POR IRYÁ RODRIGUES E ANNE NASCIMENTO
“Todo mundo está chorando. A Amazônia está queimando. Ai, ai, que dor. Ai, ai, que horror”. Podia ser apenas a toada Lamento de Raça, do Boi Garantido, mas, infelizmente, esta foi a realidade do Acre, em 2024.
O Estado, assim como outros da Amazônia, enfrentou e tem enfrentado desafios sem precedentes causados pelas mudanças climáticas e pela degradação ambiental. Se, antes, a região fazia parte do que era considerado o “pulmão do mundo”, hoje se encontra em estado crítico, com as florestas, rios, fauna e a própria população sofrendo consequências das ações devastadoras.
Da cheia histórica à seca extrema
Neste ano, o Rio Acre, que banha a capital Rio Branco, exemplificou os extremos climáticos. Em um intervalo de menos de dois meses, o manancial passou de uma enchente devastadora para uma seca histórica.
Ainda em fevereiro, o governador do Acre, Gladson Cameli, decretou estado de alerta, no Estado, em decorrência das chuvas. A medida – que antes era uma forma de se antecipar – acabou se tornando extremamente necessária. À época, Cameli lembrou que esta não era a época de politizar a situação. “Pois estamos falando da vida das pessoas. Já acompanhamos de perto, dando o suporte e realizando ações em Assis Brasil, por exemplo”, afirmou o governador, em entrevista coletiva.
Em março de 2024, o rio alcançou a segunda maior cota de sua história, de 17,75 metros, atingindo mais de 70 mil pessoas. Ainda à época, os ministros da Integração e do Desenvolvimento Regional e do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Waldez Góes e Marina Silva, visitaram a Escola Leoncio de Carvalho, em Rio Branco.
Marina Silva relembrou que os povos indígenas são o que pagam o maior preço. “Eles são os que mais preservam. O que está acontecendo tem a ver com o desmatamento, as mudanças climáticas, que, infelizmente, os mais vulneráveis pagam o preço e estamos inteiramente solidários e trabalhando juntos. Primeiro, para manter os povos indígenas nas suas terras, respeitar os seus direitos tradicionais, combater a violência e proteger, nesses momentos difíceis, em que toda a população é afetada”, ressaltou a ministra.
Em maio, o Rio Acre já estava com pouco mais de 2 metros e, em setembro, o nível do rio caiu para 1,30 metro, o segundo menor registro em mais de 50 anos.
Ausência de chuvas
O Acre tem registrado índices pluviométricos extremamente baixos em 2024, intensificando os efeitos da seca. Desde maio, Rio Branco experimenta chuvas muito abaixo da média.
Em junho, o acumulado não passou de 21,1 milímetros, apenas 34% do total esperado para o mês. Julho foi marcado por total ausência de precipitação, o que agravou a situação de seca. Agosto também não trouxe alívio, com apenas uma precipitação significativa no dia 9, que somou pouco mais de 1 milímetro. Da mesma forma, setembro registrou chuvas abaixo do esperado.
Queimadas e qualidade do ar
Com a seca e a falta de chuvas, as queimadas no Acre atingiram níveis preocupantes. Em setembro, foram com 3.855 focos, quase o dobro dos contabilizados em agosto, que somaram pouco mais de 1,9 mil focos. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
No acumulado do ano, os números já chegam a 8.433 focos, e apontam um aumento de mais de 32% em relação a todo 2023, quando os índices chegaram a 6.388.
Em 23 de setembro, o rio-branquense toma mais um susto: dados da plataforma internacional IQAir, que monitora a qualidade do ar globalmente, revelam que a concentração de PM 2,5 (partículas finas com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros) atingiu alarmantes 605 microgramas por metro cúbico (µg/m³). Esse nível é 40 vezes superior ao limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 15 µg/m³.
Ainda em setembro, o governador do Acre chegou a pedir para a população tomar cuidado pessoal com doenças respiratórias e reiterou que iria tomar todas as medidas cabíveis de punição para evitar crimes ambientais. “Garanto que o Estado não está parado e está tomando todas as medidas necessárias para cuidar da população e do nosso Acre”, destacou Cameli.
Além disso, o coronel Charles Santos, comandante do Corpo de Bombeiros Militar do Acre (CBMAC), assegurou que, desde o mês de abril, há um plano de contingência prevendo calamidade. “Com a observação de qualquer mapa climatológico, é possível ver que essa questão está assolando todo o Brasil”.
O dia vira noite enquanto o rio seca
No dia 4 de outubro, uma cena deixou os rio-branquenses em choque: às 11h40, os postes tiveram de ser acesos por conta de uma chuva, a primeira significativa em mais de um mês de estiagem.
Dados do Monitor de Secas, divulgado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), apontam que o estado esteve por três meses consecutivos com 100% do seu território afetado pelo estiagem.
Ações governamentais
O governo do Acre não mediu esforços para minimizar a dor dos acreanos. Pensando nisso, ainda em abril, Gladson Cameli esteve em Brasília e entregou o Plano Emergencial de Enfrentamento às Enchentes aos ministros do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes. Na ocasião, o gestor reforçou a importância do documento, elaborado por 11 órgãos do poder executivo e que apresenta uma série de propostas e soluções para a situação.
Cameli, em conversa com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse saber que o desafio que viria pela frente seria grande e, de antemão, já quis a prevenção. “As mudanças climáticas são uma realidade, e o Acre tem sofrido muito, nos últimos anos. A nossa vinda aqui é para reforçar o nosso pedido de ajuda ao governo federal e, ao mesmo tempo, agradecer o presidente Lula e sua equipe de ministros, que têm sido grandes parceiros do nosso estado neste momento tão difícil”, afirmou Cameli.
Em junho, Cameli retornou ao Distrito Federal para conversar com o ministro das Cidades, Jader Filho, sobre o Plano Emergencial de Enfrentamento às Enchentes. Nesta reunião, em específico, o Estado solicitou o aporte financeiro para contratação de uma consultoria técnica especializada na elaboração de um estudo hidrológico em 19 municípios acreanos.
Também em junho, o Estado instituiu, por meio de decreto, um gabinete de crise para tratar das mudanças climáticas, com o objetivo de enfrentar os prejuízos, concretos ou potenciais, decorrentes desse cenário ambiental. Outorgado por Mailza Assis, que estava como governadora em exercício, o documento reitera ser de competência da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil a coordenação do órgão.
Além disso, ainda no sexto mês do ano, Cameli assinou um pacto com o governo federal que visa à prevenção e controle de incêndios na Amazônia. O ato contou com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e outras autoridades federais e estaduais.
O pacto visa o “planejamento e implementação de ações colaborativas e integradas de prevenção, preparação e combate aos incêndios florestais e demais formas de vegetação nativa” dos biomas das duas regiões para reduzir os efeitos das mudanças climáticas no país.
Na ocasião, Gladson reiterou que o Acre está preparado para contribuir com o que for necessário, e reforçou que o controle de desmatamento e queimadas é um desafio contínuo. “Nossa equipe não tem medido esforços para enfrentar”.
Além disso, o governo instituiu, também, o “Boletim da Seca”: diariamente, a equipe de comunicação da Secretaria de Comunicação (Secom) enviava dados sobre a qualidade do ar, bem como o nível dos rios.
Limpeza do Rio Acre
Por meio do “Limpa Acre”, o governo e o município se uniram para a limpeza do Rio Acre e, com a operação, foram retirados do manancial 600 toneladas de entulhos e 800 pneus.
A ação contou com uma equipe de dez trabalhadores, além de escavadeiras, caçambas e barco de apoio. Na ocasião, a presidente do Departamento de Estradas de Rodagem, Infraestrutura Hidroviária e Aeroportuária (Deracre), Sula Ximenes, reforçou que a limpeza demonstra o compromisso do estado com o meio ambiente. “Foi um trabalho árduo, mas necessário, e nossos trabalhadores mostraram grande dedicação para garantir esse resultado”, afirmou.
Oscilações no Novo Mercado Velho
Uma marca registrada de Rio Branco tem, literalmente, sido levada pelas águas do Rio Acre. Em outubro, após uma vistoria, houve a interdição do Novo Mercado Velho, local conhecido tanto por rio-branquenses quanto por turistas. O coordenador estadual da Defesa Civil do Acre, coronel Carlos Batista, afirmou que a situação é crítica e que o risco de desmoronamento é iminente.
“Estamos falando de uma área de 270 metros com erosão pluvial, que se acelerou este ano. A movimentação do talude cai, em média, um centímetro a cada dois dias, o que torna a área de maior risco. Nosso principal objetivo é preservar a integridade física das pessoas”, declarou.
Durante a interdição, o comerciante Silvio Brasil, que trabalha há 18 anos no calçadão do Mercado Velho e emprega cinco pessoas, expressou preocupação com as consequências da medida.
“As consequências são graves, mas algo precisa ser feito. O risco é real, e a situação é perigosa. No entanto, estamos em um ano difícil, e essa interdição total pode ser devastadora para os negócios”, disse Silvio.
Os governos do Estado, do município e federal tem feito seus esforços para melhorar a qualidade de vida dos amazônidas, porém, este não é apenas mais um assunto governamental, mas de humanidade. O grande questionamento que devemos fazer é: o que queremos deixar aos nossos descendentes? Afinal de contas, a Amazônia consegue se reerguer sem o ser humano, mas poderia o ser humano existir sem a Amazônia?