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Estado e municípios são condenados a pagar R$ 1 milhão após construção de ramal que passa por terra indígena no Acre

Ramal Barbary. Foto: Ascom Deracre

A Justiça Federal emitiu uma sentença em resposta à ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Acre (MP-AC) contra o Estado do Acre, o Departamento de Estradas de Rodagens do Acre (Deracre), o Instituto do Meio Ambiente do Acre (IMAC), o Município de Porto Walter e o Município de Cruzeiro do Sul.

A ação foi motivada por supostas irregularidades na construção da estrada conhecida como Ramal Barbary, que liga as cidades de Rodrigues Alves e Porto Walter.

A GAZETA entrou em contato com o governo do Estado e aguarda resposta até última atualização desta reportagem.

A estrada atravessa a Terra Indígena (TI) Jaminawa do Igarapé Preto, que se encontra na Unidade de Conservação de Uso Sustentável Japiim Pentecoste, e dentro da área de influência do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), uma Unidade de Conservação Integral.

Conforme o MPF, a obra foi realizada sem cumprir as exigências legais, incluindo a falta de “consulta livre, prévia, informada, de boa-fé e culturalmente adequada” ao povo indígena afetado, bem como a inobservância das normas ambientais aplicáveis.

Na sentença assinada na última terça-feira, 21, a Justiça Federal confirmou a liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que determinou o bloqueio da estrada e a suspensão de qualquer obra relacionada à sua utilização.

O Estado do Acre e os municípios de Porto Walter e Cruzeiro do Sul foram também instruídos a fiscalizar e proibir a operação ilegal de balsas na travessia de veículos em rios ou igarapés no trecho. Além disso, o Deracre foi encarregado de instalar outdoors em todos os pontos de acesso à estrada, informando sobre o bloqueio.

A sentença também anulou os atos administrativos que autorizaram a intervenção no ramal, devido à ausência de consulta às populações indígenas. Os réus foram proibidos de realizar qualquer intervenção na área da Terra Indígena Jaminawa do Igarapé Preto sem a devida consulta livre, prévia, informada e culturalmente adequada, mesmo que o impacto seja indireto.

Além dessas medidas, a Justiça Federal condenou os réus, de forma solidária, ao pagamento de R$ 1 milhão por danos morais coletivos. Esse valor será destinado a um fundo para projetos educativos, ambientais e de preservação da cultura indígena, sob a fiscalização do MPF e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Ainda conforme o MPF, a magistrada responsável pela decisão enfatizou que o objetivo não é impedir a construção de uma estrada que beneficie a população, mas assegurar o direito de consulta garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelas declarações da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre os direitos dos povos indígenas.

“Cabe aos órgãos competentes regularizarem o procedimento, respeitando o direito de consulta livre, prévia, informada, de boa-fé e culturalmente adequada, observando-se ainda as normas ambientais pertinentes,” concluiu a sentença.

O outro lado

Segundo informado pelo governo do Estado, o governador Gladson Cameli participou de audiência virtual com a desembargadora Ana Carolina Roman, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), nesta quarta-feira, 21, em Brasília (DF), para tratar da reabertura do ramal que liga os municípios de Porto Walter e Rodrigues Alves. Desde julho deste ano, uma liminar da justiça impede a realização de obras e a operação de balsas em rios e igarapés que cortam a estrada.

Governo do Estado intercedeu, nesta quarta-feira, 21, pela reabertura de ramal que tira Porto Walter do isolamento terrestre. Foto: Diego Gurgel/Secom

Durante a reunião com a magistrada, o governante relatou as dificuldades enfrentadas pelos moradores da região. O estado passa por uma seca severa, o que tem comprometido a navegabilidade, por conta dos baixos níveis dos rios. Porto Walter é um dos quatros municípios acreanos que não possuem acesso terrestre.

Principal meio de acesso ao município, o Rio Juruá, em alguns trechos está com um nível de apenas 20 centímetros. Embarcações levam até uma semana para chegar a Porto Walter. A cidade, que utiliza termoelétricas para a geração de energia elétrica, corre risco de apagão, devido a dificuldade de abastecimento de óleo diesel. A seca tem impactado ainda a subida no preço dos alimentos. O quilo do frango, por exemplo, chega a custar R$ 22 no comércio local.

O deputado federal Zezinho Barbary também acompanhou a reunião. O parlamentar, que já foi prefeito do município, reforçou o pedido feito pelo governador. “O que desejamos é a sensibilidade da justiça em favor dos moradores de Porto Walter. Seja na zona urbana ou na zona rural, o povo tem sofrido bastante com essa situação”, pontuou.

A Procuradoria-Geral do Estado (PGE-AC) já apresentou uma contraminuta à ação interposta pelo Ministério Público Federal. Conforme explicou a desembargadora Ana Carolina Roman, dentro de 30 dias, uma das turmas do TRF1 decidirá pela suspensão ou continuidade da liminar judicial.

 

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