A imprensa noticia sem grande alarde que o governo israelense assina um cessar-fogo (no Líbano) num dia e intensifica os bombardeios no outro. De Gaza, o jornalismo tradicional quase não fala mais. Israel matou quantos repórteres pôde, é verdade. As notícias vêm de quem continuar lá, nas redes sociais. Os alvos de Israel são precisos: drones explodem caixas d’água, o cozinheiro que tentava alimentar os famintos é assassinado. Empreendedores imobiliários já anunciam condomínios para colonos israelenses na Faixa de Gaza. O objetivo de Israel é óbvio: varrer do mapa os palestinos e a Palestina. Terminar a empreitada colonial iniciada no século passado. Os habitantes nativos devem ser mortos ou expulsos do território. É a “solução final” do “problema palestino”, sonhada – e agora sendo posta em prática – pelo sionismo. Ao mesmo tempo, seus porta-vozes intensificam a ofensiva junto à opinião pública. Com nos horrores do genocídio longe dos olhos da maior parte das pessoas, reforçam suas narrativas.
O preconceito contra judeus tem aumentado, algo certamente lamentável e condenável. Mas é difícil ter uma estimativa razoável, uma vez que a máquina de desinformação do StandWithUs, da Conib e de organizações similares confunde, deliberadamente antissemitismo com críticas ao Estado de Israel e antissionismo (a oposição ao projeto colonial de expulsão dos palestinos de sua terra). Seria de perguntar também como essa retórica, no final das contas, fomenta o antissemitismo: como, ao tentar associar todo um povo com as práticas assassinas de um Estado, contribui para que a repulsa a Israel seja estendida aos judeus. Na verdade, as organizações sionistas se preocupam mesmo com a defesa de Israel, pouco se importando com os judeus.
A perseguição feroz que fazem a todos os judeus que se pronunciam em solidariedade ao povo palestino. Outra prova é a utilização do sofrimento dos judeus durante o nazismo como escudo contra críticas a Israel – algo que é denunciado, há muito tempo, por muitos sobreviventes e descendentes de sobreviventes dos campos de extermínio alemães. É triste, mas verdadeiro: hoje, quando vemos um texto sobre o Holocausto, temos que investigar se é uma denúncia e memória de um genocídio passado – ou a justificativa velada para um genocídio presente. No início da fase atual da matança do povo palestino, quando estávamos ainda todos muito impactados pelas notícias sobre a operação terrorista do Hamas, incluindo as muitas mentiras israelenses depois desmascaradas, “sionistas de esquerda” ergueram suas vozes em favor de Israel.
Lamentável o uso “terrorista” em sentido neutro, como ação violenta contra alvos civis. O terrorismo fez parte, historicamente, do repertório de movimentos de libertação nacional, como reação ao colonialismo que pode ser visto – e Israel é um exemplo eloquente – como um terrorismo estatal permanente e normalizado contra as populações nativas.
Falar em “sionistas de esquerda” é um contrassenso, é como pensar em “nazistas pelos direitos humanos”, sabemos que humanos são cheios de contradições. Depois, conforme as atrocidades israelenses foram se tornando mais e mais terríveis, eles foram se calando. Seria bom que voltassem a se pronunciar – reconhecendo o erro e assumindo a defesa do povo palestino.
Há muitos judeus, pelo mundo afora, que estão na linha de frente do combate a Israel. Pessoas que vencem o desafio que se impõe a cada um de nós e que é tanto mais difícil quanto mais somos presos a uma identidade muito marcada: fazer com que nossa humanidade supere nosso pertencimento tribal. Certamente, entre eles estão os 36 justos que, segundo a lenda judaica, garantem que o mundo continue a existir.