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Parte 3: ‘Borracha, rebeldes e Rio Branco: a questão do Acre sob a ótica de um historiador americano”

Evandro Ferreira e Alceu Ranzi

Em 1966 o historiador americano Lewis Arthur Tambs publicou o artigo “Rubber, Rebels, and Rio Branco: The Contest for the Acre”, onde enfatiza a situação política na Bolívia nos anos que precederam os conflitos que resultaram na incorporação do Acre ao Brasil. Tambs foi um especialista em História da América Latina e sua tese de Doutorado (Universidade da California,1967) abordou o Brasil: “March to the West: Four Centuries of Luso Brazilian Expansion” (“Marcha para o Oeste: Quatro Séculos de Expansão Luso Brasileira”). Pela relevância do artigo para a história do Acre, apresentamos, em cinco partes, a tradução na íntegra do texto de Tambs.

Rubber, Rebels, and Rio Branco: The Contest for the Acre

Borracha, rebeldes e Rio Branco: a disputa pelo Acre

Por Lewis Arthur Tambs

Parte 3

Embora a queda do presidente Melgarejo também tenha abalado a estrutura financeira da Companhia Nacional de Navegação da Bolívia, o Coronel Church tentou prosseguir. Ele mapeou a rota em torno das cachoeiras do rio Madeira, elaborou planos, encomendou materiais e equipamentos e conseguiu empréstimos em Londres e Nova York. Mas com a mudança da situação política na Bolívia e com os problemas internos nas casas comerciais da costa do Pacífico, todo o projeto ficou enredado em litígios. Ardentemente apoiado pelo governo de Dom Pedro até o fim, Church conseguiu construir alguns quilômetros de trilhos ao sul da cachoeira de Santo Antônio, mas o emaranhado jurídico revelou-se mais problemático do que as trepadeiras da selva e o projeto foi abandonado.

Enquanto isso, os seringueiros brasileiros continuavam a avançar rios acima até o território boliviano [19]. Em 1878, ano em que Church interrompeu seus esforços no Madeira, uma seca severa atingiu o estado do Ceará. Só naquele ano, mais de 54 mil pessoas migraram para a Amazônia. A exploração gomífera estava em franca expansão e estes imigrantes encontraram emprego imediato. Em busca de florestas inexploradas, eles subiram ainda mais os rios Purus e Juruá, onde encontraram bolivianos empregados pelas empresas Orton Rubber Company e Casa Suárez, as duas casas comerciais que dominavam o comércio boliviano de borracha. Tanto os gomeiros bolivianos quanto os seringueiros brasileiros exportavam seus produtos pelo porto de Manaus, que caminhava para em breve ser a capital mundial da borracha. A produção do Alto Acre, uma das mais ricas regiões produtoras de borracha na Amazônia, aumentava a riqueza e o brilho de Manaus, pois o “ouro branco”, embora de origem boliviana, passava pela alfândega imperial e pagava impostos aos brasileiros [20].

Contudo, este assunto era de pouca importância para a Bolívia em 1878, cuja produção de borracha estava confinada ao Beni e totalizava apenas 26 toneladas. Mas a procura mundial estava aumentando e os brasileiros já haviam aberto caminho até a foz do rio Acre. Então, os políticos na Bolívia começaram a olhar com preocupação para suas fronteiras nessa região [21].

Antes mesmo do crucial ano de 1878, o governo boliviano havia encarregado dois cidadãos norte-americanos, James Orton e Edwin Heath (*), de mapear e explorar a promissora região seringueira do norte do Beni. Embora tenham encontrado áreas muito ricas, a expedição acabou sendo fatal para Orton e prejudicial para Heath, que foram obrigados a cortar caminho para oeste, do Beni até o Lago Titicaca, depois de terem sido abandonados pelos seus guias e carregadores [22].

Independentemente dos perigos e das dificuldades, a riqueza derivada da exploração da borracha na região do Acre representava uma receita potencial para a república andina. Como a soberania boliviana na região oriental do país era tênue, La Paz procurou resolver ambos os problemas contratando uma empresa para desenvolver e administrar quase toda a região a leste dos Andes (751.530 km²), entre o Acre, ao norte, e o rio Bermejo, ao sul. Esse foi o “Contrato Brabo” de 1880.

Em troca da soberania virtual sobre uma área quase duas vezes maior que os cinco países da América Central, Francisco Javier Brabo (cuja companhia tinha sede em Londres) se prontificou em trazer cem mil colonos para a região em dez anos, construir duas ferrovias através do Chaco, estabelecer arsenais no Beni e manter navios armados no Mamoré. Embora este esquema gigantesco parecesse dirigido contra o Brasil, não suscitou protestos por parte deste, que adotou uma atitude de esperar para ver. Em vez disso, a legação do Peru, aliado da Bolívia, foi quem reclamou repetida e vigorosamente que “a colonização é uma questão de conquista” e acusou Brabo de ter sido secretamente autorizado a manter um exército permanente. A posição brasileira mostrou-se correta, pois a recepção de Brabo em Londres foi fria e o projeto morreu por falta de capital [23].

O fracasso do Contrato Brabo no Leste coincidiu com o desastre militar no Oeste, onde a Bolívia, que tinha se envolvido na Guerra do Pacífico com o Chile, tinha perdido o seu litoral. Isso afetou os canais normais de comércio e acentuou a necessidade da Bolívia ter uma saída para o Atlântico.

Em 1882 o Barão da borracha Rómulo Suárez propôs o lançamento de navios a vapor e a construção de fortes nos rios Beni e Mamoré. O Congresso boliviano decidiu complementar o projeto de Suárez aprovando um tratado apresentado ao Brasil que concedia à República Andina direitos de trânsito sobre qualquer ferrovia construída em torno das quedas do Madeira.

As crescentes expectativas da Bolívia em relação a sua fronteira Leste foram aumentadas pelos relatos vindos do Rio de Janeiro de que Dom Pedro reabrira negociações com o Coronel Church. A confirmação destes rumores veio do embaixador dos Estados Unidos em La Paz, e um exultante Presidente Belisario Salinas proclamou as boas-novas para o país.

Planos otimistas foram elaborados para ligar a região do altiplano à planejada estação ferroviária. Numerosos pequenos seringais tinham sido estabelecidos pelos bolivianos ao longo dos rios Beni e Mamoré, pois 1882 tinha sido um ano próspero para a indústria da borracha. Em 1882 o preço da borracha tinha sido em média de um dólar e quatro centavos por libra e as expectativas de que o boom continuaria foram aparentemente confirmadas com um novo aumento de preços em 1883.

Contudo, no momento de maiores expectativas, as esperanças bolivianas foram frustradas pela notícia de que o governo brasileiro havia denunciado o Tratado de 1867 [24]. Em julho de 1883 o embaixador brasileiro em La Paz recebeu instruções indicando que o Império considerava o “Tratado de Amizade, Limites, Navegação, e Extradição”, como letra morta, salvo os artigos relativos a limites. Também morreram os planos imediatos da Bolívia para uma saída para o mar, pois embora novos tratados tenham sido negociados em 1887 e 1896, o Congresso Brasileiro recusou a ratificação dos mesmos [25]. A borracha boliviana, consequentemente, não tinha direitos especiais de saída através da Amazônia brasileira.

Para piorar as coisas, em 1886 a produção de borracha ao longo do Beni foi atingida por inundações e ainda mais prejudicada por surtos subsequentes de malária. Mas, a longo prazo, as intrigas internacionais, as enchentes e a malária só puderam conter, e não deter, a expansão do comércio da borracha. Apenas 26 anos após o primeiro carregamento pelo Madeira, as exportações bolivianas atingiram quase 300 toneladas. A produção continuou a crescer até 1902, quando a Bolívia e o Brasil estiveram à beira da guerra por causa de um conflito sobre o controle da grande área produtora de borracha do Acre [26].

Embora a região do Alto Acre ficasse bem dentro do território reivindicado historicamente pelos espanhóis, a soberania boliviana ali era apenas nominal. Em 1890 o governo em La Paz criou a “Delegación Nacional del Río Purus y Madre de Dios” e o Congresso propôs estabelecer uma alfândega na junção do Acre e do Purus (um projeto que o embaixador brasileiro descreveu como “curioso”). O governo também concedeu extensos seringais a estrangeiros na bacia do Acre e chegou a enviar tropas regulares para o Beni em 1893. Mas essas ações não foram suficientes, pois em 1898 entre 15 e 60 mil brasileiros já haviam se mudado para a região do Acre, e a fronteira entre o Brasil e a Bolívia voltou a ser disputada [27]

O Tratado de 1867 havia fixado a fronteira desde a confluência dos rios Beni e Mamoré até a nascente do rio Javary. Sete anos depois, uma comissão mista localizou a nascente a 7°01’17”S e 74°08’27”O. Protestos surgiram imediatamente do Brasil. Os geógrafos imperiais alegaram que o Tratado de 1867 pretendia que a fronteira corresse para oeste a partir da junção do Beni e do Mamoré ao longo do paralelo 10°20’ S se a nascente do Javary não se estendesse para sul desta linha. O governo brasileiro, no entanto, aceitou o relatório da comissão mista e foi assim a fronteira foi marcada por outro grupo de fronteira brasileiro-boliviano em 1895. Mas dois anos depois, o estado brasileiro do Amazonas, inspirado por relatos de que a fonte do Javary estava muito mais longe, ao Sul, encarregou um oficial da marinha, Cunha Gomes, de reavaliar a linha. Ele opinou que o marco deveria estar localizado cerca de 1,4 km mais a sul e que o Brasil tinha perdido mais de 1200 km² de território. Assim, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil solicitou a retificação. A Bolívia concordou e um novo protocolo de 1899 fixou a fronteira em 7°06’55”S e 73°47’30”W [28].

(Artigo continua na parte 4)

(*) Diversos artigos publicados sobre a viagem do professor americano James Orton à região do Beni, na Bolívia, em 1876, tem citado erroneamente que seu parceiro na viagem foi o Dr. Edwin Heath quando, na verdade, foi seu irmão, Ivon Heath. Edwin Heath completou o trabalho de James Orton e iniciou sua viagem apenas em 1879. Pela importância dos trabalhos realizados, tanto Edwin Heath como James Orton e Ivon Heath foram homenageados com nomes de rios na Amazônia boliviana.

 Para saber mais: as 10 referências citadas no texto estão indicadas entre colchetea. O link para acessar as mesmas na íntegra é o seguinte: https://doi.org/10.1215/00182168-46.3.254

Lewis, A. T. (1966). Rubber, Rebels, and Rio Branco: The contest for the Acre, Hispanic American Historical Review 46 (3):254-273. Link para acesso: https://doi.org/10.1215/00182168-46.3.254

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