Se estivesse vivo, Chico Mendes completaria 80 anos neste mês. No entanto, sua trajetória foi interrompida de forma trágica em 22 de dezembro de 1988, quando foi assassinado aos 44 anos em sua própria casa, em Xapuri, no Acre. O sindicalista e ativista que lutou pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos seringueiros, deixou um legado que ainda hoje inspira movimentos de defesa do meio ambiente e das populações tradicionais.
Para Ângela Mendes, sua filha com a primeira esposa, Eunice Feitosa Mendes, a trajetória do pai é marcada por uma luta incansável por um futuro melhor para a Amazônia. “Se ele estivesse vivo, acredito que veria uma Amazônia mais preservada e um lugar melhor para viver”, reflete Ângela, que segue seu caminho como ativista socioambiental.
De seringalista a defensor do planeta
Chico Mendes nasceu no seringal Porto Rico, no Acre, e trabalhou desde os 11 anos, em condições precárias, nos seringais da região. Foi lá que começou a tomar consciência das desigualdades e da exploração da floresta. Após ser alfabetizado aos 16 anos por Euclides Távora, um militante comunista cearense, Chico se envolveu em movimentos que defendiam os direitos dos seringueiros e a preservação da floresta.
“Chico sempre dizia que no início pensou que estava defendendo apenas os seringueiros, depois a floresta. Mas, com o tempo, ele entendeu que estava defendendo o planeta”, lembra o amigo e militante Gumercindo Rodrigues, conhecido como Guma. Para ele, o ativismo de Chico Mendes não só mobilizou trabalhadores rurais, mas também inspirou a criação de novas formas de luta, como a Aliança dos Povos da Floresta, que uniu extrativistas, indígenas, ribeirinhos e outros povos tradicionais.
A luta pela terra e pela floresta
Uma das primeiras estratégias de resistência adotadas por Chico Mendes foi o “empate”, uma tática pacífica que envolvia a mobilização de seringueiros e suas famílias para impedir o avanço dos desmatadores. “O empate foi uma forma de resistência direta. O objetivo era impedir que os latifundiários avançassem sobre a floresta, garantindo que a ordem dos grandes proprietários de terra fosse ‘empatada’ pela força da união dos trabalhadores”, explica Guma.
A criação das reservas extrativistas (Resex) e do Conselho Nacional dos Seringueiros foi outro passo importante na luta de Chico Mendes, ao tentar garantir a regularização fundiária para os povos tradicionais e promover um modelo de desenvolvimento sustentável, baseado no respeito ao meio ambiente e às práticas ancestrais de uso da terra.
Legado e desafios para o futuro
Para Ângela Mendes, o conceito de Resex, que permite a convivência das populações tradicionais com a floresta de forma sustentável, continua sendo uma das maiores contribuições de Chico Mendes. “Ele abriu portas para que as pessoas pudessem permanecer na floresta e cuidá-la de forma harmoniosa. Hoje, está claro que as populações tradicionais têm uma relação profunda com seus territórios, sendo verdadeiros guardiões da natureza”, afirma.
A luta por educação também estava presente no pensamento de Chico. A criação do Projeto Seringueiro, que levou a alfabetização para adultos nos seringais, foi um reflexo da sua própria experiência com a educação tardia. A iniciativa, apoiada por universitários e liderada pela antropóloga Mary Allegretti, se tornou um símbolo de resistência à ignorância e um passo importante na emancipação dos povos da floresta.
Chico Mendes na memória e na ação
Chico Mendes continua vivo nas ideias e nas ações de muitas pessoas que foram tocadas por sua luta. Sua filha, Ângela, lembra de momentos de solidariedade e generosidade vividos com o pai. “Ele era uma pessoa muito carismática, que inspirava a confiança e a fraternidade entre seus companheiros. Quando fui visitar o pai, encontrei todas as roupas do seringueiro espalhadas no chão. Ele havia colocado tudo o que tinha à disposição para abrigar seus companheiros que não tinham onde dormir”, recorda Ângela.
Para Guma, a partida precoce de Chico Mendes foi um golpe duro para a Amazônia e para o movimento de defesa da floresta. “Ele era um líder extremamente eficiente, capaz de unir pessoas e construir pontes entre diferentes setores. Se tivesse vivido mais, teria mobilizado ainda mais gente para essa causa”, diz.
O futuro da Amazônia e o legado de Chico Mendes
Em meio aos desafios atuais da Amazônia, como o aumento do desmatamento e das queimadas, tanto Ângela quanto Guma destacam a importância de dar continuidade ao trabalho iniciado por Chico Mendes. Para Guma, é essencial que o Brasil atinja o desmatamento zero em todos os biomas e que os responsáveis pelo desmatamento sejam obrigados a reparar os danos causados à natureza, plantando árvores nativas, por exemplo. “A responsabilização civil é a melhor punição. O futuro da Amazônia depende de garantir que suas florestas permaneçam em pé”, afirma.
Ângela acrescenta que é fundamental olhar para o futuro, especialmente para a juventude dos territórios tradicionais, que é a chave para a preservação e o bem-estar dessas comunidades. “Precisamos garantir acesso a direitos e políticas públicas que mantenham os jovens nos seus territórios, com um forte senso de pertencimento e de proteção ao meio ambiente”, conclui a filha de Chico Mendes.
*Com informações da Agência Brasil