Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Parte 4: ‘Borracha, rebeldes e Rio Branco: a disputa pelo Acre sob a ótica de um historiador americano’

 Evandro Ferreira e Alceu Ranzi

Em 1966 o historiador americano Lewis Arthur Tambs publicou o artigo “Rubber, Rebels, and Rio Branco: The Contest for the Acre”, onde enfatiza a situação política na Bolívia nos anos que precederam os conflitos que resultaram na incorporação do Acre ao Brasil. Tambs foi um especialista em História da América Latina e sua tese de Doutorado (Universidade da California,1967) abordou o Brasil: “March to the West: Four Centuries of Luso Brazilian Expansion” (“Marcha para o Oeste: Quatro Séculos de Expansão Luso Brasileira”). Pela relevância do artigo para a história do Acre, apresentamos, em cinco partes, a tradução na íntegra do texto de Tambs.

Rubber, Rebels, and Rio Branco: The Contest for the Acre

Borracha, rebeldes e Rio Branco: a disputa pelo Acre

Por Lewis Arthur Tambs

Parte 4

Mesmo este acordo não conseguiu satisfazer todos os brasileiros. Rumores de descontentamento emanaram de Manaus e do Pará, os dois principais beneficiários da crescente indústria da borracha, e vozes se levantaram pedindo o estabelecimento de uma fronteira paralela a 10°20’S.

A Bolívia reagiu ordenando às tropas da frente do Beni que avançassem para o povoado de Xapuri e despachou Francisco Vellarde pelo rio Amazonas para construir uma alfândega no rio Acre. Contudo, uma milícia de seringueiros obrigou a infantaria boliviana a se retirar e o governador do Amazonas deteve Vellarde em Manaus alegando que a área ainda estava em litígio [29].

A repulsa de seu exército regular e o fracasso de Vellarde alertaram o governo boliviano. Um telegrama de La Paz datado de 23 de dezembro de 1898 ordenava ao embaixador boliviano no Brasil, José Paravicini, que empreendesse pessoalmente a implantação de um posto de alfândega no Acre.

Do Rio de Janeiro, o Itamaraty telegrafou ao governador do Amazonas para conceder livre trânsito a Paravicini que, sem impedimentos, subiu o Amazonas e o Purus até o rio Acre, onde, em 3 de janeiro de 1899, completou sua missão fundando uma alfândega na margem esquerda do rio Acre, em Puerto Alonso ou Puerto Acre, cerca de 11 quilômetros rio acima do povoado brasileiro de Caquetá [30].

A visão da bandeira boliviana hasteada em Puerto Acre enfureceu os amazonenses. Ela foi erguida diante de uma multidão de seringueiros e os esforços do chefe da alfândega boliviana para impor um imposto aos brasileiros e uma taxa de exportação de trinta por cento sobre toda a borracha provocaram uma greve em 1º de maio de 1899.

Os acreanos, liderados pelo cearense José Carvalho, depuseram as autoridades bolivianas e declararam-se a favor do Brasil. A batalha pelo Acre tinha começado [31].

Carvalho recebeu apoio ativo das autoridades brasileiras do outro lado da fronteira, no rio Antimary, pois o estado do Amazonas estava alarmado com a queda nas receitas resultante da perda do Acre, que em 1899 fornecia 60% de toda a borracha produzida na Amazônia. Manaus estava determinada a não perder o monopólio desse lucrativo comércio.

A alfândega do Pará recusou-se a reconhecer como boliviana a borracha embarcada em Puerto Acre e em Manaus o governador do Amazonas, José Cardoso Ramalho Junior, preparou-se para agir diretamente. Uma expedição, armada e apoiada pelo governador e liderada por um aventureiro espanhol, Luis Galvez, embarcou em Manaus com destino a Puerto Acre.

Desembarcando na área disputada, Galvez proclamou, em 14 de julho de 1899, a República Independente do Acre na esperança de que o governo federal do Brasil reconhecesse a nova nação e eventualmente a anexasse.

No entanto, confrontado com os protestos bolivianos o novo governo republicano do Brasil recusou-se a conceder o reconhecimento. Descaradamente, Galvez assumiu a presidência da República do Acre, nomeou o cônsul brasileiro em Porto Acre como seu Ministro da Fazenda, contratou numerosos seringueiros como coronéis do seu exército e proclamou o paralelo 10°20’S como a nova fronteira sul da nação.

Como presidente provisório, Galvez decretou ainda um imposto ad valorem de 20% sobre as exportações de borracha e, aguardando o dia em que teria a força necessária para cobrar o imposto, embargou todos os carregamentos. Essas ações de Galvez ofenderam seus associados em Manaus.

Capitães de navios a vapor de Manaus que tiveram suas cargas apreendidas em Puerto Acre arquitetaram uma revolução sem derramamento de sangue e substituíram Galvez por um segundo presidente provisório, Souza Braga, um rico seringalista que imediatamente suspendeu o embargo aos embarques de borracha [32].

Luis Galvez retornou a Manaus na primavera de 1900 a bordo do navio de guerra brasileiro Juthay, despachado para Puerto Acre a pedido do governo boliviano. Lá recebeu 6.900 contos de réis do governador Ramalho – pagamento, segundo um historiador boliviano, em troca de documentos incriminatórios em poder do aventureiro espanhol [33]. Ramalho, condenado por La Paz como obstrucionista e sob forte pressão do governo federal brasileiro para encerrar o caso do Acre, agora procurava renunciar a qualquer participação na criação da república independente [34].

Embora a república ainda vivesse, seus dias estavam contados, pois o novo presidente da Bolívia, José Manuel Pando, um explorador e ex-membro da Comissão Mista de Fronteiras Boliviano-Brasileira, trouxe ao cargo de chefe do Executivo um conhecimento íntimo do Acre.

Determinado a esmagar a revolta, o presidente Pando despachou trezentos soldados sob o comando do coronel Andrés S. Muñoz para a província rebelde. Após uma descida de dois meses do altiplano, as tropas de Muñoz chegaram a Riberalta, na confluência dos rios Madre de Dios e Beni.

Descansando e aguardando notícias de uma força marítima enviada pelo Amazonas acima, Muñoz permaneceu em Riberalta até fevereiro de 1900 quando soube que o governador Ramalho havia parado os navios em Manaus. Muñoz declarou então a lei marcial no Acre e preparou-se para pacificar a área pela força das armas [35].

Embarcando em lanchas a vapor em Riberalta no final de abril de 1900, a expedição Muñoz partiu para afirmar a soberania boliviana no Acre. A flotilha desceu o Madre de Dios e subiu o rio Orton até a localidade de Mercedes, uma clareira na selva onde um seringalista tinha um grupo de casas.

Muñoz montou acampamento base em Mercedes e abriu uma trilha militar pela densa floresta até o rio Abunã, um feito de engenharia que custou dois meses de trabalho árduo. Nesse intervalo, doenças e rações escassas dizimaram o seu batalhão.

Finalmente, em 8 de julho a marcha começou. Para surpreender os acreanos, os bolivianos não abriram caminho desde Abunã. Portanto, só chegaram às margens do rio Acre no dia 22 de julho. Os seringueiros, atordoados com a chegada de uma unidade regular do exército boliviano, ofereceram apenas resistência leve.

Descendo o rio Acre, Muñoz pacificou a região e ocupou Puerto Acre dois meses depois. A marcha épica de Muñoz terminou em triunfo, mas os eventos que se desenvolviam em Manaus em breve testariam ainda mais os membros da sua expedição [36].

Quando jornais brasileiros no Pará e em Manaus pediram a libertação do Acre, o novo governador do Amazonas, Silvério Nery, respondeu com força militar.

Armada com artilharia e metralhadoras da polícia amazonense, uma segunda coluna de obstrução formou-se em Manaus – a “Expedição dos Poetas” que incluía estudantes, profissionais e aventureiros de todos os tipos.

Seguindo para a fronteira, eles estabeleceram quartel-general em Caquetá, alguns quilômetros rio abaixo de Puerto Acre, onde bloquearam o rio na esperança de submeter Puerto Acre à fome.

Mas Muñoz, embora com rações escassas, recebeu reforços do altiplano. Duas colunas de socorro, uma sob o comando do vice-presidente Lucio Pérez Velasco e outra sob o comando do ministro da Guerra Ismael Montes, seguiram a trilha aberta por Muñoz e trouxeram suprimentos e mais homens.

Convencidos de que a área estava segura, Velasco e Montes libertaram os líderes cativos da República do Acre. Mas a chegada da “Expedição dos Poetas” novamente incitou os seringueiros à ação [37].

Tiros de fuzil estilhaçaram a madrugada de 12 de dezembro de 1900. Atiradores seringueiros escondidos na densa floresta que cercava o acampamento do batalhão Independência do Coronel Montes, na boca do Riozinho, abateram as sentinelas e tentaram atacar as assustadas tropas regulares do exército boliviano.

Apesar da surpresa inicial, os bolivianos se reagruparam e dispersaram os agressores brasileiros que sofreram pesadas baixas, permitindo-lhes fugir sem serem perseguidos. Riozinho estava seguro para a Bolívia.

Enquanto isso, o bloqueio continuava rio abaixo em Puerto Acre, onde, dizimada pelo beribéri, pela malária e pela desnutrição, a guarnição boliviana resistia heroicamente. No entanto, um confronto final estava próximo, pois a expedição brasileira de obstrução em Caquetá foi assolada por dissensões e os capitães dos navios parados no rio bloqueado, irritados com o atraso no carregamento da borracha do Acre, pressionaram por uma decisão.

Em 24 de dezembro a “Expedição dos Poetas” atacou Puerto Acre.

Foi um desastre. Rechaçados com graves perdas, os obstrucionistas brasileiros fugiram, abandonando metralhadoras e canhões em sua retirada. Cinco dias depois, os navios a vapor chegaram a Puerto Acre. O bloqueio foi quebrado. O Acre era boliviano [38].

(Artigo continua na parte 5)

 Para saber mais: as 10 referências citadas no texto estão indicadas entre colchetea. O link para acessar as mesmas na íntegra é o seguinte: https://doi.org/10.1215/00182168-46.3.254

Lewis, A. T. (1966). Rubber, Rebels, and Rio Branco: The contest for the Acre, Hispanic American Historical Review 46 (3):254-273. Link para acesso: https://doi.org/10.1215/00182168-46.3.254

Sair da versão mobile