*Por Alexandre Cruz-Noronha
Fui entrando na cozinha e aquele cheiro de comida quentinha, daquelas bem temperadas, invadiu minhas narinas. As mulheres riam e conversavam enquanto ajeitavam as comidas nos tachos e grandes bandejas. Arroz, feijão, macarrão, farofa, legumes, purê e grandes nacos de frango assado com cebola.
A Cozinha Solidária fornece almoço diário para cerca de 200 pessoas da Ocupação Marielle Franco. São mulheres voluntárias, a maioria moradora da ocupação, que tocam o preparo do rancho. O projeto, que existe em todo Brasil, é do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e aqui no estado tem parceria com o Governo do Acre por meio da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), que investe cerca 1,5 milhão ao ano no programa.
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) diz que em 2022 mais de 33 milhões de pessoas enfrentavam insegurança alimentar e nutricional grave; já em 2023, 24, 4 milhões conseguiram superar essa luta. Pessoas em insegurança alimentar são aquelas que não têm acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para a sobrevivência, a maioria não tem certeza se vai ter alimento para o dia seguinte.
Conheci Elson Souza e Janete Silva na fila para pegar o almoço, um casal jovem que tem duas crianças em casa, uma de 7 anos e uma bebezinha de 6 meses. Eles passam por essa vulnerabilidade alimentar. Elson trabalha na construção civil e consegue uns dias de trabalho aqui, outros dias de trabalho ali; mas não é sempre que tem, ainda mais agora que precisa passar mais tempo em casa cuidando da bebê junto com Janete.
Fomos juntos andando e conversando até sua casa, Elson mais falante, Janete bem mais tímida. Ele me conta que agora se não fosse o trabalho da Cozinha Solidária eles não teriam o que comer, “foi tipo agora, se não tivesse a Cozinha nesse momento a gente tava enrolado já. Eu tô parado e ela acabou de ter neném” (sic). “Ia ter que recorrer aos parentes, é a última saída sempre, né?!”, desabafa.
Mas não é todo mundo que tem a alternativa de pedir aos parentes. Laiana Vasque, de 38 anos, é uma liderança na comunidade, mas diz que não gosta nem de pensar na possibilidade de não ter a Cozinha Solidária no dia de hoje, porque ela simplesmente não consegue pensar em nenhuma alternativa a quem recorrer. Laiana é uma mãe solo que está gravida do décimo filho e está desempregada.
Na casa é muita criança, além dos filhos, tem ainda 3 netos das duas filhas maiores que moram na mesma rua. Todo mundo brincando e crescendo junto. Quando me aproximava de sua casa já vi três dessas crianças brincando na caixa d’água, “tá calor!”, elas disseram em uníssono. Era 10h30 da manhã no verão de Rio Branco, então elas tinham razão.
Laiana é voluntária na cozinha e diz se sentir grata, tanto pela oportunidade de ter o alimento farto para sua família todos os dias, como em poder contribuir fazendo comida para os moradores, que ela sabe que, como ela, precisam muito. Vinda da ocupação Terra Prometida, diz que o governo prometeu fazer as casas de todos na Ocupação Marielle Franco, para onde a maioria foi realocado, “eles colocaram a gente aqui, mas cumpriram a palavra de eles mesmos fazerem aqui nossas casinhas por agora. E é aqui que vão fazer o conjunto para nós morarmos definitivamente”, conta ela.
O sonho de Laiana está se aproximando de se tornar uma realidade, já que de acordo com a vice-governadora e secretária dos direitos humanos, Mailza Assis, o processo de regularização fundiária dos moradores da ocupação já está avançado e ainda que há um grande plano habitacional que será lançado no primeiro semestre de 2025.
Mailza me diz que conhece a Cozinha Solidária de perto, já foi visitar pessoalmente o projeto e conversou com famílias beneficiadas, “ver de perto o impacto positivo que esse projeto tem na vida das pessoas me enche de gratidão e me motiva a seguir trabalhando com ainda mais empenho”, confessa.
Falou ainda que é uma honra e uma grande responsabilidade estar à frente da secretaria e ser a vice-governadora, mas que ao mesmo tempo a deixa numa posição privilegiada de apoiar projetos como esse e também de poder criar novas políticas que promovam inclusão e garantam direitos fundamentais para todos os acreanos. “É gratificante ver o impacto que projetos como esse têm na sociedade, e me sinto muito feliz em poder liderar iniciativas que promovem dignidade, igualdade e justiça social”, ela diz.
Quando cheguei na cozinha, as mulheres preparavam a comida quentinha. Mas depois que visitei o projeto, andei no bairro vendo as crianças, entrei nas casas e vi as famílias comendo uma comida nutritiva, quem ficou quentinho foi o meu coração.