Assédio, violência e, principalmente, xenofobia. Estas são algumas das denúncias que estudantes brasileiros que fazem o curso de Medicina em universidades na Bolívia. A situação está tão grave que, no último dia 18, manifestantes protestaram contra a morte de um aluno brasileiro que estagiava em um hospital na região de Punata, em Cochambamba, e que, por conta dos supostos maus-tratos sofridos, acabou tirando a própria vida.
As principais acusadas são duas grandes universidades da Bolívia, acusadas pelos alunos por crimes de extorsão, tortura e assédio moral e sexual supostamente cometidos por professores. Além disso, estudantes brasileiros estariam sofrendo por preconceito, discriminação e conflitos com os colegas bolivianos. Agora, representantes dos alunos na Bolívia pedem intervenção do governo brasileiro.
Acreanos também são vítimas
Por conta da proximidade e preços baixos, é comum que os acreanos façam cursos na Bolívia. Um dos exemplos são os estudantes da primeira turma de Medicina da Universidade Amazónica de Pando (UAP), em Puerto Evo Morales, na fronteira com Plácido de Castro, no interior do Acre.
À GAZETA, uma estudante de 26 anos, que preferiu não ter o nome revelado, contou que estuda na UAP desde abril deste ano, quando a universidade abriu. Ela explica que, desde o início, as promessas foram grandes: os brasileiros teriam, no início, inúmeros benefícios caso estudassem lá. Não é o que ocorre, segundo Ana.
Rio-branquense, a jovem teve de se mudar para Plácido de Castro para ficar mais próximo à universidade e, segundo ela, atualmente, a UAP não dispõe de laboratório de anatomia, por exemplo, que seria básico para uma turma de medicina. “Além do próprio acesso à universidade [por meio de ramal de difícil acesso]. A gente foi aguardando, pensando que a universidade ia melhorar, mas não foi o que ocorreu.”
No último dia 20, ainda segundo Ana, foi formalizado um boletim de ocorrência em que uma aluna denunciava não apenas o abuso psicológico, mas sexual. “Após formalizarmos o B.O., a situação piorou mais: os professores passaram a nos perseguir. Inclusive, uma prova foi anulada em todo o curso por conta do erro de apenas um aluno, o que não é justo. Tentamos dialogar, mas não foi possível”.
Apoio de políticos brasileiros
O deputado federal Roberto Duarte (Republicanos) enviou um e-mail ao Embaixador Bruno Risios Bath, representante do ministro das Relações Exteriores e chefe da Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos (AFEPA), em que solicita do Itapamaraty uma atitude de forma a coibir que tais abusos continuem ocorrendo.
“A simples suspeita de que tais atos estejam acontecendo contra estudantes brasileiros, exige uma ação preventiva”, diz o documento.
Além disso, Duarte relembra a vida de Sebastião Brasileiro, brasileiro que, por conta dos supostos abusos, tirou a própria vida. “Estamos tratando de jovens em busca do sonho de estudar medicina, pagando preços altos, muitas vezes com o sacrifício de suas economias, e que se veem às voltas com maus-tratos e abusos das mais diversas formas”, reiterou o parlamentar.
Em resposta, a AFEPA informou que “o Itamaraty tem conhecimento de que a grande população de estudantes brasileiros no país andino enfrenta situações especialmente desafiadoras e mantém constante interlocução com as autoridades bolivianas, com vistas a defender os interesses e melhorar as condições de vida de nossos compatriotas” (veja nota completa abaixo).
O senador Alan Rick (União Brasil) também se manifestou. “Ao longo dos últimos dias, temos recebido vários relatos de torturas e maus-tratos contra estudantes brasileiros de medicina durante o internato em hospitais da Bolívia. Nossa equipe está levantando essas denúncias e relatos para que possamos tomar providências junto às autoridades bolivianas e brasileiras”, explicou.
A GAZETA entrou em contato com a UAP, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto.
Leia a resposta da AFEPA na íntegra:
A Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos (AFEPA) acusa recebimento da mensagem, que agradece, e informa, com base em elementos da área de assistência consular, que o Itamaraty recebeu, com consternação, a notícia da morte do nacional brasileiro Sebastião Machado Santos em Cochabamba.
O Consulado-Geral do Brasil naquela cidade está acompanhando os desdobramentos do caso e presta toda a assistência consular cabível aos familiares do brasileiro. O Vice-Reitor da “Universidad de Aquino – Bolivia – UDABOL”, onde Sebastião estudava, manifestou ao consulado o comprometimento da instituição em ajudar no que for cabível.
A Embaixada do Brasil em La Paz e as cinco repartições consulares com que o Brasil conta na Bolívia estão preparadas para prestar assistência aos cerca de 78 mil nacionais radicados naquele país. O Itamaraty tem conhecimento de que a grande população de estudantes brasileiros no país andino enfrenta situações especialmente desafiadoras e mantém constante interlocução com as autoridades bolivianas, com vistas a defender os interesses e melhorar as condições de vida de nossos compatriotas.
Nesse sentido, por iniciativa do Brasil apresentada no âmbito do Mecanismo de Consultas Consulares Brasil-Bolívia, estão em curso tratativas em torno da negociação de acordo bilateral para garantir o acesso de brasileiros ao sistema de saúde boliviano, medida de particular interesse dos estudantes, em sua maioria de origem social modesta, que têm dificuldades para arcar com custos de tratamento e internação e são mais propensos a sofrerem acidentes e apresentarem problemas de saúde mental.
O embaixador do Brasil em La Paz reuniu-se, em 20/11, com a senadora boliviana Corina Ferreira Dominguez, presidente da Comissão de Política Social, Educação e Saúde, a pedido da parlamentar, para intercambiar informações sobre o falecimento do brasileiro e a situação dos estudantes. Participaram do encontro representantes da Defensoria Pública e a vice-ministra de Gestão do Sistema Nacional de Saúde da Bolívia. Na ocasião, o representante do Ministério Público informou ter sido aberto inquérito para apurar os fatos e que deverá ser aberto processo penal para determinar eventuais responsabilidades penais e administrativas.
Os representantes bolivianos presentes no encontro reconheceram as dificuldades enfrentadas para coibir casos semelhantes, em função da inexistência de canal de denúncias para que os residentes encaminhem suas queixas sobre falhas dos programas de formação de residência médica, assim como da falta de regulamento departamental sobre o tema. A senadora indicou que estaria sendo desenvolvido regulamento nacional para coibir episódios de maus-tratos, mas ponderou que a habilitação de cursos de medicina é de responsabilidade departamental. Aduziu que as diretrizes baixadas pela pasta boliviana da saúde não se aplicam às universidades privadas.
A Embaixada do Brasil questionou a prática de castigos físicos relatada por estudantes brasileiros e solicitou às autoridades bolivianas que divulguem canais aos quais os estudantes vulneráveis devem recorrer para encaminhar pedidos de ajuda. Apontou, nesse sentido, a necessidade de que sejam preparados materiais informativos aos alunos que tratem de direitos e obrigações, e que exista um canal de reclamações para que os casos identificados sejam apurados e os alunos protegidos.
Em reação, os representantes da Defensoria mencionaram a instalação de um guichê de direitos humanos junto aos hospitais (o de Cochabamba já estaria em atividade), bem como a realização de sessões de informação. A senadora indicou que o tema será pautado em sessão do Senado na próxima semana.
No que diz respeito especificamente às condições enfrentadas por brasileiros nos cursos universitários de medicina e nos programas de residência médica das universidades bolivianas, as representações diplomática e consulares brasileiras na Bolívia estão, neste momento, coletando informações que servirão de base para a tomada de novas providências na esfera consular.