Diante de tantos desafios, preconceitos, violência e alguns outros obstáculos, com determinação, Eduarda Rodrigues venceu mais uma etapa na sua vida, graduando-se no curso de Psicologia na Universidade Federal do Acre (Ufac). A conquista se torna ainda maior pelo fato de ela ser a primeira travesti a se formar no curso da universidade, ela ainda foi parabenizada pela deputada federal Erika Hilton.
No mês do orgulho LGBTQIAP+, a jovem de 23 anos teve sua cerimônia de formatura, na última terça-feira, 18, ao assinar os últimos documentos necessários para sua colação de grau.
Com sentimento de alegria, Eduarda publicou em seu perfil no X, antigo Twitter: “1ª travesti formada em Psicologia pela Universidade Federal do Acre. Que muitas outras travestis venham depois de mim – para serem muito mais do que eu fui! Viva a universidade federal, pública, gratuita e de qualidade! Viva a uma psicologia ética, política e compromissada!”
A publicação foi tão bem repercutida que Erika Hilton, mulher trans e deputada federal pelo PSOL, notou a publicação da jovem e a respondeu parabenizando pela conquista.
“Que felicidade! Parabéns por essa conquista, Eduarda! Você é o sonho das nossas transcestrais sendo realizado”, escreveu a deputada.
A trajetória de Eduarda na graduação foi envolvida de um mix de emoções. Ela conta que sente que tudo foi muito “agridoce”; existiriam momentos lindos e incríveis, ao mesmo tempo em que também houve muito sofrimento e violências no caminho, que não deveriam ter ocorrido caso ela fosse cis e, segundo ela, se adequasse ao “CIStema”.
“O apoio dos meus amigos, familiares e professores foi o que me manteve na graduação, e esse é um ponto que gosto de ressaltar sempre que possível: enquanto pessoas trans e travestis, o afeto, em grande maioria, nos é negado. Somos vistas como indignas do amor, do cuidado, da atenção, do zelo, e isso gera consequências psíquicas fortíssimas, pois precisamos do amor e do olhar do outro para podermos nos constituir enquanto sujeitos no mundo, o nosso amor-próprio também depende do amor que recebemos dos outros, então, perceber e sentir que havia tanta gente torcendo por mim tornava o caminhar mais tolerável, me deparar com quem me defendia contra as violências foi o que me ajudou a viver”, diz a psicóloga.
No entanto, o cenário de invisibilidade foi algo tortuoso na vida da jovem. Ela afirma que, na graduação, não era estudado teóricas trans e travestis e que, raramente, são encontradas travestis no mercado de trabalho.
“O que me fazia sempre me questionar: as pessoas irão escutar o que eu tenho a dizer? Terei oportunidades no mercado de trabalho? Quais são os caminhos possíveis para mim? Eu me deparei com nenhuma resposta para meus questionamentos, então, foi um grande trabalho de construir minhas próprias respostas, de me perceber que eu não precisava que o CIStema me aceitasse, eu só demando o respeito pela minha existência, pelo meu corpo, pela minha capacidade e esforço enquanto estudante e profissional. A sociedade em que vivemos hoje não foi pensada para acolher corpos trans – tampouco a universidade – e uma grande armadilha é sempre fazer questionarmos quem somos, nossa capacidade, nosso intelecto, nossa feminilidade, nosso gênero, nosso pertencimento, nos faz duvidar do amor que recebemos”, diz.
A psicóloga também destaca, ao falar sobre como ser parabenizada pela deputada Erika Hilton, após se formar na universidade, mudou a sua vida.
“Recebi tantas mensagens carinhosas e tanto apoio, até agora estou recebendo mensagens. Perceber pessoas marcando suas colegas travestis, afirmando que elas também seriam as primeiras travestis a se formarem em psicologia pelas suas respectivas faculdades, me fez chorar de emoção com a esperança de que nós pudéssemos estar caminhando para um mundo menos doloroso para travestis e outras pessoas trans. Ser reconhecida por uma grande inspiração para mim foi emocionante e espero que, logo mais, travestis formadas, seja lá em qual curso for, seja o comum, não a exceção. O amor travesti é revolucionário em um mundo que o amor se tornou objeto do neoliberalismo, em um mundo guiado pela branquitude e cisheteronormatividade, por isso que digo que se abrir aos afetos por travestis é subverter normas, ser criativo, é um ato político e, repare, não estou falando puramente do amor romântico, mas, sim, das imensas ramificações que o amor pode se estender. Que lutemos em sociedade para que isso ocorra logo! Travestis clamam para viverem com dignidade”, concluiu Eduarda.