Com colaboração Anne Nascimento
“Toda pessoa deveria ser aplaudida de pé pelo menos uma vez na vida, porque todos nós vencemos o mundo.” A frase, do filme Extraordinário, pode ser uma síntese da história da pequena Laura, que, desde cedo, enfrenta – e vence! – os desafios no mundo em prol da realização de seus sonhos. Com apenas 8 anos, Laura, que é uma criança no espectro autista, já criou uma série de livros, tendo, inclusive, duas obras publicadas.
Com um hiperfoco em uma ave típica da Nova Zelândia, o kiwi, Laura criou o protagonista da sua saga literária. Seu pai, Beto Lima, contou como tudo começou a A Gazeta, explicando que foi ao conhecer o alfabeto e aprender a letra “K”, de kiwi, que a menina despertou seu interesse pelo animal. A partir daí, ela começou a desenhá-lo pela casa e chegou até a pedir uma pelúcia do animal. Com o passar do tempo, ela começou a criar histórias para seu amigo Kiwi.
A trajetória para realizar o sonho da filha não foi fácil. Beto relata que enfrentou diversos desafios para publicar o livro. “Primeiro, tive que estudar, me informar, entender todos os processos, os quesitos, as regras, montar todas as peças e poder realizar o sonho dela, que era ver suas histórias virarem livro de verdade. Os desafios são muitos. Nosso estado possui muitas limitações quando o assunto é produzir um livro. Então, tive que registrar na Câmara Brasileira do Livro e mandar o arquivo pra fora do estado para, assim, receber os livros prontos”, relata o policial.
O livro “As Aventuras do Kiwi: A Fome” foi publicado em 8 de junho de 2024 e é o primeiro de uma série de 15 livros, em que o Kiwi aventureiro busca desvendar o mistério de todos os kiwis da Terra sentirem fome. A venda do livro foi um sucesso e abriu portas para que Laura publicasse mais uma obra. No dia 28 de agosto de 2024, lançou “As Aventuras do Kiwi: O Meteoro”, desta vez com um enredo voltado para um meteoro que se aproxima da Terra, e o Kiwi aventureiro luta pela sobrevivência de sua espécie.

Beto reforça que, por Laura ter transtorno do espectro autista, ela não é uma criança muito verbal. Ela conversa pouco, e escrever é a sua melhor forma de se expressar.
Histórias como a de Laura inspiram cada vez mais ações do Estado e outros órgãos, como o Ministério Público do Acre (MPAC), que busca ajudar crianças com Transtorno de Espectro Autista (TEA) a realizarem seus sonhos, promovendo oportunidades, acessibilidade, apoio e assistência. Foi pensando nisso, inclusive, que surgiu o projeto “TEA – Eles não estão sós”, promovido pelo MPAC.
“TEA – Eles não estão sós”
O projeto “TEA – Eles não estão sós” é coordenado pelo Grupo de Trabalho na Defesa das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (GT-TEA) e teve como objetivo principal realizar um diagnóstico abrangente sobre o TEA em todos os 22 municípios do estado.
A responsável pelo projeto é a procuradora Gilcely Evangelista. A equipe do portal A GAZETA conversou com ela sobre a origem da iniciativa. Tudo começou, segundo a procuradora, com a criação do Grupo de Trabalho na Defesa das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (GT-TEA), com a sensibilidade e apoio do doutor Danilo Lovisaro, em vista da procura de várias mães ao MPAC pela busca de terapias para as crianças com TEA. A partir disso, viu-se a necessidade de ampliar o grupo para algo a mais e surgiu o projeto.

“A gente fez o mapeamento em todo o estado. Fomos a todos os municípios e, com isso, fizemos uma aproximação da sociedade dos autistas com o poder público, que estava muito distante. É um assunto ainda muito novo. Há muita discriminação, muito bullying, e foi justamente por isso que nasceu esse projeto”, relatou Gilcely.
Em sua primeira fase, o projeto promoveu diagnósticos, campanhas de conscientização e oficinas para agentes políticos e gestores estaduais. A expectativa é que haja verba para a segunda fase, voltada à implantação de políticas públicas para pessoas com TEA.
Entre as políticas propostas, Gilcely destaca a necessidade de tornar os Conselhos de Saúde, Educação e Assistência Social mais ativos e receptivos a esse público. “Principalmente em relação à saúde, com as terapias, os medicamentos e a assistência social”, afirmou. O projeto também identificou a existência de muitas mães solos com filhos nos níveis 2 e 3 do TEA. “Outro dado constatado é a escassez na educação no que diz respeito aos cuidadores e mediadores para esse público.”

Emocionada, a procuradora compartilhou sua vivência no projeto. “Descobri com as mães solos a perseverança. As mulheres são muito bravas. Não estou dizendo que os pais não sejam, mas vimos que a maioria dos cuidadores são mães solos. Isso abriu meu coração para dizer que o Ministério Público tem que abraçar esta causa, como abraçou. Então, estamos desenvolvendo esse trabalho relacionado ao público TEA. E isso se deve, como já disse, ao doutor Danilo Lovisaro”, declarou.

Capacitismo e inclusão
Ainda é evidente que muitas pessoas não estão preparadas para lidar com o público TEA. Trabalhar a inclusão é essencial para enfrentar os desafios do mundo atual. Com as pessoas no espectro, é necessário observar questões que, para neurotípicos, não são um problema, como luzes, sons, texturas e odores.
Porém, mesmo diante dessas limitações, as pessoas com TEA não estão sós. Projetos como “TEA – Eles não estão sós” mostram que o mundo pode não ter sido feito para elas, mas elas têm espaço e direitos. Agora, cabe à sociedade decidir de que lado quer estar.