Os efeitos nefastos dos aplicativos de apostas online, as chamadas bets, para a saúde e o bem-estar das pessoas que se viciam neles. Notícias trouxeram novas facetas do problema. O Intercept Brasil mostrou que influenciadores que anunciam as bets têm sua remuneração vinculada ao quanto perdem aqueles que são fisgados. Isso mesmo: eles ganham 15% de tudo o que as pessoas que eles recrutam perdem apostando. O contrato, revelado em meio a um processo judicial, desmonta de vez o argumento cínico dos influenciadores que afirmam não saber o mal que estão causando ao promover o vício no jogo.
Outra reportagem revelou que produtores de arroz e feijão percebem uma queda no consumo de seus produtos, que atribuem à perda de poder aquisitivo da população, causada pelo desperdício de dinheiro nas apostas.
O público-alvo preferencial é o mesmo: os mais pobres, que são naturalmente mais vulneráveis à tentação de conseguir um dinheiro fácil, que cai do céu.
Existem dois argumentos principais que se opõem a essa solução. Acredito que ambos são frágeis e insuficientes. O primeiro é aquele defendido pela equipe econômica do governo. O foco seria regularizar as empresas para arrecadar impostos. Os bilhões que viriam dessa arrecadação ajudariam a equilibrar as contas públicas – o grande, o único objetivo permitido a qualquer governo no Brasil. No entanto, a equação está sendo feita de maneira simplista.
Embora possa aumentar a arrecadação de impostos de um lado, o vício no jogo reduz a produtividade do trabalho e impacta negativamente o comércio, sem gerar praticamente nenhum emprego. Ele também aumenta a pressão sobre o SUS, dados seus efeitos nefastos sobre a saúde mental dos apostadores e de suas famílias, além de sobrecarregar os sistemas de seguridade social, conforme as pessoas perdem tudo para o vício.
Seria relevante investigar o impacto na arrecadação obtida com as loterias tradicionais exploradas pela Caixa Econômica.
É razoável pensar que as apostas nas bets, mais emocionantes, com resultados mais imediatos e que fornecem a aparência (enganosa) de reconhecimento a uma expertise, já que premiariam quem pretensamente é capaz de acertar resultados de eventos esportivos, em vez de ser pura e simples sorte – que esse tipo de aposta estaria drenando uma parte dos apostadores da Megasena ou da loteria federal.
O jogo online também é mais danoso. A loteria é um desperdício de dinheiro, mas ao comprar um bilhete de cinco reais posso sonhar com um prêmio de 200 milhões. Já as bets operam no modelo dos cassinos, ou seja, meu ganho depende diretamente do quanto eu aposto, o que cria o incentivo para um dispêndio muito maior de dinheiro.
Resumindo: o governo arrecada, mas gasta mais e também perde arrecadação. A conta está longe de ser vantajosa como a área econômica sugere. O outro argumento, diz respeito à liberdade individual.
Não poderíamos impedir as pessoas de jogar porque isso seria “paternalismo”, o que algumas tradições do pensamento liberal consideram o maior inimigo da liberdade.
A discussão é complexa, mas a solução liberal (cada um cuida da sua vida) não basta. Paternalismo é ruim, na medida em que nega ao outro a autonomia decisória. Mas queremos uma sociedade em que somos indiferentes aos destinos dos outros? E a “autonomia decisória” pode ser aceita sem discussão, num mundo em que somos sujeitos a todo tipo de pressão manipulatória por parte de interesses de quem pode mais?
Proibir as bets – é possível, usando os recursos tecnológicos que permitem tanto bloquear o acesso quando impedir os pagamentos – é uma medida responsável.
Limitar a divulgação, reduziria a participação criminosa de “influenciadores” e outros profetas da prosperidade enquanto seria uma boa medida enquanto os políticos brasileiros permanecem “adormecidos” estudando meios de também levarem vantagem.