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Que horas são?

Fiz amizade com um cachorro na padaria. Um daqueles fininhos com cara de quem vai apostar uma corrida e depois se sentar à mesa pra comemorar a vitória com chá e biscoitos. Saluki, é o nome da raça. Lindo o cachorro. Eu, sentadinha do lado de fora com um café e um pão de queijo, distraída como se fosse domingo – e era –  senti alguma coisa encostar a perna. Era João Guilherme. Olhei e não contive a voz fina que mora dentro de mim. Me sai quando diante de bebês, gatos, cachorros ou qualquer outra espécie de filhote. Chamei logo de meu amor. Ele meio que respondeu, num sorriso/latido/balançada de rabo, se aninhou no meu pé. Eu perguntei se tinha dormido bem, não eram nem 9h ainda. Parecia que sim. Comentamos sobre o cheiro do café, a fila, a rosquinha de canela que acabou cedo, o frio. Chegue aqui pertinho de mim, tá frio demais mesmo hoje.

Nos afeiçoamos um pelo outro como que numa comédia romântica de roteiro fraco, sem ter nem por onde, nem pra onde. Até que lhe puxaram a coleira e numa fração de segundos lembrei que era um cachorro e que decerto tinha alguém com ele, provavelmente um humano, a quem eu deveria ter também comprimentado. Lembrei que cachorros não falam, nem tomam chá e que a cena continha em si algo de ridículo. Levantei o olho para o humano, sorri e ele respondeu com cara de nojo, como se tivesse eu passado ao menos umas três pulgas para João Guilherme. Foi nessa hora que fiquei sabendo do nome, ele puxou a coleira e disse na rispidez do mundo todo. “Sai daí, João Guilherme. Mas era só o que me faltava…”, ou qualquer coisa parecida.

Além da coleira principal, a que tinha a guia encaixada, João Guilherme trazia em volta do pescoço uma outra coleira sem guia. Uma vermelha e uma amarela. No meu encontro com João Guilherme, lembrei de uma história da infância. Foi em algum natal da década de 80. Os presentes de natal eram coisa séria na minha casa. A gente passava meses pensando no que pedir, como se não houvesse limite de preço ou de dificuldade de encontrar o que era pedido. Havia, mas minha mãe fazia parecer que não. A gente meio que pedia o que cabia na realidade da vida e que tinha nas prateleiras do Shopping Center Recife a uma ida de meia hora, mas eu me sentia como um Aladim que acabou de encontrar o gênio da lâmpada. Naquele ano, minha irmã e eu pedimos o Champion que troca pulseira. Rolou. Passamos o dia 25 a perguntar e a dizer coloridamente das horas. Todo mundo da escola (quase todo mundo) pediu a mesma coisa. E na outra segunda, a dúvida era só a escolha da cor. De relógio estaríamos todos. A gente não. Ou melhor, uma da gente não. É que minha irmã teve uma ideia. E se a gente usar dois ao mesmo tempo. Num dia vou eu e no outro tu. Todo mundo vai ter um relógio colorido, mas a gente vai ter dois. Eu escolhia vermelho em cima e amarelo em baixo, igualzinho à combinação de João Guilherme.

Enfim, fiquei aqui pensando na pressa do dono do cachorro e na minha falta de olho pro passar da hora no domingo da padaria. Ele com dois e relógios e eu sem nenhum. Era só isso mesmo. E vocês, dormiram bem, meus amores? Já tomaram café? E esse frio?

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