Fechando as últimas edições de 2024 e com trinta anos percorrendo os lugares mais distantes da floresta amazônica, o Projeto Cidadão do Tribunal de Justica do Acre (TJAC) continua rompendo barreiras para levar cidadania e garantir os direitos das famílias residentes em locais de difícil acesso.
Em um típico domingo de sol, no dia 19, com os termômetros marcando 34º graus, a equipe do Projeto Cidadão percorreu 345 km, saindo da capital Rio Branco rumo ao município de Assis Brasil, na fronteira com o Peru, para mais uma grande ação de disponibilização de serviços básicos à aldeia indígena Jatobá, localizada às margens do Rio Iaco, já no território do município de Sena Madureira.
De Assis Brasil, os servidores do Judiciário, juntamente com as equipes do Ministério Público do Estado do Acre, da Defensoria Pública do Estado do Acre, da Polícia Civil e da Prefeitura de Assis Brasil, na segunda-feira, 21, percorreram 80 km de estrada de chão, onde a visibilidade em muitos trechos era praticamente impossível devido a poeira que se criava pelo tráfego dos veículos.
Além da poeira, as bifurcações geravam dúvidas para qual direção seguir. As pontes de madeiras sob os igarapés, poucos metros de distância de curvas acentuadas ou logo nas descidas de algumas ladeiras inclinadas, também forçavam a atenção dos condutores, responsáveis pela segurança do trajeto para levar pessoas e equipamentos a bem dos cidadãos locais e garantir o sucesso da atividade.
Após percorrer cerca de duas horas e meia entre ramais – estradas não pavimentadas -, abrindo e fechando porteiras em propriedades privadas, as equipes chegaram à Reserva Extrativista Chico Mendes. De lá, foram até o porto e embarcaram em barcos para subir o Rio Iaco. O percurso que deveria levar duas horas e meia, se estendeu para cinco horas devido ao baixo nível das águas.
Com apoio da Defesa Civil de Assis Brasil, nove barcos transportaram as equipes e os materiais por 40 quilômetros até a aldeia Jatobá, na terra indígena Mamoadate. Devido à seca do rio, grande parte do trajeto foi feito a pé, empurrando as embarcações. Sob o céu estrelado, as equipes chegaram ao barranco de nove metros que dá acesso à aldeia.
Composta por 27 famílias, a aldeia Jatobá, como explica o técnico em indigenismo, Samir Farias, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), embora seja atendida pela Comarca de Assis Brasil, está localizada em Sena Madureira. A região conta ainda com a terra indígena Riozinho do Iaco, que fica na margem oposta, em Assis Brasil. As duas terras abrigam as etnias de povos originários Manchineri e Jaminawa.
“As aldeias localizadas à direita do Rio Iaco, como a Jatobá, são pertencentes a Sena Madureira, e as localizadas à esquerda, de Assis Brasil. Mas para chegar a Sena Madureira, as famílias passam cinco dias de barco, por isso são atendidas por Assis Brasil”, explicou ele destacando que a locomoção é o maior desafio dos indígenas, principalmente nesse período de seca, quando o rio não favorece a navegabilidade dos barcos, seja para chegada ou para a saída das famílias.
Mais de 300 certidões com etnias acrescentadas
Foi Samir quem fez a triagem na terra Mamoadate, ainda em julho deste ano, para saber as necessidades da população. A maioria dos ouvidos queria acrescentar a etnia na segunda via da certidão de nascimento. Com o levantamento e os anseios dos indígenas, Samir procurou o TJAC para a possibilidade de executar uma edição do Projeto Cidadão na aldeia para garantir o direito desses povos originários.
Com o pedido deferido pela gestão do TJAC, presidida pela desembargadora Regina Ferrari, e contando com o apoio do Cartório de Assis Brasil, a ação foi organizada. E quem aproveitou a oportunidade, foi Cleiton Manchineri, que conseguiu tirar a segunda via da certidão de nascimento com as etnias acrescentadas dos cinco filhos. “É uma realização. Pensei que eu teria que ir à cidade resolver isso, com a vinda do Projeto Cidadão, facilitou demais. Não tem nem como explicar”, disse.
Enquanto Cleiton Manchineri conseguiu garantir o direito dos filhos, Edelson Batista de Araújo, da aldeia Mulateira, também entrou com pedido para ter o sobrenome indígena em sua certidão de nascimento. Com 42 anos, ele disse que muitas pessoas não acreditam que ele seja indígena.
“Quando vou fazer certas coisas burocráticas, as pessoas nada acreditam que foi indígena devido não constar na minha certidão. Fico meio envergonhado, pois parece que estou com conversa que não seja verdade. Falei com o pessoal do Projeto Cidadão e já dei entrada nisso. É uma mudança de vida. Vai facilitar demais a minha vida”, ressaltou.
A secretária de Programas Sociais do TJAC, Regiane Verçosa, enfatiza que esse esforço conjunto não apenas alivia as necessidades imediatas da comunidade indígena, mas também contribui para a preservação da cultura e do modo de vida deles.
“Foi um grande desafio chegarmos até aqui, mas conseguimos. É gratificante vê-los alegres quando recebem os atendimentos. Com a redução do nível do rio, o deslocamento para buscar serviços básicos se torna uma tarefa quase impossível, exacerbando as dificuldades já enfrentadas por essas comunidades. A oferta de atendimentos de saúde, cidadania, assistência social e jurídica diretamente nas aldeias promove a dignidade e a autonomia dos povos indígenas. Nossa missão é garantir a justiça, o direito da população, a inclusão, por isso, o Poder Judiciário do Acre enfrenta desafios para fazer valer o direito de todas e todos”, concluiu.
A edição do Projeto Cidadão nas terras indígenas contou com a prestação de diversos serviços públicos, como a expedição gratuita de documentos básicos (certidão de nascimento, certidão de casamento, carteira de identidade, CPF, carteira de trabalho, título de eleitor), atendimentos jurídicos, de saúde e previdenciários e conta com o apoio financeiro do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio do Convênio Plataforma +Brasil n.º 904427/2020, cujo objetivo é promover ações de cidadania e inclusão.