“Lembro-me de cada vez que tentei morrer: aos 16 anos, aos 19, aos 27 e aos 28. Eu tive sorte porque, em todas elas, eu escapei. E hoje, tenho uma vida difícil – ainda me trato, faço terapias, faço atividades físicas, tratamentos – mas não quer dizer que não seja uma boa vida; só é diferente”. Estas são as palavras de uma das servidoras e pacientes atendidas pela Secretaria de Estado da Mulher (Semulher), que, desde o início deste ano, optou por contratar uma psicóloga com especialização em suicídio para tratar os servidores.
A paciente em questão – que não quis se identificar – reforça que ainda se incomoda com o fato de as abordagens relativas às doenças mentais serem lembradas apenas em setembro. “É como se só fôssemos depressivos em setembro, só merecêssemos empatia em setembro: nos outros meses do ano, querem que sejamos ‘normais’. Como bem diria o filme Coringa: ‘a pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse’. Nunca vi uma frase tão bem empregada, porque a verdade é que sentimos que não deveríamos existir em outros meses além de setembro. Só em setembro, viramos a assunto, só em setembro nossa dor é validada”.
De acordo com a secretária de Estado da Mulher, Márdhia El-Shawwa Pereira, a saúde mental é uma prioridade fundamental do compromisso com as mulheres e com os servidores, e vai além em oferecer apoio às mulheres acolhidas pela pasta.
“Reconhecemos que o bem-estar dos nossos servidores é essencial para a eficácia e o sucesso do nosso trabalho. O estresse, as pressões e os desafios que nossos colaboradores enfrentam podem ter um impacto significativo em sua saúde mental”, enfatiza El-Shawwa Pereira.
A ideia de disponibilizar um profissional qualificado apenas para questões relacionadas ao suicídio e à saúde mental é para, justamente, criar um ambiente de trabalho mais seguro, acolhedor e solidário. “Queremos oferecer suporte imediato e especializado para aqueles que possam estar em risco, além de promover uma cultura de prevenção e cuidado. A presença da psicóloga especializada é uma oportunidade valiosa para fornecer orientação, treinamento e intervenções proativas”, enfatiza.
Inovação e respeito aos servidores
Isadora Souza, a psicóloga contratada especificamente para cuidar da saúde mental dos servidores, acredita que o trabalho da Semulher neste sentido é inovador, principalmente por evidenciar o que todos vêm enfrentando, todos os dias, em suas próprias batalhas.
“Principalmente na nossa pasta, que recebe mulheres em situações críticas. A mulher chega aqui fragilizada; por isso, o servidor precisa estar bem de saúde mental para recebê-la”, afirma, acrescentando que a Secretaria da Mulher contará com uma vasta programação ao longo de todo o mês de setembro voltadas ao tema. “Serão ações para o servidor, para reforçar a importância da saúde mental deles”, diz.
Isadora afirma que, após a pandemia, surgiram muitos casos de doenças ligadas à saúde mental. “Elas [as doenças] se tornaram bem prevalentes na nossa vida, e a gente tenta entender como surgiram, como que fazemos para conviver com essas doenças, com os dias bons e com os dias ruins que todos nós temos”, reflete, acreditando que, por meio da terapia, os servidores começam a entender o porquê de certos sentimentos. “Para saberem [os servidores] por que se sentiram de determinada forma e, muitas vezes, até para desabafarem sobre o cotidiano, é necessário o diálogo”.
Souza ressalta, por fim, que tudo que é dito na terapia fica na terapia. “Como eu sou psicóloga, é totalmente sigiloso, fica nas minhas mãos, entre as quatro paredes do consultório. Os servidores saem da sala sabendo que não será dito a ninguém, nada ficará refletido nos corredores”, enfatiza.
De acordo com a paciente do início da matéria, a vida, mesmo com depressão, merece ser vivida, mas manda um recado: “Não adianta dizer que você é a favor da vida se você não ajuda seu amigo com depressão, se diz que ele está brincando. Temos de entender que a depressão não é apenas uma doença do depressivo, em si; mas de todas as pessoas que o circundam: isso quer dizer que, se você quer que o doente fique bem, você precisa ajudar e, principalmente, compreender”.
Identificação precoce da doença
Márdhia explica que sempre entendeu a depressão como uma doença e sempre a respeitou como tal. Para a gestora, a identificação precoce dos sinais de sofrimento, bem com a oferta de estratégias de enfrentamento, é essencial.
“O nosso objetivo é assegurar que nossos servidores se sintam apoiados e compreendidos, contribuindo para um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo. Acredito que investir na saúde mental dos nossos servidores é uma responsabilidade, um compromisso. Precisamos entender que a depressão não se trata de uma besteira, é uma doença verdadeira. Enquanto as pessoas não entenderem que saúde mental se faz o ano inteiro, não conseguiremos dar a devida importância à mensagem que traz a campanha setembro amarelo”, finaliza.
Dados estaduais
Além disso, o levantamento apresenta uma análise detalhada da violência autoprovocada e suicídios no estado, nos últimos 10 anos: somente em 2023, foram contabilizados 117 óbitos por suicídio, o maior número desde o início da série histórica em 2013, quando 44 óbitos foram registrados.
Entre 2013 e 2023, o Acre acumulou 725 mortes por suicídio, conforme o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). O crescimento no número de óbitos ao longo dos anos foi gradual, mas o salto registrado entre 2022 e 2023.
Os municípios de Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Tarauacá concentram o maior número de vítimas, com 331, 76 e 39 óbitos, respectivamente.
Busque ajuda
Se você é ou conhece alguém em situação depressiva, com mudanças bruscas de humor, não hesite: busque ajuda. Vá a um psicólogo e comece um tratamento.
Se a situação for emergencial, ligue para o Centro de Valorização à Vida (CVV), por meio do número 188.