A Aldeia Mutum do povo Yawanawa, no Alto Rio Gregório, em Tarauacá, recebeu por seis dias (10 a 15 de agosto) indígenas de todas as suas comunidades para uma grande festa de celebração cultural. O Mariri Yawanawa é um encontro ancestral que tem como objetivo unir as famílias da etnia para fazer planos de vida, comer juntos, dançar, cantar, participar de cerimônias espirituais e brincadeiras.
Durante esse período as lideranças das aldeias da Terra Indígena Yawanawa se encontram para fortalecer a união entre eles. Apesar da seca do verão amazônico, que dificulta a navegação nas águas do Rio Gregório, cerca de mil pessoas participam do Mariri, entre indígenas e visitantes.
O Mariri era praticado pelos ancestrais Yawanawa desde tempos imemoriais, mas foi perdendo a sua força a partir do contato com os brancos e o aculturamento religioso, que quase aniquilou a cultura tradicional Yawanawa. No entanto, há 24 anos, por meio da luta de jovens lideranças e, principalmente, da atuação de dois pajés, Tatá e Yawa, o Mariri voltou a ser celebrado unindo toda a Nação Yawanawa e atraindo visitantes de várias partes do Brasil e do mundo.
O professor indígena Nani Yawanawa, morador da Aldeia Yawarani, um dos guardiões da cultura do seu povo, explica o sentido do Mariri.
“Esse encontro, que tem o nome tradicional de Molutê, acontece uma vez por ano, no verão, para juntar todas as pessoas para falarem sobre os projetos de cada uma das famílias Yawanawa. A liderança principal faz essa conversa. Então, é um momento de celebração que envolve dança, brincadeiras e comida”, diz ele.
Nani, que além de ensinar os mais jovens está elaborando um dicionário do idioma Yawanawa, afirma que a questão da produção de alimentos é um dos pontos dos debates entre os indígenas.
“Falamos sobre plantações e criação de animais. Pra nós termos saúde é preciso se ter algo para comer. Quem não tem o que comer da terra onde mora é um homem doente, miserável e perdido. O nosso povo sempre teve muita fartura e o que não se tirava da agricultura era buscado na floresta, na caça e na pesca”, afirmou.
Segundo Nani, no Mariri se via quem era o melhor caçador, aquele que sabia fazer caiçuma mais rápida, o melhor contador de histórias e quem mais cuidava do povo. Mas o sentido espiritual da vida é marcante na celebração do Molutê ou Mariri.
“A espiritualidade é dada pelo Espírito por meio de uma escolha que depende de uma vida inteira de práticas. É preciso fazer a doação de um tempo da nossa vida a Deus, que chamamos de dieta. Nos sonhos durante a dieta vem toda a orientação de como evoluir na espiritualidade, assim como a manifestação do poder de cura e da sabedoria”, conta Nani.
Um dos principais organizadores do Mariri é Tashka Yawanawa. Ele viabiliza apoios internos e externos para a realização da celebração na floresta e explica o propósito da Festa.
“O nosso Mariri é uma festa para o nosso próprio povo. A gente está vivendo um bom momento e estamos agradecendo aos espíritos e ao Criador, que protege e cuida da nossa gente. É um ato de gratidão a todos os seres divinos da floresta e à nossa ancestralidade, um culto à cultura Yawanawa,” explica.
Tashka faz questão de esclarecer que a vinda de visitantes de várias partes do mundo é importante, mas o objetivo principal do Mariri é o fortalecimento cultural.
“O Mariri é uma manifestação cultural e espiritual para fortalecer o nosso povo. Durante esses dias pegamos inspiração para irradiarmos para o mundo essa luz de alegria. Cada canto e reza que é cantado no Mariri corta o silêncio da floresta e ecoa para o planeta trazendo mais força para a afirmação da cultura Yawanawa”, poetiza Tashka.
O renascimento cultural do povo Yawanawa
O jovem cacique da aldeia Mutum Rasu Yawanawa, filho do pajé Tatá, entende o Mariri como um fator de libertação.
“O Mariri representa a existência do nosso povo porque há muito tempo fomos proibidos de ser quem somos. Não podíamos falar a nossa língua, rezar os nossos rezos e nem cantar os nossos cantos. Passamos um tempo sem a nossa identidade e depois que conseguimos virar essa página os velhos pajés trouxeram de volta a nossa cultura. E há mais de 20 anos realizamos o primeiro Festival Cultural e conseguimos inspirar outros povos indígenas. Então, o Mariri significa que o nosso povo está de pé com as nossas raízes ancestrais vivas”, salienta o cacique.
Júlia Yawanawa é uma das produtoras do Mariri mais dedicadas e com muitas responsabilidades para que a festa possa acontecer.
“O Mariri envolve muita confiança e entrega para Deus. Já trabalhamos essa celebração desde o ano 2000. Somos inspirados nas orientações do meu pai Raimundo Luis, Tuiukuru, que buscou nas suas memórias e nas histórias dos mais antigos como os Yawanawa cantavam, se vestiam e como eram as brincadeiras. Assim, aprendemos a melhorar e aperfeiçoar cada vez mais a realização do Mariri”, conta Júlia.
Mariri recebeu o apoio do governo do Acre
Nedina Yawanawa, diretora da Secretaria de Povos Indígenas, participa do Mariri como representante do governo do Acre.
“É muito clara a visão do governador Gladson Cameli sobre a importância dos povos indígenas que cuidam das nossas florestas. Nós temos os festivais indígenas no calendário oficial do governo. Isso é uma manifestação de respeito com os povos originários do Acre, além dos vários programas sociais que realizamos para as comunidades indígenas por intermédio da Sepi [Secretaria de Povos Indígenas]”, explica Nedina.
Esse investimento do governo, segundo Nedina, fortalece cada vez mais as culturas das diversas etnias do Acre e gera renda para muitas famílias.
“O etnoturismo é um cartão postal do nosso estado. Então, esse apoio que o governo tem dado para vários festivais é uma forma de impulsionar a economia dos povos indígenas, por meio do artesanato e outros produtos ofertados aos visitantes. Também é importante acolher os turistas que vêm participar dessas festas e que movimentam a economia dos municípios acreanos nas hospedagens, em hotéis, transportes, alimentação, entre outros itens de consumo”, destaca Nedina.
Etnoturismo cada vez mais forte no estado
Renata Reluz é uma operadora de turismo com uma agência em Rio Branco especializada em grupos de viagens para as aldeias indígenas. Nascida no Maranhão, mudou-se para o Acre para fortalecer cada vez mais as atividades de turismo sustentável.
No Mariri de 2024, Renata trabalhou também na produção interna do evento por intermédio da Associação do Povo Yawanawa. Houve uma divulgação de 45 dias no Instagram e a sua agência reuniu um grupo de 13 pessoas para participar das festividades.
“Essa é uma festa do povo Yawanawa e a gente veio com esse grupo para entender a sua cultura e a espiritualidade. É uma oportunidade para conviver com indígenas de diversas aldeias, um momento único e muito especial”, salienta.
Renata também faz uma reflexão sobre o aspecto econômico que é movimentado no estado durante o Mariri.
“O etnoturismo traz não só sustentabilidade para os povos originários, mas também a bandeira da preservação ambiental. O etnoturismo precisa da floresta em pé para poder acontecer. Esse é um aspecto diferenciado de qualquer outro tipo de turismo. Mas existe um movimento financeiro gerado com a logística do movimento dos visitantes que pode chegar próximo a um milhão de reais. No meu trabalho sempre favoreço os hotéis da região e a prestação de serviços com pessoas que vivem no Acre”, conclui.