“Todos deveriam conhecer a pureza que há no coração de uma criança e como, por meio da leitura, é possível despertar os seus potenciais”. É com estas palavras que, orgulhoso, o pai da pequena Laura, Beto Lima, enfatiza a importância da leitura no desenvolvimento infantil.
Com apenas 8 anos, Laura Mota já tem duas obras publicadas de uma série infantil que ela mesmo criou. A realização do sonho contou com o apoio do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S), ligado à Secretaria de Estado de Educação, Cultura do Acre (SEE), e que atende, aproximadamente, 200 alunos com empenho acima da média em algumas áreas específicas.
Mentes brilhantes sempre se destacam em meio à multidão, mas precisam ser identificadas, valorizadas e potencializada. E esse é o principal papel que o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) vem construindo na vida de diversos estudantes acreanos, desde 2007. O local oferece serviços educacionais especializados no que se refere à identificação e ao atendimento dos alunos com características de altas habilidades/superdotação (AH/SD) e à formação continuada dos profissionais que atuam na educação básica, ofertando, também, cursos livres à comunidade.
Até 2018, o núcleo funcionava dentro das escolas de ensino convencional, identificando e dando suporte a esses estudantes. Em 2019, ele passou a funcionar em um prédio próprio, onde foi montada a estrutura física com verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e emendas parlamentares. O objetivo é sempre o mesmo: atender os alunos de todas as cidades do estado. Além do núcleo em Rio Branco, há um polo em Cruzeiro do Sul.
Ingresso e atividades do núcleo
O órgão realiza diversas atividades, entre elas, estão o processo de identificação e/ou atendimento de alunos com características de superdotação indicados pelas famílias e escolas; oferta de atividades de suplementação curricular e extracurricular para os alunos e formação e orientação para os profissionais da educação e para a comunidade.
A equipe da GAZETA conversou com a chefe do NAAH/S, Jeane Machado, que contou como funciona o trabalho realizado e ingresso dos alunos. Segundo ela, a entrada é feita por meio de indicação e, conforme a disponibilidade de vagas, os alunos vão sendo inseridos no núcleo.
“O aluno entra na fila de espera, que vai depender da série e da área para qual é indicado e, a partir do momento em que surge a vaga, ele vai passar pelo processo de sondagem geral, em que é exposto a alguns documentos pedagógicos para análise geral e específica, a partir da área de interesse”, explica.
Jeane acrescenta que o tempo dessa investigação vai depender de cada pessoa, porque cada caso é único, porém, estima-se a duração desse processo entre seis meses a um ano e meio.
Ainda segundo a gestora, o parecer das crianças e adolescentes que são identificados com altas habilidades é embasado em várias análises, principalmente a teoria das concepções dos três anéis de Ansulin, em que o Ministério da Educação (MEC) se baseia.
Segundo dados do núcleo no Acre, de 2007 ao primeiro semestre de 2023 – último levantamento –, mais de 750 alunos foram atendidos, sendo 162 identificados, ou seja, com parecer pedagógico de superdotação. Atualmente, 200 estão sendo atendidos.
Da criatividade à escrita
O policial penal Beto Lima, de 35 anos, pai de Laura, conta como surgiu a paixão pela escrita e como foi esse processo de descoberta. “Desde muito pequena, aos dois anos, ela [Laura] já lia todo o alfabeto, sabia algumas palavras em inglês, e tudo o que a gente ensinava, ela rapidamente aprendia”, diz.
De acordo com o pai, Laura, além de escrever o livro, também desenha. Ele conta que a filha cria uma história, em duas horas, e realiza todo o projeto gráfico em cinco dias. A menina, inclusive, já escreveu três histórias em um único dia.
O lançamento do seu primeiro livro “As aventuras de Kiwi: A fome” ocorreu no último dia 8 de junho, e chamou atenção do Núcleo de Altas Habilidades, que convidou Laura para ser aluna. Desde então, foi iniciado o processo de investigação já que, atualmente, Laura é acompanhada por especialistas do local. Além disso, as obras da pequena foram revisadas, recebendo todo o apoio profissional.
Jeane relatou, com detalhes, como conheceu o talento da pequena escritora. Segundo ela, uma professora do Centro de Ensino Especial Dom Bosco, que também atua como coordenadora na faculdade em que o pai de Laura estuda, conheceu a história da menina. Por meio deste contato, a família conheceu o NAAH/S. “A partir disso e de uma conversa com Beto, a Laurinha foi indicada e matriculada no núcleo; começou o processo de investigação, que podemos dizer que foi bem rápido. Ela apresenta as altas habilidades de forma bem nítida, é uma escritora de mão cheia. Além disso, no caso da Laurinha, há a dupla excepcionalidade, já que ela tem o Transtorno do Espectro Autista (TEA) junto com as altas habilidades. O parecer dela é ainda mais complexo, mas, de fato, Laura é uma criança maravilhosa”, destaca.
Vencendo estereótipos
Infelizmente, a condição atípica de superdotação e altas habilidades ainda é vista com muito preconceito. Muitos acabam criando estereótipos de que pessoas com tal condição estão associadas à genialidade, o que pode gerar sentimentos de inadequação e problemas de identidade ou autoaceitação.
A superdotação caracteriza-se por um desenvolvimento intelectual acima da média, podendo representar especificidades em diversos campos do conhecimento, como intelectual, acadêmico, liderança, psicomotricidade e artes.
O conceito de altas habilidades/superdotação só passou a fazer parte da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que regulamenta a educação no país, em 2013. Naquele ano, foi promulgada a Lei nº 12.796, que altera a LDB e estabelece “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”.
Dois anos depois, em 2015, a Lei n° 13.234 foi promulgada para tornar obrigatório identificar, cadastrar e atender estudantes com estas características.
Uma visibilidade esperada
As pessoas que possuem altas habilidades ainda não são vistas. De acordo com estudos, estima-se que 5% da população brasileira tenha altas habilidades ou superdotação; no entanto, as estatísticas no Brasil são menores do que em outros países, devido às dificuldades de identificação nas escolas
Jeane Machado fala sobre e importância em haver mais visibilidade desses alunos. “A maior mensagem que pretendo deixar é que esse público existe. Eles possuem altas habilidades nas mais variadas áreas, tanto acadêmica, como criativa, produtiva, música, liderança, nos esportes, na dramaturgia, entre outras. Nós temos que tirar esses mitos que só quem tem altas habilidades de superdotação são aqueles que são bons em tudo, principalmente nas áreas acadêmicas, pois não é verdade”, declara.
A gestora acrescenta que esses alunos precisam serem identificados, incluídos e potencializados. “É importante estarem junto dos seus pares, para que eles possam socializar, interagir e ser realmente incluídos na sociedade, se sentirem pertencentes à sociedade e serem conhecidos”, finaliza.