O príncipe Sidarta Gautama (563 a.C.), que, mais tarde, se tornaria o Buda Shakyamuni, ao atingir a iluminação, entendeu que todos viveriam quatro sofrimentos na vida: o nascimento, o envelhecimento, a doença e a morte. Até chegar à morte, no entanto, há uma vida, que geralmente é feita de histórias, dores, amores, ganhos e perdas.
Infelizmente, nem todos têm a sorte de ter um envelhecimento tranquilo: por vezes – além da limitação da própria velhice – vem a solidão, o abandono, a dor e a tristeza. É de senso comum que, esporadicamente, há o esquecimento de que todos serão idosos e, além da própria dor de um corpo vivido, há a inevitabilidade de enfrentar o desgaste físico e mental que acompanha o passar dos anos.
No Acre, há um local que, há 71 anos, acolhe aqueles que chegaram à idade mais avançada: o Lar Vicentino Raimunda Odília. Atualmente, a casa de acolhimento abriga 40 idosos, sendo 32 homens e 8 mulheres, e essas pessoas são mais que os números que acompanham suas certidões de nascimento: são, como todos os seres humanos, histórias.
A GAZETA esteve, nesta segunda-feira, 13, no Lar Vicentino e conversou com a diretora, Waldenize Rebelo, e moradores da casa. Infelizmente, o local precisa de uma reforma, já que a última ocorreu há mais de 18 anos, em 2006 e, segundo Waldenize, melhorias significam uma qualidade de vida mais efetiva aos residentes. Em setembro de 2024, o governo anunciou a reforma, com um valor total de R$ 2,4 milhões, sendo R$ 2,1 milhões referentes do Estado e R$ 300 mil do governo federal. Ainda há um valor a mais a ser repassado pelo município, segundo a gestora, que seria igual ao montante do governo.
“Cada idoso aqui tem o seu quarto como a sua casa, é assim que eles se referem, por isso a importância de dar acolhimento. Alguns dos atuais quartos têm janelas que não barram o vento, e deixam as noites mais frias. Precisamos de um ambiente limpo, sem goteiras, sem umidade, com um chão adequado para não haver acidentes, rampas de acesso, além de ampliar os espaços para que cada quarto tenha um banheiro. É sobre a vida dessas pessoas”, explica.
Waldenize acrescenta que o Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) já interviu e recomendou uma reforma ao local, o que a diretora acredita ser de suma importância para o bem-estar dos residentes. “O MP tem sido um grande parceiro, pois, além de fiscalizar, ele dá o apoio. Além disso, nós, que trabalhamos aqui, temos de dar esse apoio aos moradores. Tem dias em que há o luto, as perdas, mas é gratificante trabalhar aqui, se doar para aqueles que, muitas vezes, foram negligenciados, sofreram violências”, disse.
A história de Samira
Samira Boaventura tem 82 anos e é uma das 8 mulheres que moram no Lar Vicentino. Dona de olhos azuis cativantes, a senhora é cheia de histórias, e conta de forma bem-humorada, por exemplo, da vez que fugiu de casa com destino ao Rio de Janeiro. “Fui fugida em um avião da FAB [Força Aérea Brasileira], ainda cheguei em São Paulo, mas o comandante me trouxe de volta depois de 14 dias”, conta, aos risos.
A senhora explica que tem esperado com ansiedade pela reforma na sua casa, como ela mesma se refere. “Aqui é tudo muito bom, as pessoas são boas, a cozinha é boa. Todo mundo nos trata muito bem. O que falta agora é apenas uma reforma: o lar está muito velho, precisamos de uma reforma para vivermos melhor aqui”, explica.
Ao final da conversa de Samira com a reportagem da GAZETA, ela reiterou. “Minha mensagem aos jovens hoje é que busquem Deus. Temos visto muitas dificuldades, muitas coisas difíceis. Ninguém fica jovem para sempre, por isso, temos que nos preparar e pensar no amanhã”.
Atuação do Ministério Público
O promotor de Justiça do MPAC que responde pela Promotoria da Pessoa Idosa, Daisson Teles, informou que esse trabalho, em específico, é voltado principalmente ao idoso em situação de vulnerabilidade. Recentemente, ainda conforme Teles, a equipe foi fortalecida com mais técnicos e conta com uma psicóloga e um assistente social, que fazem atendimento relativos principalmente às denúncias.
“E são vários tipos de denúncias que recebemos, os abusos praticados por familiares, como as de cunho financeiro, que são aquelas pessoas que subtraem o dinheiro do idoso, o cartão de crédito, o benefício. Também recebemos as denúncias referentes às negligências”, disse.
Durante a conversa com A GAZETA, Daisson relembrou de um caso em especial: o resgate de um idoso em situação de fome. “Acionamos a Polícia Militar para dar o apoio, resgatamos ele [o idoso], e hoje ele já está com outras pessoas da família, sendo bem tratado”, reiterou, acrescentando que o papel é justamente esse. “De fazer a intervenção, de checar as denúncias e apurar as responsabilidades”, esclareceu, afirmando que, em média, a promotoria recebe 60 denúncias por mês. “Nem sempre elas [as denúncias] se confirmam, mas assim que recebemos, já vamos verificar a situação”.
No que diz respeito ao Lar Vicentino, Daisson explicou que há uma parceria entre o Estado para o início de uma reforma. “Sabemos que, atualmente, as condições do lar são precárias. De posse desta propostas, nós já conseguimos, junto ao Estado, ao município e ao governo federal, o montante. O dinheiro já está praticamente garantido, mas o que precisamos agora é de um local para abrigar esses idosos desde o início à finalização das obras”, acrescentou, reforçando que o lar provisório deve ter condições mínimas para recepcioná-los. “Precisa reunir todas as condições necessárias”.
A expectativa é que a reforma dure ao menos um ano e oito meses. “Estamos aguardando o aval do Estado para iniciar as obras. Com as obras finalizadas, o local vai abrigar 60 pessoas, e não apenas 40, como é hoje”, reitera Teles.
Veja imagens do projeto do Lar Vicentino:
Iniciando um sonho
A diretora Waldenize diz que aguarda ansiosa pelas obras. “Você quer saber como é o trabalho? Passe um dia com a gente. São pessoas carentes, mas que merecem nosso carinho e nossa atenção”, definiu, emocionada.
O envelhecimento é inevitável. Nesse processo, muitas vezes, as pessoas se veem desconectadas das suas antigas rotinas, redes de apoio e até da própria identidade, o que pode gerar um profundo sentimento de vulnerabilidade. Em um mundo que valoriza a juventude e a produtividade, o envelhecimento pode ser visto como uma fase de declínio, quando, na realidade, deveria ser encarado como uma etapa valiosa da existência humana. Afinal de contas, só não envelhece quem morre jovem, e ninguém quer isso. A verdade é que envelhecer é uma dádiva, que deve ser tratada e respeitada como tal.