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Parte 5: ‘Borracha, rebeldes e Rio Branco: a disputa pelo Acre’

*Evandro Ferreira e Alceu Ranzi

Em 1966 o historiador americano Lewis Arthur Tambs publicou o artigo “Rubber, Rebels, and Rio Branco: The Contest for the Acre”, onde enfatiza a situação política na Bolívia nos anos que precederam os conflitos que resultaram na incorporação do Acre ao Brasil. Tambs foi um especialista em História da América Latina e sua tese de Doutorado (Universidade da California,1967) abordou o Brasil: “March to the West: Four Centuries of Luso Brazilian Expansion” (“Marcha para o Oeste: Quatro Séculos de Expansão Luso Brasileira”). Pela relevância do artigo para a história do Acre, apresentamos, em cinco partes, a tradução na íntegra do texto de Tambs.

Rubber, Rebels, and Rio Branco: The Contest for the Acre

Borracha, rebeldes e Rio Branco: a disputa pelo Acre

Por Lewis Arthur Tambs

Parte 5 (Final)

O ano de 1900 terminou com o disputado Território do Acre firmemente sob o domínio da Bolívia. O conflito pelo controle da rica área produtora de borracha parecia ter chegado ao fim. O vice-presidente Velasco e o ministro da Guerra Montes retornaram ao altiplano com o batalhão Independência. A Comissão Mista de Demarcação verificou a origem do Javary e uma solução pacífica para a questão do Acre parecia assegurada. Mas em meados de 1901, o ministro boliviano em Londres assinou um contrato que provocou uma tempestade política que fez a Bolívia perder o Acre que havia sido duramente conquistado [39].

Agindo dentro dos direitos soberanos e constitucionais da Bolívia e aspirando a consolidar sua hegemonia no Acre, o presidente Pando negociou um contrato de colonização e desenvolvimento com um grupo de financistas internacionais. O Bolivian Syndicate ou Contrato Aramayo, aprovado pelo Congresso Boliviano em 20 de dezembro de 1901, previa o arrendamento do Território do Acre por trinta anos e dotava os arrendadores com um capital de 5 milhões de libras esterlinas, dos quais 25 por cento eram reservados aos brasileiros. O contrato também autorizava os arrendadores a administrar o Alto Acre, cobrar todos os impostos [40], estabelecer a polícia, o saneamento e outros serviços públicos, e construir ferrovias, cais e outras instalações de comunicação. Além disso, os arrendadores tinham a opção de comprar, a dez centavos por hectare, toda ou parte da região do Acre.

A notícia do acordo provocou uma tempestade de protestos no Brasil.

As acusações de imperialismo anglo-americano pareciam ser fundamentadas pelo fato de um amigo e primo de Theodore Roosevelt – Frederick Willingford Whitridge e William Emlen Roosevelt, respectivamente – chefiarem a corporação. Apesar da estipulação de que os direitos concedidos ao Bolivian Syndicate não eram transferíveis para uma potência estrangeira, o Brasil alegou que o contrato condenaria a América do Sul à mesma posição colonial que a África, onde a introdução de empresas particulares de exploração levou à subsequente ocupação pelas potências europeias.

A tensão aumentou no Rio de Janeiro e a guerra com a Bolívia se aproximava. Mas o Presidente Pando permaneceu impassível e em agosto de 1902 declarou veementemente ao Congresso Boliviano a sua intenção de executar o contrato [41]. O Brasil respondeu ao discurso de Pando fechando a Amazônia a todo o comércio boliviano e alertando os investidores estrangeiros através dos seus embaixadores em Londres, Paris e Berlim que o controle do Acre estava em disputa.

No final, embora os políticos tenham emitido pronunciamentos e os governos tenham trocado notas diplomáticas, a questão foi resolvida pelo povo do Acre.

Em 7 de agosto de 1902, Plácido de Castro, um gaúcho e herói da Revolução Brasileira de 1893, expulsou as autoridades bolivianas de Xapuri e reproclamou a independência da República do Acre.

Castro foi financiado e abastecido pelo governador Nery, do Amazonas, que durante meses organizava um movimento clandestino. Em três semanas, a força boliviana foi derrotada pelos insurgentes, com a maioria dos bolivianos residentes na área fugindo em direção ao rio Orton.

De Xapuri Castro desceu o rio e tentou surpreender o posto avançado boliviano na Volta da Empresa. Lá ele foi derrotado. Recuando para o sul, Castro fez uma pausa para reorganizar o exército da República do Acre. Com quatro novos batalhões ele reabriu seu ataque à Volta da Empresa e após onze dias de intensos combates recebeu a rendição dos bolivianos em 15 de setembro de 1902.

Embora o caminho para Puerto Acre estivesse aberto, Castro, numa campanha relâmpago, contramarchou para Santa Rosa no rio Abunã e Costa Rica no rio Tahuamanu e dispersou os bolivianos que se reuniam para uma contra-ofensiva.

Com os flancos e a retaguarda assegurados, Castro liderou então o exército da República do Acre para o norte novamente em direção à Puerto Acre e colocou-a sob cerco em meados de janeiro de 1903. Após dez dias de combate contínuo, Puerto Acre capitulou.

Em 171 dias, de 7 de agosto de 1902 a 24 de janeiro de 1903, os bolivianos foram expulsos do Acre.  E o Acre não seria recuperado [42].

O recém-nomeado Ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Barão do Rio Branco, acreditava que os bolivianos não deveriam ser autorizados a reocupar o Território do Acre. Retornando de Berlim ao Rio de Janeiro em 1º de dezembro de 1902 para assumir a liderança do Itamaraty a convite do recém-eleito presidente do Brasil, Rodrigues Alves, o barão imediatamente se comprometeu a resolver a questão em favor do Brasil.

Dois dias após a invasão de Puerto Acre pelos insurgentes, ele notificou o governo boliviano de que a República do Brasil considerava o Território do Acre em litígio até o paralelo 10° 20’ S e que a área seria ocupada pelas forças Armadas brasileiras. O presidente Pando respondeu assumindo o comando pessoal do exército boliviano e liderando uma coluna de 1.800 homens em direção ao Acre [43].

Rio Branco reagiu concentrando tropas na fronteira boliviana em Mato Grosso e enviando unidades da frota lotada de soldados pelo Amazonas até a área disputada. Retirando-se diante destas unidades avançadas do exército brasileiro, Plácido de Castro lançou o exército rebelde na localidade de Porto Rico, no rio Orton, onde se concentrava a expedição punitiva do presidente Pando.

Completamente investido e pressionado pelos atacantes acreanos, Porto Rico parecia condenado, mas o cerco foi levantado em 27 de março de 1903, quando um oficial brasileiro chegou trazendo despachos contando sobre um modus vivendi assinado em La Paz na semana anterior.

Derrotados em campo pelos acreanos, ameaçados de invasão pelo Brasil e confrontados pela determinação inflexível do Barão do Rio Branco em conquistar o Território do Acre, os bolivianos capitularam [44].

O modus vivendi de 21 de março de 1903, por sua vez, levou ao Tratado de Petrópolis de 17 de novembro de 1903, pelo qual a Bolívia perdeu não apenas o Território do Acre até o paralelo 10° 20’ S, mas uma porção considerável ao sul até os rios Acre e Abunã.

O Brasil ganhou mais de 191 mil km² no Alto Acre e em troca concedeu à Bolívia cerca de 3 mil km², um terço dos quais consistia em pântanos no rio Paraguai. A Bolívia também recebeu £ 2 milhões, mas o Brasil recuperou essa indenização em três anos pelas receitas obtidas com os embarques de borracha da área recém-conquistada.

Embora a Bolívia tenha eventualmente conseguido uma rota ferroviária em torno das cachoeiras do rio Madeira, foi impossível tirar pleno partido desta tábua de salvação do Atlântico porque a última lacuna, uma ponte sobre o Mamoré em Villa Bella para o território boliviano, nunca foi concluída. Além de resolver a questão do Acre em favor do Brasil, o astuto Rio Branco pacificou os investidores internacionais ao comprar a concessão do Bolivian Syndicate por £ 110.000 [45].

Na disputa com o maior e mais poderoso Brasil, a Bolívia mostrou-se incapaz de reter o vasto território amazônico herdado da coroa espanhola. Nos termos do Tratado de Santo Ildefonso de 1777, a “Audiência de Charcas” abrangia uma área de mais de 2.373.000 km², dos quais cerca de 439.000 km² estavam localizados na região do Acre. Nos tratados de 1867 e 1903 com o Brasil, a Bolívia, sucessora de Charcas, perdeu tudo.

Apesar dos esforços de Ballivián, Melgarejo e Pando, que tentaram abrir e colonizar a área, a Bolívia foi forçada a renunciar a todos os títulos dos seus territórios do Norte, ricos em borracha. A fome de borracha do mundo industrializado, o princípio do uti possidetis de facto, o impulso incansável dos seringueiros, a expansividade do nacionalismo brasileiro e a diplomacia hábil do Barão de Rio Branco combinaram-se todos contra o sonho de grandeza da Bolívia. No final, o rico e extenso Acre não trouxe à Bolívia nada além de derrota e desespero.

Para saber mais: as 11 referências citadas no texto estão indicadas entre colchetea. O link para acessar as mesmas na íntegra é o seguinte: https://doi.org/10.1215/00182168-46.3.254

Lewis, A. T. (1966). Rubber, Rebels, and Rio Branco: The contest for the Acre, Hispanic American Historical Review 46 (3):254-273. Link para acesso: https://doi.org/10.1215/00182168-46.3.254

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