“O Tratado de Petrópolis é um dos documentos mais controversos da História do Acre. E é curioso porque é, sem dúvida nenhuma, um documento oficial, o mais importante diploma oficial da História Nacional Brasileira do Acre”. As palavras são do historiador Marcos Vinícius Neves, e abordam a assinatura do tratado considerado a ‘certidão de nascimento’ do Acre. Neste domingo, 17, completam-se 121 anos do acordo diplomático entre Brasil e Bolívia, firmado em 1903, em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
O tratado encerrou a disputa territorial pelo Acre entre os dois países. Desde 1750, a região fazia parte do território boliviano e, com a assinatura, houve a venda do território do Acre para o Brasil; a cessão de territórios brasileiros para a Bolívia, como a Bahia Negra e o Triângulo do Abunã; o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas à Bolívia; o compromisso do Brasil em construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e a garantia da liberdade de trânsito pela ferrovia e pelos rios até o oceano Atlântico.
Segundo Neves, o tratado é um documento do estado brasileiro que reconhece a necessidade de incorporar o território acreano ao Brasil pela força maciça dos brasileiros que viviam no local à época. Portanto, ainda de acordo com o historiador, o tratado assume uma posição essencial nessa transformação.
“Por outro lado, ele é um dos documentos menos compreendidos e menos conhecidos da História do Acre e, portanto, da História do Brasil por diversos motivos. O principal deles é porque, como acontece em alguns tratados de limites, tratados internacionais entre países, muitos dos acontecimentos que giram em torno do Tratado de Petrópolis são nebulosos e muito difíceis de serem esclarecidos”, afirma o historiador.
Ele acrescenta que isso se dá porque boa parte da documentação oficial produzida pelo Estado brasileiro e outros países acerca dessa questão permaneceu, desde a sua negociação e assinatura, há 121 anos, em sigilo absoluto pelo Estado brasileiro. “Existe uma série de documentações do Itamaraty que nunca foram liberados para pesquisadores ou cidadãos interessados em conhecer melhor os termos e os processos que levaram a assinatura do tratado de Petrópolis da forma que foi feito”, complementa.
Vinicius acrescenta ainda que, se não acontece o acesso a esses documentos, que atestam todo este processo, sobram informações de casos mal explicados em torno da assinatura do tratado. “Por exemplo, uma das coisas que mais se conta é que o Barão do Rio Branco sumiu com o famoso Mapa da Linha Verde. Durante as negociações, esse mapa só veio a aparecer depois da conclusão das negociações, porque o mapa daria razão total à Bolívia e dificultaria as pretensões brasileiras sobre a anexação do Acre ao Brasil”, reforça, relembrando que, há alguns anos, um historiador boliviano veio ao Acre e causou controvérsia com o governo brasileiro. Isto porque o Brasil nunca pagou à Bolívia a indenização prevista no tratado, de 2 milhões de libras esterlinas. “Não se sabe se o historiador boliviano tinha algum motivo concreto nessa acusação ou se era apenas um panfleto político que ele soltou por aqui na época da vinda dele”.
Como a documentação permaneceu ultra secreta e nunca foi devidamente liberada para consulta pública e para pesquisa, se diz que há muitos casos de corrupção de autoridades envolvendo negociações que levaram à assinatura do Tratado de Petrópolis. “Não é um caso isolado na diplomacia brasileira. Desde a época de Portugal, Alexandre Guzmão engendrou um grande golpe no governo da Espanha na época do Tratado de Madri, em 1750. Eles usam o soft power, o ‘poder mais suave’, como nenhum outro poder das repúblicas nacionais da nossa civilização ocidental”.
Marcos afirma achar curioso porque o Tratado de Petrópolis guarda, em si, toda a ambiguidade. “É o mais importante diploma oficial do governo brasileiro sobre a questão do Acre, mas também um dos documentos mais controversos da história brasileira no que diz respeito ao Acre”, finaliza.