Melhorar a dieta costuma figurar na lista de resoluções do ano novo, principalmente após os exageros das festas de dezembro. Um estudo publicado na revista Neurology pode ser o empurrão que faltava. Segundo pesquisadores da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, uma combinação de dois padrões alimentares — mediterrâneo e dash — está associada a um risco menor de comprometimento cognitivo.
A chamada dieta mind foi desenvolvida na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, com objetivo de ajudar a prevenir demências. “É um padrão alimentar voltado especialmente para a saúde cerebral e a prevenção de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer”, explica a nutricionista esportiva Rayanne Marques, de Brasília. “Ele prioriza o consumo de alimentos ricos em nutrientes que beneficiam o cérebro, como frutas vermelhas, vegetais folhosos, azeite de oliva, peixes e nozes, enquanto limita o consumo de carnes vermelhas, manteiga, queijos, doces e alimentos industrializados”, detalha.
O estudo da Universidade de Cincinnati foi realizado com dados de 14.145 pessoas, com idade média de 64 anos. Dos participantes, 70% eram brancos, e 30%, negros. Eles foram acompanhados por uma década. “Com o número de pessoas com demência aumentando devido ao envelhecimento da população, é fundamental encontrar mudanças que possamos fazer para atrasar ou retardar o desenvolvimento de problemas cognitivos”, disse, em nota, o autor, Russell P. Sawye. “Estávamos especialmente interessados em ver se a dieta afeta o risco de comprometimento cognitivo dos participantes.”
Pontuação
Os participantes preencheram um questionário sobre sua dieta no ano anterior. Os pesquisadores analisaram até que ponto os alimentos correspondiam ao padrão mind. Então, eles atribuíram um ponto para cada item, de acordo com a frequência em que apareciam no prato. Quanto mais porções diárias de grãos integrais, vegetais, frutas vermelhas e feijões, e quanto menos consumo de carne vermelha, alimentos processados, frituras, doces e manteiga/margarina, maior a pontuação. O total possível foi 12.
Os pesquisadores dividiram os participantes em três grupos. O grupo com pontuação mais baixa contabilizou, em média, cinco pontos. O do meio, sete. Já os do topo acumularam nove. Durante o estudo, o comprometimento cognitivo se desenvolveu em 532 pessoas: 12% das incluídas no primeiro agrupamento; 11% no segundo e 10% no último.
Após ajustar fatores, como idade, pressão alta e diabetes, os pesquisadores descobriram que as pessoas do grupo com maior pontuação tinham um risco 4% menor de comprometimento cognitivo em comparação com aquelas com menos pontos. A redução de risco foi especialmente observada entre mulheres (6%).
Velocidade
Os cientistas também investigaram a velocidade de raciocínio dos participantes à medida que resolviam problemas. Aqueles com padrão alimentar mais próximo à dieta mind tiveram uma redução mais lenta, uma associação mais forte nas pessoas negras. “Essas descobertas merecem estudos mais aprofundados, especialmente para examinar esses impactos variados entre homens e mulheres e pessoas negras e brancas, mas é emocionante considerar que as pessoas poderiam fazer algumas mudanças simples em sua dieta e, potencialmente, reduzir ou retardar o risco de problemas cognitivos”, acredita Swaye.
Embora o estudo seja observacional — não estabelece uma relação de causa e efeito —, há algumas pistas sobre a ação dos alimentos priorizados no padrão mind e o risco reduzido de comprometimento cognitivo. A endocrinologista Deborah Beranger, do Rio de Janeiro, explica que a ideia dessa dieta é fornecer nutrientes para o cérebro para manter saudáveis as estruturas do tecido cerebral e as funções do sistema nervoso, em geral. “A manutenção dessas estruturas é essencial para a passagem de estímulos e comunicação entre os neurônios, células do sistema nervoso que precisam de glicose como principal substrato para manter suas funções, e de aminoácidos, presentes nas proteínas, para sintetizar neurotransmissores e fazer as reposições”, diz.
Deborah Beranger destaca que, no caso da prevenção do comprometimento cognitivo, um dos pontos favoráveis da dieta é a presença de flavonoides, substâncias que atuam como antioxidantes e evitam a inflamação dos tecidos cerebrais. A médica também destaca o ômega-3, ácidos graxos encontrados principalmente em peixes de águas profundas. “Eles podem prevenir a inflamação relacionada à idade e estresse oxidativo em células cerebrais, além de outros benefícios relacionados ao cérebro, incluindo a prevenção de doenças neurodegenerativas, como as demências e o declínio cognitivo.” Segundo a endocrinologista, castanhas-do-pará, nozes, amêndoas e sementes de chia e linhaça também têm a substância.
Adaptação
A nutricionista esportiva Rayanne Marques lembra que, embora desenvolvido nos EUA, o padrão alimentar está bem adaptado à cultura brasileira. “Muitos dos alimentos recomendados na dieta mind fazem parte da dieta brasileira ou possuem equivalentes acessíveis, como a couve no lugar de espinafre, o uso de castanhas brasileiras e o consumo de peixes, como sardinha, que são nutritivos e econômicos”, diz. “Além disso, o Brasil tem uma grande variedade de frutas e vegetais que se encaixam nesse padrão alimentar.”
Além de proteger o cérebro e reduzir o risco de Alzheimer, a dieta mind traz outros benefícios, aponta a nutricionista. “Ela melhora a saúde cardiovascular, e reduz o risco de hipertensão, colesterol alto e doenças do coração. Por ser rica em fibras e alimentos naturais, auxilia na saciedade e na manutenção de um peso saudável”, diz. A ingestão de frutas, vegetais e gorduras saudáveis combate os radicais livres e inflamações no organismo, prevenindo doenças crônicas.
No dia a dia
Saiba como aderir ao padrão alimentar mind
Os itens saudáveis sugeridos pelas diretrizes da dieta mind incluem:
- 3 ou mais porções de grãos integrais por dia
- 1 ou mais porções por dia de vegetais (exceto folhas verdes)
- 6 ou mais porções por semana de vegetais de folhas verdes
- 5 ou mais porções de nozes por semana
- 4 ou mais porções de feijão por semana
- 2 ou mais porções de frutas vermelhas por semana
- 2 ou mais porções de ave por semana
- 1 ou mais porções de peixe por semana
- Usar azeite de oliva como fonte de gordura.
Os itens não saudáveis, que são mais ricos em gordura saturada e trans, incluem:
- Menos de 5 porções de doces e tortas por semana
- Menos de 4 porções de carne vermelha por semana (incluindo carne bovina, suína, de cordeiro e produtos feitos com essas carnes)
- Menos de uma porção de queijo e alimentos fritos por semana
- Menos de 1 colher de sopa de manteiga/margarina em barra por dia
Fonte: Universidade de Harvard
Como incorporar a dieta mind na rotina:
- Reduzir o consumo de carne vermelha: experimente incluir mais refeições à base de peixes, ovos ou leguminosas, como feijão, grão-de-bico e lentilha
- Trocar industrializados por naturais: substitua lanches ultraprocessados por oleaginosas ou frutas frescas
- Aumentar o consumo de vegetais: acrescente vegetais folhosos verdes em pelo menos duas refeições diárias
- Cozinhar com azeite de oliva: substitua óleos vegetais por azeite, rico em gorduras saudáveis
Fonte: Rayanne Marques, nutricionista esportiva
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Incentivo público
Políticas públicas podem utilizar os dados de pesquisas sobre padrões alimentares para implementar programas de educação nutricional, incentivando hábitos alimentares saudáveis desde cedo. Medidas como a inclusão de alimentos ricos em nutrientes neuroprotetores na merenda escolar, campanhas de conscientização sobre a importância da dieta para a saúde do cérebro e subsídios para tornar alimentos saudáveis mais acessíveis podem ter impacto significativo na prevenção de doenças neurodegenerativas. Diretrizes de saúde pública poderiam incluir orientações sobre padrões alimentares como o mind, promovendo ações integradas entre governos, profissionais de saúde e a sociedade.
Maciel Pontes, neurologista no Hospital de Base do Distrito Federal
“Janeiro seco”, menos álcool
Há alguns anos, popularizou-se, nas redes sociais, o movimento “janeiro seco” — é uma espécie de desafio para se manter totalmente abstêmio de álcool no primeiro mês do ano. Uma pesquisa recente da Statistica mostrou que, nos Estados Unidos, 75% das pessoas entre 21 e 24 anos pretendem participar. Já os entrevistados acima dos 55 estão menos dispostos a passar 31 dias sem beber: apenas 31% abraçaram a ideia.
“Pense dessa forma, o álcool é como um convidado furtivo na sua festa, pode parecer divertido no começo, mas pode causar estragos nas células do seu corpo”, diz Jamie Koprivnikar, oncologista do John Theurer Cancer Center da Hackensack Meridian Health, nos Estados Unidos. “Com o tempo, esse dano pode levar a mutações que aumentam o risco de desenvolver câncer.”
Segundo o médico, reduzir o consumo de álcool pode melhorar a saúde geral, ajudar a cortar calorias e melhorar o sono. Koprivnikar destaca que uma pesquisa mostrou que a diminuição ou a abstemia total reduzem o risco de desenvolver cânceres associados ao álcool (como de boca) em 8%, e de todos os tipos em 4%, comparado às pessoas que mantêm ou aumentam o consumo da bebida.
“Quanto mais você bebe, maior o risco”, destaca o oncologista. “Mesmo bebedores moderados (aqueles que tomam até uma bebida por dia para mulheres ou duas bebidas por dia para homens) têm um risco maior de desenvolver certos tipos de câncer em comparação com os que não bebem”, alerta.
Coração
Além do câncer, o álcool é conhecido por aumentar o risco de doenças cardiovasculares. Um estudo com 432.265 pessoas nos Estados Unidos demonstrou que mesmo em quantidades modestas a bebida pode impactar negativamente o sistema circulatório. “Há muito tempo existe a ideia de que o álcool é bom para o coração — mas estamos vendo evidências crescentes desafiando essa noção”, disse, em nota, o autor principal, Jamal S. Rana pesquisador adjunto da Divisão de Pesquisa da instituição Kaiser Permanente.
A pesquisa identificou que mulheres jovens e de meia-idade que relataram beber oito ou mais doses por semana tinham entre 33% e 51% mais probabilidade de desenvolver doença cardíaca coronária em comparação com aquelas que ingeriam menos álcool. “Foi demonstrado que o álcool aumenta a pressão arterial e leva a alterações metabólicas associadas à inflamação e à obesidade, as quais aumentam o risco de doenças cardíacas”, complementou a autora sênior, Stacy A. Sterling. (PO)
Por Correio Braziliense