Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Oropouche pode levar a novo surto de microcefalia no Brasil?

Foto: Reprodução/SES

Quase uma década depois de uma explosão nos casos de microcefalia no Brasil devido ao zikavírus, o país vive uma nova ameaça. Especialistas temem que a febre oropouche possa aumentar, novamente, os casos de malformação em bebês.

Nesta quinta-feira (08/08) o Ministério da Saúde confirmou o caso de um bebê nascido no Acre com anomalias congênitas associadas à transmissão vertical de oropouche (de mãe para filho). O bebê morreu após 47 dias de vida. Os exames pós-parto constataram que a mãe, de 33 anos, havia contraído o vírus oropouche – no segundo mês de gestação ela havia apresentado sintomas da doença.

Além disso, o Ministério da Saúde confirmou um caso de aborto espontâneo causado pela infecção do vírus e investiga outras oito suspeitas de malformação e óbito fetal entre bebês de mulheres que foram diagnosticadas com a enfermidade.

“Ainda não sabemos qual a real prevalência dessas alterações congênitas. O potencial de aumentar existe, mas a extensão desse aumento é difícil de afirmar”, avalia José Luiz Proença Módena, virologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O epidemiologista José Geraldo Ribeiro, do laboratório Fleury, pondera que o risco de uma epidemia em larga escala de oropouche levar a um surto de casos de microcefalia da mesma magnitude do que ocorreu com o zikavírus é pouco provável, “mas não impossível”.

“O aumento não é tão importante, mas, sim, a adoção de medidas para proteger as gestantes do contato com o vetor, diante do risco”, diz. “Qualquer vírus capaz de gerar malformação é uma preocupação”.

Oropouche e alterações congênitas

A suspeita de casos de transmissão vertical (materno-infantil) da oropouche motivou a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) a emitir um alerta epidemiológico para o Brasil reforçar a vigilância epidemiológica da doença no país, que concentra 90,9% dos 8.010 diagnósticos no continente.

Neste ano, até agora, as notificações aumentaram 776% em comparação com todo o ano de 2023. Enquanto nos 12 meses do ano passado foram registrados 831 diagnósticos, em 2024 já foram 7,2 mil casos, segundo dados do Ministério da Saúde. O oropouche foi diagnosticado em pacientes de 20 estados. Duas mortes pela doença foram confirmadas e um óbito está em análise.

Com o aumento de casos, maiores as chances de infecção de gestantes. De acordo com José Geraldo Ribeiro, do Fleury, vírus como o zika têm a capacidade de, ao infectar as grávidas, cair na corrente sanguínea e, ao chegar à placenta, romper essa barreira de proteção, atingir o feto e interferir na formação dos órgãos, principalmente no primeiro trimestre de gestação.

“No caso da zika, acomete o sistema nervoso central. O oropouche parece seguir esse padrão. Já se sabia que em adultos poderia causar complicações neurológicas”, explica.

Apesar da escassez de dados quanto aos efeitos neurológicos da febre oropouche em bebês, há indícios que reforçam essa hipótese. Estudos da década de 80 relatam que crianças nasceram com alterações congênitas após as mães serem infectadas.

“Nunca tinha sido feita uma relação direta para detectar o vírus na placenta”, explica José Luiz Módena. “Mas em modelos animais identificamos essa característica”.

Avanços em estudos

As incertezas relacionadas ao vírus oropouche reforçam o alerta dos especialistas quanto aos riscos da disseminação da doença. “Casos fatais e distúrbios neurológicos em crianças são novidade absoluta, é um agravante importante”, ressalta o médico Luiz Tadeu Figueiredo. “Tem que estudar se esse não é um vírus turbinado e se o transmissor é só a mosca [mosquito] ou se sofreu mutações e infecta outros vetores como o Aedes aegypti”.

Diferentemente do zikavírus, transmitido pela picada do pernilongo que circula nas cidades, o vetor do oropouche é o mosquito-pólvora, ou maruim, que tem característica silvestre. Contudo, o avanço do desmatamento e o aquecimento global podem levar a mudanças no comportamento do vetor e favorecem o contato do inseto com humanos.

“Isso já ocorreu com outros vírus, não seria grande surpresa se o pernilongo comum passasse a transmitir também a oropouche, e então a possibilidade de grande epidemia seria importante”, disse Ribeiro.

Com o aumento na detecção da febre oropouche neste ano, o grupo de pesquisa do professor Módena investigou as causas do problema e identificou mutações no vírus em circulação.

Entre os achados, estão o fato de que a nova cepa tem uma capacidade 100 vezes maior de se replicar no hospedeiro do que a anterior. Isso aumenta as chances de infecção ao maruim picar o alvo. Além disso, os anticorpos de pacientes que tiveram a doença até 2016 não foram capazes de neutralizar a ação do novo vírus.

Por: Metrópoles

Sair da versão mobile