Ontem eu passei em frente ao Cemitério da Filosofia. Talvez esse seja o nome de cemitério mais bonito que eu já vi. Só não é o nome de qualquer coisa mais bonito que eu já vi porque toda vez que lembro do vento italiano que se chama Bora, reforço meu desejo de vida longa. O cemitério tem esse nome porque parte dele foi construída na Chácara da Filosofia, cuja dona era Ana Brandina de Barros Silva. Ela teve 7 filhos e morreu aos 99 anos. Não consegui achar a informação de onde está enterrada. Já Maria Mercedes Féa está no Cemitério da Filosofia, campa 624, quadra 6, a mais visitada do lugar. Grávida de 6 meses, foi asfixiada pelo marido que despachou o corpo e algumas roupas em um baú endereçado a Bordeaux na França. Quando o baú, atracado no armazém do Porto de Santos, foi içado pelos marinheiros, se desmontou e revelou o cadáver. Giuseppe Pistone passou 22 anos na prisão.
Procurei por cemitério no Dicionário da Filosofia de Hilton Japiassu e Danilo Marcondes. Não tem. Mas se tivesse, estaria na página 41, entre os verbetes “caverna, alegoria da” e “certeza”. Faz sentido. Já o verbete “amor”, que foi a razão do assasinato alegada por Giuseppe, está na página 8. Tá até meio gasta a página 8 do meu dicionário. Tendência da sensibilidade suscetível a transportar-nos para um ser ou um objeto reconhecido ou sentido como bom. A definição ocupa quase meia página do dicionário e está dividida em 7 itens, este é o primeiro. O segundo diz do amor-desejo, amor-paixão, amor-sentimento e há ainda o do amor ablativo, do amor puro, do amor-próprio, do amor platônico e do amor fati.
Nenhuma delas tem qualquer ligação com o crime de Giuseppe, claro. A matéria de Boris Fausto na Revista Piauí dá mais detalhes sobre o caso. O que me chama de volta à página 8 é a quantidade de “ou” e “mas” na tentativa de explicação. Amor é difícil de explicar mesmo. No Dicionário Amoroso da Psicanálise de Elisabeth Roudinesco, a tentativa ocupa 10 páginas, e traz 41 personagens reais e fictícios. O meu volume está também grifado e amassado. O lugar mais visitado da filosofia e da psicanálise, exato como o túmulo de Maria Mercedes Féa, mas felizmente, vivo, vivíssimo. Senti um amor enorme por ela enquanto pesquisava a sua história. Um amor enorme por quem suou tentando (Roudinesco, Japiassu, Marcondes, Freud, Ferenczi, Lacan, Klein, os outros filósofos e poetas todos). Mas talvez seja precisamente isso, um verbete do sentir e não do entender. Nas certezas, nas incertezas e nas buscas fora da caverna que não nos falte amor. Boa semana, queridos.