Se eu tivesse acertado os seis números da Mega, meu dia seguiria meio parecido com os dias normais, não milionários. Nenhum prêmio no mundo eliminaria o torcicolo que venho cultivando desde a quarta. Comprei Dorflex e Salonpas com meu próprio dinheirinho e se houvesse muitos outros dinheirinhos, eu compraria Dorflex e Salonpas mesmo. Não vou pra academia na hora do almoço e não iria também caso estivesse matriculada na academia de sei lá quantos mil reais que tem piscina aquecida onde eu gostaria de nadar. Não dá pra nadar com torcicolo, mesmo que a piscina seja aquecida. Comeria o almoço que deixei pronto porque quero tirar um cochilinho na hora da academia. E depois, brilhei no almoço. Ninguém faz uma farofa melhor do que a minha. Pra que ir em um restaurante caro só porque ganhei na Mega? Vou não. Eu teria que ir de táxi e vai que o taxista freia bruscamente e machuca ainda mais o meu pescoço. Porque por mais que eu tivesse acertado os seis números da Mega, eu não compraria um carro já que não sei dirigir. Às vezes até o cara do Uber Black dirige mal, não tem dinheiro que garanta um motorista bom. A não ser que você compre um carro e contrate um motorista bem bom, mas como não dirijo, não saberia o que perguntar na entrevista do motorista. Dá certo não. À tarde, vou preferir ver os meus pacientes da tarde do que fazer uma massagem anti-torcicolo. Não dá pra ninguém ficar pegando no meu pescoço magoadinho, mesmo que seja aquele osteopata que a Michi me indicou. É lá na Paulista. O Uber Black que dirige mal e toda aquela coisa. Melhor não. Só se eu chamasse ele em casa e pagasse o dobro ou até o triplo pelo atendimento domiciliar, mas aí eu teria que varrer a sala porque tenho gato e não vou receber o osteopata com o chão cheio de pelo de gato e empoeirado do jeito que tá – tem um prédio construindo na esquina de casa. Só de pensar em varrer já me doi o pescoço. Posso também mudar de apartamento pra me livrar da construção, mas os gatos gostam tanto daqui e as minhas filhas gostam tanto daqui. Quero mudar não. E depois meu pescoço não mexe o suficiente pra encaixotar nem os livros, imagina uma casa inteira. Daria pra chamar a Granero, parece que tem uma modalidade de mudança que quem faz tudo é a Granero. Só não pode ter vergonha do povo desconhecido encaixotando as calcinhas e as meias, os tupperwares sem tampa, as fotos do São João em Garanhuns. Já pensou eu atendendo em casa com os caras da Granero catucando em tudo. Vai dar certo não. Gosto tanto daqui. Gosta tanto de Pedro, o porteiro do prédio, de Anne, a cachorrinha do 31, da bicicleta azul que fica olhando pra minha bicicleta na garagem, eu sempre imagino que elas se conversam quando não tem ninguém por perto, dos meus pacientes da tarde e de farofa, da cadeira de massagem da Smart Fit, do Dorflex e do Salonpas, até do torcicolo eu gosto um pouquinho. Acabei de conferir, não acertei nenhum número. Ainda bem que não ganhei. Presta não.
Vivos, vivíssimos
Ontem eu passei em frente ao Cemitério da Filosofia. Talvez esse seja o nome de cemitério mais bonito que eu...