
Emocionada com a trajetória, Sarah recorda quando iniciaram a construção dos primeiros trabalhos: “Lembro da gente fazendo cartaz sem saber fazer design, a gente se metendo a figurinista, a fazer cenografia sem ser cenógrafa, mas porque queria entregar alguma coisa. Lembro da gente fazendo vídeo para apresentar o local e a data do espetáculo. Gravamos no Canal da Maternidade, no Parque do Tucumã e foi uma coisa tão amadora, mas a gente se sentia tão bem no que estava fazendo”, relembra.
Ela recordou do início das participações nas Câmaras Temáticas, quando as iniciantes não sabiam o que, de fato, significava. Assim como recorda as questões que enfrentaram ao se associarem à Federação de Teatro do Acre (Fetac).
Em uma nova forma de comunicar, as divas lembram ainda momentos históricos e importantes para a comunidade LGBT, como o Pajubá, a linguagem das ruas das travestis. Segundo Brenn, o dialeto tem uma origem africana e surge como código para as travestis na Operação Tarântula, quando o Brasil passava pelo regime militar.
“Era um código que as travestis usavam para se comunicar sem que as pessoas soubessem o que elas estavam conversando. Foram ferramentas de segurança para que elas se comunicassem entre si sobre perigos, assaltos e afins. É um dicionário gigantesco, que se chama Aurélia, e tem variações em cada região. O do Acre é muito específico, lógico que como toda língua portuguesa tem conectivos de palavras, mas tem sua regionalidade”, detalhou a atriz, maquiadora, produtora, diretora e cofundadora da Coletiva, Brenn Souza.
Desde que iniciaram, a Coletiva já ofereceu ao público diversas oficinas, inclusive na época da pandemia, onde o curso foi ministrado on-line e o número de inscritos superou o esperado pelas atrizes. Recentemente, o grupo participou do Festival Fetac em Cena Tarauacá-Envira, com o espetáculo Faces Distópicas.
Por que Tetetas
“Se a gente for parar para pensar, na sociedade peitos/tetas são tabus. E são só tetas que todo mundo tem ou não tem, por diversos motivos. Aí trazendo para as trans e travestis, eu questionei qual a primeira parte do corpo de um pessoa trans e travesti que, geralmente, incomoda. Não é generalizando que seja só e sempre isso, mas uma parte que incomoda, ao meu ver, são as tetas. Ou querer ter tetas maiores ou tirar as tetas. Daí fiquei pensando em tetas, não lembro de onde surgiu a sílaba ‘te’ a mais para ficar Tetetas, mas ficamos assim”, disse Brenn.
Outro ponto que a Coletiva falou foi sobre as tetas serem sempre usadas para atos revolucionários entre as cisfeministas ou as transfeministas. E o ‘Es’ foi com a ideia de deixar neutro. As atrizes afirmam ainda que estão muito felizes com a jornada percorrida e as conquistas alcançadas, e a partir de agora a Coletiva visa participar de outros festivais fora da capital.
“É só o começo de uma nova era. Eu vejo hoje Es Tetetas como uma nova Coletiva que tem tudo pra ganhar voos. Já começamos a quebrar a barreira Acre e desejamos amor e sucesso para todas nós”, finaliza Brenn.
Novas apresentações
E para celebrar o orgulho LGBT+, comemorado neste mês de junho, a coletiva disponibiliza novo calendário de apresentações no bairro Sobral, na periferia de Rio Branco, onde o grupo mais atuou desde seu nascimento. As apresentações são gratuitas e têm acessibilidade em Libras. Confira:
– Apresentação Faces Distópicas: 10 e 17/08 (sábado)
Horário: 19h30
Sinopse: Transitando entre o que é real e ficção, Faces Distópicas narra momentos de loucura e sanidade que permeiam a vida de Fernanda, revelando as várias faces da transfobia e distopia social que atravessam o corpo vivo de pessoas trans e travestis na sociedade brasileira.
– Oficina de Iniciação Teatral para pessoas LGBT: dia 24/08 (sábado)
Horário 14h às 17h
Para conhecer mais sobre o trabalho desenvolvido pelo grupo siga @tetetas.grupodeteatro no Instagram.
Fonte: Assessoria